sexta-feira, dezembro 30, 1994

GENTE POSITIVA


FACE OCULTA


GENTE POSITIVA



A muito pouco tempo do final do ano, nada melhor do que um pouco de reflexão.

Mais de 365 dias estão prestes a desaparecer na viragem da vida, num desfecho que convencionamos comemorar e de designar de passagem de ano. Normalmente de forma mais ou menos elegante conforme a disposição e a bolsa. Ao fim e ao cabo apenas mais um pouco de consumismo que não faz mal a ninguém e ajuda o sector hoteleiro e correlativos.

Mas pode ser também, uma boa oportunidade para fazer balanço do ano que passa a definir propósitos para o que começa.

Porque a humanidade, os países, as igrejas, os partidos, os clubes, etc., são, fundamentalmente, conjuntos de pessoas que lhes dão corpo e moldam a sai imagem. Porque a célula mais pequena de todas essas entidades ou instituições é sempre o homem. Homem que, por essa circunstância é sempre o primeiro responsável pela sua evolução. Sempre desde o mais alto dirigente ao mais modesto cidadão, do mais criativo artista à mais banal criatura.

E, contudo, quando nos sentamos à frente da televisão e vemos desfilar perante nós as grandes misérias e as grandes glórias do nosso quotidiano temos, quase sempre, a tendência para achar que isto ou aquilo tem pouco a ver connosco. Sejam os fundamentalistas islâmicos, os soldados fratricidas da Bósnia, as estrelas de Hollywood, os deputados à Assembleia da República, a família real inglesa ou mesmo os jogadores de futebol do nosso clube preferido.

Mas, por incrível que pareça, isso tem tudo a ver connosco.

Apenas, essa ligação existe de forma mais longínqua ou mais próxima. Apesar de todas diferenças o que nos une – humanos – é sempre mais do que nos separa. É a força intransponível de sermos uma espécie animal, com as características comuns forjadas pelo material genérico que nos confere uma identidade comum, pesem as diferenciais raciais, geográficas e culturais.

Qualquer ser humano – por muito poderoso, capaz ou inteligente que seja – não pode jamais substituir-se à sociedade nem vice-versa. O homem é um ser gregário e vivendo, desde sempre, em grupos. Condição que se tem mostrado indispensável para a sua sobrevivência. Naturalmente que há pessoas que por razões muito diversas influenciam ou influenciaram mais os destinos da humanidade do que outras.

 Mas todos e todas a gente influencia os destinos da sua comunidade, do seu partido, dos eu clube, da sua terra, do seu país, da humanidade. Pela razão elementar que somos a sua célula básica. Portugal não é apenas aquilo que o Dr. Mário Soares e o Prof. Cavaco Silva, os deputados ou governo representam. Portugal é o somatório de todos nós portugueses da mesma forma que a humanidade é o somatório de todos nós portugueses da mesma forma que humanidade é o somatório de todos nós humanos, sejam eles da Calheta do Nesquim ou da Bósnia Herzegovina.

De modo que talvez seja tempo de nos começarmos a assumir da nossa verdadeira dimensão que é um misto de grandeza pequenez: de grandeza porque a humanidade é impensável sem nós, de pequenez porque não passamos de grãos de areia. Mas de grãos de areia são constituídas grandes montanhas que nem por serem colossais os podem dispensar.

E se o mundo não é melhor é porque a humanidade no seu conjunto, e cada um de nós, em particular, não tiveram capacidade para fazer melhor. Verdade que se torna importante realçar numa época em que os fenómenos de massificação (sobretudo através dos média) e de despersonalização atingiram proporções muito preocupantes. Circunstância que muita boa gente evoca para justificar as suas omissões e os seus erros: “para que me vou eu chatear ou armar em sério se ninguém liga nada a isso?”

E de facto a vida moderna cada vez mais se transforma numa correria acéfala e irresponsável para a cova. Pouca gente pára para pensar e para se indagar sobre o que a faz correr. Tudo corre atrás de foguetes – quando mais coloridos melhor!

E, no fundo, tudo é bem mais fácil do que parece. Se todos nós, individualmente, lutarmos para ser cidadãos de bem – gente positiva – a humanidade será também mais positiva e o mundo melhor. E não adianta atirarmos pedras a quem quer que seja – político, líder religioso ou mesmo o vizinho da porta – antes de nós próprios sermos capazes de nos conduzir na senda da liberdade da justiça e da fraternidade. Valores que não poderão deixar de estar presentes em qualquer sociedade que aspire a ser civilizada.

De gente positiva é que este ano de 1995, que nasce agora, precisa.


P E D R O  D A M A S C E N O


sexta-feira, dezembro 16, 1994

OS CAPADORES DA ILHA (III)


FACE OCULTA


OS CAPADORES DA ILHA (III) OS FILHOS DA CAPADELA



Encerrados os debates parlamentares e votado o orçamento regional para 1995, correu o pano sobre mais um acto da farsa em que este nosso quotidiano picoense transformou.

Depois de tudo o que foi dito e redito por toda a gente, nomeadamente pelos nossos políticos da situação, o Pico ficou mesmo sem verba que estava contemplada no plano a médio prazo para 1995 e que se destinava ao aumento da pista da ilha. Opção que estava feita, depois de discutida e rediscutida desde os tempos em que foi inaugurado o aeroporto que já, então, devia ter tido a largura que ainda hoje não tem.

Mas nessa altura, como ainda hoje, não prevaleceu nem o bom senso nem sequer uma elementar conta aritmética. O que, ontem, teria custado literalmente mais tostões iria custar, hoje, três centenas de milhares de contos e custará provavelmente, amanhã, o dobro. Quem inscreveu, no início desta legislatura, uma verba substancial no plano a médio prazo para o alargamento da pista do Pico não o fez, certamente, de ânimo leve. Deve ter tido, como é lógico, razões poderosas que, posteriormente, tudo e todos vieram confirmar.

Razões que não foram postas em causa por uma recém-inventada surrealista teoria que afirma que a espessura da pista do Pico não é satisfatória e que alargar a pista significaria refazer todos o piso betuminoso o que atiraria os custos para valores astronómicos! Uma tese desprovida de qualquer fundamento técnico e para cuja confirmação científica insuspeita, desde já, se lança aqui o repto a quem tem direito. 

Contexto em que os deputados picoenses eleitos pela maioria regressaram ao Pico, com o rabo entre as pernas, trazendo apenas um salvar de face consubstanciando numa humildérrima verba de 10.000 contos destinados à realização de um estudo (agora?) de viabilidade do aumento da pista!

Contrapartida que conseguiram obter, possivelmente a ferros, em relação aos mais cerca de 800 mil contos que São Miguel conseguiu obter para 1995! Por pouco não voltaram completamente desfeiteados.

Porque esses 10.000 contos foram apenas isso: um salvar da face dos deputados picoenses do PSD que votaram a favoravelmente um orçamento que retirou ao Pico uma verba avultada já consagrada num plano a médio prazo e reivindicada por todos os sectores da ilha capitaneados pelo Conselho da Ilha.

Se é verdade que em termos estritamente, aritméticos 10.000 contos é melhor do que nada não é menos verdade que os autarcas e deputados da ilha eleitos pelo PSD sofreram uma humilhante derrota infligida pelo seu próprio partido. Derrota infligida pelo seu próprio partido. Derrota que calaram em troca de um prato de lentilhas.

Só se pode esperar, agora, é que possam tirar dessa grande derrota as respectivas lições e prepararem o futuro que, pelos vistos, não se apronta para lhes ser grandemente favorável. Hoje foi a pista, a seguir serão os muitos projectos que vão ter que ficar na gaveta à espera de melhor oportunidade. É assim a política mesmo para quem se acolhe debaixo de protecção do sombreiro governamental!

Mais uma vez os capadores da ilha mostraram que estão activos e não brincam em serviço. Venham eles disfarçados de directores regionais munidos de pseudo argumentos técnicos, de administradores da SATA com estatísticas de cancelamentos misturando alhos com bugalhos ou de joviais e gozadores deputados da ilha capital.

A ilha do Pico não precisa de uma pista em condições porque tem sonhos inconfessáveis ou inconfessados de ter TAP ou de ter charters (se calhar até poderia vir a ter, um dia, esses sonhos uma vez que o sonho comanda a vida!). O que o Pico precisa, urgentemente e agora, é de ter um aeroporto que permita uma operação normal da SATA nomeadamente no Inverno e é essa a reivindicação que todas a gente sensata advoga. O resto são histórias da carochinha.

E o que nos deixa a nós todos como filhos da capadela.


P E D R O  D A M A S C E N O