terça-feira, setembro 15, 1992

MUDANÇAS E MUDANÇAZINHAS


FACE OCULTA

«Existe um perigo na mudança arrojada mas ainda maior é o perigo do conservadorismo ceg
                                                                                                                Henry George

«Os partidos são um mal necessário nos países livres.»
                                                                         Toqueville


MUDANÇAS E MUDANÇAZINHAS
DEMOCRACIA E PARTIDOCRACIA


Inicia-se, agora, a contagem descendente para o acto eleitoral regional de Outubro, com uma campanha eleitoral que promete aquecer.

Óptima altura para reflectir um pouco, e de forma desapaixonada, sobre a política e os políticos.

Aos açorianos vai pôr-se, mais uma vez, a possibilidade de optarem entre vários partidos. Não mais do que isso. Os eleitores vão votar em partidos, não vão votar em pessoas e, muito menos, em deputados. Os votos vão ser contabilizados aos partidos e não aos deputados. E a melhor prova disso é que quem ganhar, seja ele quem for, vai considerar esta vitória como do seu partido.

Os eleitores só estariam a escolher os seus deputados se eles respondessem directamente perante que os elegeu. Mas não, os deputados respondem em primeiro lugar perante o partido que os fez eleger.

No presente sistema os deputados estão, em primeira linha, comprometidos com o programa do partido ou coligação que foram eleitos. Tentar fazer crer o contrário é pura fraude. O deputado só representará directamente os seus eleitores quando for nominalmente eleito por eles e só perante eles responder.

O deputado «independente» eleito por um partido é um puro eufemismo normalmente destinado a captar votos indecisos que o partido não consegue tocar. O deputado independente só existirá de facto quando acabar o exclusivo dos partidos e os cidadãos se puderem candidatar com plataformas políticas autónomas.

Portugal, após 18 anos de exercício democrático, continua a manter um modelo de representação que assenta, quase exclusivamente (excepção às juntas de freguesia), nos partidos políticos. A vida política deste país e desta região é, em termos práticos, um exclusivo dos partidos.

Partidos que criaram os seus líderes (alguns de duração bem fugaz outros quase monarcas), os seus estados-maiores constituídos por «notáveis» e as suas clientelas. E são os partidos que têm monopolizado as escolhas dos nossos governantes, dos nossos deputados e dos nossos presidentes de câmara.

Os eleitores votam, sem dúvida, mas votam em opções que são uma espécie de refeições pré-cozinhadas. E, não poucas vezes, vêem-se obrigados e escolher entre o fogo e a frigideira!

Que vivam os partidos pois a sua existência é imprescindível numa sociedade livre. Mas que acabe este verdadeiro monopólio que detêm sobre a vida política do país. É certo que muita gente perderá tachos e benesses mas a democracia será reforçada. Não é por acaso que o nível das abstenções atinge níveis verdadeiramente preocupantes. Haverá um conjunto de razões mas de todas elas uma sobressai: o desencanto e o cepticismo perante os políticos e a política («todos querem é tacho»)

E de facto política («f. ciência ou arte de governar os povos ou nações») é substancialmente diferente de democracia («f. sistema político fundamentado no princípio de que toda a autoria emana do povo e que se materializa na participação deste na gestão administrativa estatal quer seja directamente ou por representação»). Mesmo quando a participação do povo se faz por representação (caso da Assembleia Regional) nunca esta representação se deveria autonomizar em relação aos eleitores. Mas não é isso que acontece na maioria dos casos. Acontece, sim, partidocracia (sistema político baseado no princípio de que todas a autoridade emana dos partidos) que, claramente, é uma forma menor de democracia.

Tarde a hora em que os partidos tenham a coragem e a isenção de modificar a Constituição no sentido de abrir à participação de verdadeiros independentes todos os níveis da vida política. Até para que não caia na hipocrisia de serem os próprios partidos (por definição o contrário de independência) a promoverem candidaturas de «independentes». Os partidos significam, por excelência, um ideologia e um projecto colectivos. Os independentes representam, por excelência, ideias e projectos personalizados. Como diria o Povo, «cada macaco no seu galho»!

Mas para participar na gestão de uma sociedade (democracia) não se pode resumir a votar de tantos anos ou meses, seja em partidos seja em independentes. Essa participação, para ser real, terá que se fazer no dia-a-dia e em todo o lado (emprego, rua, agremiações culturais e recreativas, sindicatos e associações patronais, associações de consumidores e de defesa do ambiente, etc.) As pessoas terão que perceber que todo o cidadão tem o direito e o dever de participar activamente na condução dos seus destinos – quer seja protestando, apoiando, denunciando ou criticando. Votar nas eleições embora sendo um acto cívico da maior impotência não é suficiente.

Os Açores precisam urgentemente de mudar, muita gente tem consciência disso. É urgente que a sociedade açoriana abandone mitos de infabilidade e tabus de insularidade. É urgente que se torne uma sociedade mais aberta, participada e solidária. É urgente acabar com o espírito da esmola e do subsídio. Os Açores têm que se bastar a si próprios, tem que viver ao nível das suas possibilidades. É urgente desenvolver e criar riqueza, mas esse esforço tem que ser colectivo.

As mudanças que urge introduzir não serão, por isso, atingidas apenas por se mudarem governantes ou partido. As mudanças só surgirão se a sociedade civil açoriana for capaz de se empenhar na sua obtenção. Os governos podem estimular essa participação como podem reprimi-la. Mas a última palavra deverá caber sempre ao cidadão.   

Se assim não for teremos (se tivermos) mudançazinhas e não mudanças. Do mesmo modo que continuaremos a ter partidocracia e não democracia.



P E D R O  D A M A S C E N O