sexta-feira, dezembro 15, 1995

A caridade da RTP/A

FACE OCULTA

A CARIDADE DA RTP/A

Não é segredo para ninguém que existem bolsas de pobreza nos Açores e que os fenómenos de maior marginalização social ocorrem em São Miguel. São conhecidas as histórias dos “São-miguéis” que vinham por aí a baixo e que, frequentemente, continuavam marginais nestas ilhas abaixo.

Com regularidade temos ocasião de ver nos telejornais episódicos de faca e alguidar que ocorrem em Rabo de Peixe e outras zonas semelhantes de São Miguel, aonde se constata um nível económico, social e cultural que dificilmente se encontrará no resto da Região. São Miguel que, desde sempre, nos habituou a gritantes contrastes sociais que vêm do tempo de antanho – do Clube Micaelense aos bairros de lata.

E a miséria humana, seja ela porque for (e tantas vezes existe sem razões objectivas), deve merecer a compaixão de todos nós. Porque essa é, sem dúvida, uma das virtudes mais importantes que um ser humano pode ter. E a compaixão – a capacidade de sentir o sofrimento dos outros – é condição prévia e indispensável para que a solidariedade possa existir.

Solidariedade que durante muitos anos, no tempo negro da ditadura, ficou praticamente entregue às instituições de beneficência e de solidariedade social à esmolinha que cada um de nós ia arranjando para tentar suprir, no imediato, faltas gritantes. Durante muitos anis Portugal teve um exército de pedintes – no verdadeiro sentido do termo – que não tinham outra hipótese do que estender a mão à caridade.

Com o virar da página do advento da democracia o país não passou, de repente, a rico mas as oportunidades sociais e de trabalho passaram a ser completamente diferentes e a segurança social – apesar de todas as suas limitações – veio trazer resposta a muitas situações desesperadas.

Depois veio a autonomia, a integração europeia, os incentivos comunitários e, brevemente segundo dizem, virá a moeda única. Portugal e os Açores saíam, finalmente, do getho em que o fascismo os tinha mantido.

Mas – e todos que querem ver sabiam – os problemas de pobreza e exclusão social não tinham sido erradicados nem de Portugal nem dos Açores. Problemas que, hoje, estão relacionados, também, com questões novas como é o caso da droga. Por isso se tem formado todo o tipo de comissões e o próprio ministério mudou de nome para solidariedade social.

Esperámos nós que a região estivesse, também, no caminho da solução para esse tipo de problemas. Solução institucional e tecnicamente enquadrada como é de esperar numa sociedade democrática e solidária.

Quando não é, portanto, o nosso espanto em vésperas deste Natal, vemos a televisão estatal vir pedir esmola pública em nome de um conjunto de imagens, deprimentes com que nos tem brindado todos os dias!

Sem questionar a melhor das intenções dos locutores que fazem os apelos do programa PARTILHA, o assunto é da maior gravidade e não pode de deixar de ficar qualquer cidadão lúcido de boca aberta.

No ano da graça de 1995 vem a RTP-Açores fazer peditório em nome de situações que não podem existir – a menos que haja graves falhas do sistema – numa sociedade moderna e integrada no espaço europeu! Passando de uma cajadada a um atestado de incompetência e incapacidade às autoridades regionais e de parvos aos telespectadores que são supostos começarem em depositarem dinheiro em contas bancárias para suprir – ninguém sabe como – situações que são da responsabilidade do estado que tem obrigação de assegurar a todos os cidadãos condições de vida condignas e igualdade de oportunidades. Para isso pagamos cada vez mais impostos.

Sem contestar a verdade dos casos apresentados e a urgência de uma solução (mas de fundo apenas conjuntural), é inadmissível que a saída encontrada seja fazer um peditório. É uma situação que desprestigia completamente os órgãos de governo próprio da região que não foram capazes, ao longo de 20 anos, de resolver questões sociais tão graves como as que passam no écran e a todos nós que andamos a votar em governos que fizeram monumentos à autonomia que custaram centenas de milhares de contos mas não souberam dar de comer a quem tem fome e dar tecto a quem está desabrigado.

O programa PARTILHA por todas essas razões é uma iniciativa digna de figurar numa televisão estatal de qualquer república das bananas. A obrigação da RTP/Açores, se estivesse a cumprir adequadamente o seu papel, teria sido a de denunciar publicamente essas situações num programa tipo magazine e chamar a atenção para quem de direito promovendo, inclusive, um debate público que viesse esclarecer as razões de situações tão anómalas e lamentáveis.

Ao ter embarcado no apelo ao sentimento das pessoas como o fez (faz lembrar o amputado que mostra a sai mazela para pedir esmola) a RTP/Açores veio conferir a uma questão que é política e de sistema uma dimensão exclusivamente patética.

Justiça e solidariedade social sim, caridade não.


P E D R O  DA M A S C E N O

A caridade da RTP/A

FACE OCULTA

A CARIDADE DA RTP/A

Não é segredo para ninguém que existem bolsas de pobreza nos Açores e que os fenómenos de maior marginalização social ocorrem em São Miguel. São conhecidas as histórias dos “São-miguéis” que vinham por aí a baixo e que, frequentemente, continuavam marginais nestas ilhas abaixo.

Com regularidade temos ocasião de ver nos telejornais episódicos de faca e alguidar que ocorrem em Rabo de Peixe e outras zonas semelhantes de São Miguel, aonde se constata um nível económico, social e cultural que dificilmente se encontrará no resto da Região. São Miguel que, desde sempre, nos habituou a gritantes contrastes sociais que vêm do tempo de antanho – do Clube Micaelense aos bairros de lata.

E a miséria humana, seja ela porque for (e tantas vezes existe sem razões objectivas), deve merecer a compaixão de todos nós. Porque essa é, sem dúvida, uma das virtudes mais importantes que um ser humano pode ter. E a compaixão – a capacidade de sentir o sofrimento dos outros – é condição prévia e indispensável para que a solidariedade possa existir.

Solidariedade que durante muitos anos, no tempo negro da ditadura, ficou praticamente entregue às instituições de beneficência e de solidariedade social à esmolinha que cada um de nós ia arranjando para tentar suprir, no imediato, faltas gritantes. Durante muitos anis Portugal teve um exército de pedintes – no verdadeiro sentido do termo – que não tinham outra hipótese do que estender a mão à caridade.

Com o virar da página do advento da democracia o país não passou, de repente, a rico mas as oportunidades sociais e de trabalho passaram a ser completamente diferentes e a segurança social – apesar de todas as suas limitações – veio trazer resposta a muitas situações desesperadas.

Depois veio a autonomia, a integração europeia, os incentivos comunitários e, brevemente segundo dizem, virá a moeda única. Portugal e os Açores saíam, finalmente, do getho em que o fascismo os tinha mantido.

Mas – e todos que querem ver sabiam – os problemas de pobreza e exclusão social não tinham sido erradicados nem de Portugal nem dos Açores. Problemas que, hoje, estão relacionados, também, com questões novas como é o caso da droga. Por isso se tem formado todo o tipo de comissões e o próprio ministério mudou de nome para solidariedade social.

Esperámos nós que a região estivesse, também, no caminho da solução para esse tipo de problemas. Solução institucional e tecnicamente enquadrada como é de esperar numa sociedade democrática e solidária.

Quando não é, portanto, o nosso espanto em vésperas deste Natal, vemos a televisão estatal vir pedir esmola pública em nome de um conjunto de imagens, deprimentes com que nos tem brindado todos os dias!

Sem questionar a melhor das intenções dos locutores que fazem os apelos do programa PARTILHA, o assunto é da maior gravidade e não pode de deixar de ficar qualquer cidadão lúcido de boca aberta.

No ano da graça de 1995 vem a RTP-Açores fazer peditório em nome de situações que não podem existir – a menos que haja graves falhas do sistema – numa sociedade moderna e integrada no espaço europeu! Passando de uma cajadada a um atestado de incompetência e incapacidade às autoridades regionais e de parvos aos telespectadores que são supostos começarem em depositarem dinheiro em contas bancárias para suprir – ninguém sabe como – situações que são da responsabilidade do estado que tem obrigação de assegurar a todos os cidadãos condições de vida condignas e igualdade de oportunidades. Para isso pagamos cada vez mais impostos.

Sem contestar a verdade dos casos apresentados e a urgência de uma solução (mas de fundo apenas conjuntural), é inadmissível que a saída encontrada seja fazer um peditório. É uma situação que desprestigia completamente os órgãos de governo próprio da região que não foram capazes, ao longo de 20 anos, de resolver questões sociais tão graves como as que passam no écran e a todos nós que andamos a votar em governos que fizeram monumentos à autonomia que custaram centenas de milhares de contos mas não souberam dar de comer a quem tem fome e dar tecto a quem está desabrigado.

O programa PARTILHA por todas essas razões é uma iniciativa digna de figurar numa televisão estatal de qualquer república das bananas. A obrigação da RTP/Açores, se estivesse a cumprir adequadamente o seu papel, teria sido a de denunciar publicamente essas situações num programa tipo magazine e chamar a atenção para quem de direito promovendo, inclusive, um debate público que viesse esclarecer as razões de situações tão anómalas e lamentáveis.

Ao ter embarcado no apelo ao sentimento das pessoas como o fez (faz lembrar o amputado que mostra a sai mazela para pedir esmola) a RTP/Açores veio conferir a uma questão que é política e de sistema uma dimensão exclusivamente patética.

Justiça e solidariedade social sim, caridade não.


P E D R O  DA M A S C E N O

quinta-feira, novembro 30, 1995

Esquecimento ou desinteresse?

FACE OCULTA


ESQUECIMENTO OU DESINTERESSE?



Em vésperas de discussão e aprovação do orçamento regional, a questão do aeroporto do Pico parece ter entrado no esquecimento (?). À parte a intervenção genérica de um deputado da oposição que ao assunto se referiu, a temática parece ter desaparecido da lista de prioridades dos vários responsáveis, nomeadamente dos presidentes de câmara da ilha.

Após o voluntarismo demonstrado no passado, tudo indica que o assunto aeroporto foi deixado cair. E nem a decisão conciliatória tomada na apreciação do último orçamento de dotar o Pico de uma verba para estudar (?) o assunto, teve qualquer seguimento.

Ninguém sabe se o estudo que foi dotado de verba foi efectuado e, muito menos, quais as suas eventuais conclusões. Quando o teria feito sentido era que esse estudo – perfeitamente questionável, tivesse sido feito de imediato de molde a poder instruir e fundamentar uma decisão em sede de orçamento no presente ano.

Foi para isso que aliás, alertámos a quem de direito nesta coluna. Que o trabalho preparatório para a inclusão do orçamento regional para 1996 de uma verba significativa para o aeroporto do Pico teria quer ser iniciado no dia seguinte à aprovação do orçamento de 1995. Para que, com tempo, os necessários consensos tivessem sido assegurados.

Mas infelizmente tudo ficou em águas de bacalhau e o assunto parece ter morrido, pelo menos a nível dos responsáveis. Isso após o Conselho de Ilha ter, muito claramente definido a questão da pista como fundamental. Decisão, de resto, apoiada por todas as forças políticas e pela população em geral.

Circunstância que torna a presente cortina de silêncio mais pesada, estranha e inexplicável.

Independentemente de qualquer outra análise, o aumento da pista do Pico, em conjunto com as estradas, continua a ser a grande prioridade para o desenvolvimento da ilha. Sobretudo tendo em atenção que o grande sector do turismo se perfilha como a grande alternativa para o desenvolvimento económico.

Embora se possa perceber que a Região atravessa dificuldades de carácter financeiro que possam dificultar a execução imediata do aumento e reformulação da pista, não se pode perceber que o assunto tenha sido deixado cair, pura e simplesmente. O que pode, inclusive, fundamentar raciocínios sobre eventuais arranjos políticos de bastidores, em que a questão da pista tenha servido como moeda de troca para qualquer outra coisa.

Então, meus senhores, o assunto da pista é ou não é prioritário?

Se, final de contas, mudaram de opinião e chegaram à conclusão que não é, terão que assumir isso publicamente e o respectivo ónus. Se continuam a pensar que é, então terão que explicar porque deixaram cair o assunto.

Porque as eventuais dificuldades financeiras do governo não explicam a razão pela qual o estudo previsto nunca se chegou a fazer ou se chegou porque é que as suas conclusões não foram tornadas públicas.

A questão de fundo continua a ser saber se há ou não vontade política de tornar a pisa do Pico operacional. Quer por parte do Governo Regional quer por parte dos responsáveis políticos do Pico.
O resto resumir-se-á a questões técnicas e de calendarização.

O que é essencial para o Pico é uma decisão política governamental inequívoca. Para a qual são imprescindíveis todo o tipo de pressões por parte dos deputados, câmaras, conselho de ilha, etc..

E, portanto, o que nos preocupa é que não tenha sido tomada qualquer decisão e que quem, ontem, se debatia por esse desiderato tenha, agora, deixado cair os braços.

A questão do aeroporto do Pico, pese a quem pesar, continua a ser a grande prioridade da ilha, logo de seguida das estradas e das ligações marítima no triângulo. E as prioridades, obviamente, não são flutuantes ao sabor de qualquer tipo de conveniências.

Como alertamos no passado, este tipo de decisões não pode ser deixado para a última hora quando o plano e orçamento já estão feitos e nada de fundo vai ser alterado.

Custa a crer que os políticos do Pico, nomeadamente os do PSD, tenham deixado passar mais um ano sem se terem esforçado para obter os apoios e consensos prévios indispensáveis para consagração no plano e orçamento de uma reivindicação tão fulcral. Não seria fundamental que udo fosse executado em 1996 mas era imprescindível que a decisão estivesse tomada e fosse, ao menos, dotada de uma verba simbólica.

Uma nota muito negativa para os nossos políticos, sobretudo para os da maioria. Não é assim que se faz desenvolvimento.



P E D R O  DA M A S C E N O

quarta-feira, novembro 15, 1995

Uma Secretaria Regional no Pico

FACE OCULTA

À CONSIDERAÇÃO DO/A PRÓXIMO/A PRESIDENTE DO GOVERNO REGIONAL

UMA SECRETARIA REGIONAL NO PICO


É um dado adquirido e pacífico que o Turismo é o sector que, nos Açores, poderá desempenha um papel estruturante decisivo na economia e constituir a grande vocação de uma região de parcos recursos. Sendo que o grande trunfo que o arquipélago tem para fazer face a uma feroz concorrência internacional, e mesmo nacional, na área do turismo são os nossos excepcionais recursos naturais.

O destino Açores é, face ao preço dos transportes, um destino, necessariamente, caro mas não, necessariamente, condenado a sucumbir às inexoráveis leis do mercado. Para tanto bastará que o sector ofereça atractivos específicos e exclusivos. E de todos eles avulta, sem dúvida, a natureza e o ambiente.

Os Açores são ao nível da Europa uma autêntica reserva natural com níveis de usufruto, tranquilidade e segurança muito elevados e com índices de poluição muito baixos. Factores que aliados a uma boa retaguarda hoteleira e de animação poderão tornar o arquipélago num caso sério de turismo de qualidade.

Contudo, a preservação da nossa natureza/ambiente está longe de ser apenas uma questão do foro do turismo. Bem pelo contrário. A saúde e a qualidade de vida estão lhe, indissociavelmente, ligadas. O grande mal da modernidade – o stress – está, em primeira linha, ligado à quebra de um relacionamento do homem para com o seu habitat natural.

O stress conhecer o seu início nas servas de betão e poluição que são as grandes cidades. E, como uma nódoa, tem vindo a alargar-se inexoravelmente ao campo e à periferia, mercê da ânsia imparável do crescimento económico cego e depredador. Em poucas décadas o homem sofreu alterações do seu habitat natural extremamente severas e que nos conduzem a doenças perfeitamente evitáveis.

Circunstâncias que levaram ao surgimento dos movimentos ecologistas europeus que continuam em franco crescimento e que vieram influenciar decisivamente os partidos clássicos que se viram na contingência de perder o comboio. E nenhum político que se preze deixa de incluir, hoje, no seu discurso, o tema da ecologia.

Infelizmente em muitas regiões do mundo, incluindo a Europa, não será fácil corrigir os muitos e graves erros cometidos. Noutras, como a nossa, a situação é bem diferente sobretudo por causa do atraso no desenvolvimento económico – neste aspecto providencial. Circunstância que nos permitirá aprender com os erros dos outros e, se formos capazes, de desenvolver sem poluir ou agredir a natureza.

Razões mais do que suficientes para que o Ambiente deixe de ser apenas uma direcção regional integrada numa secretaria que, embora se designe do turismo e ambiente, é muito mais daquele do que deste. E para além disso o ambiente, embora deva estar sempre na mente de quem quiser desenvolver a sério o sector do turismo nos Açores, é muito mais do que isso. É condição “sine qua non” para a nossa saúde e, sobretudo, para a nossa qualidade de vida.

E não há desenvolvimento económico que valha a pena se puser em causa a nossa saúde, a nossa qualidade de vida – únicas razões, aliás, porque valerá a pena desenvolver. O consumo só pelo consumo é uma perspectiva que apenas poderá conduzir à exaustação cega dos nossos recursos naturais e à doença. Quantas inutilidades compramos todos os dias que apenas nos vêm complicar a vida?


Senhor/a futuro/a Presidente do Governo dos Açores


Sobram, assim, argumentos para que V. Exª. crie no seu governo, saído das próximas eleições regionais, a Secretaria Regional do Ambiente e dos Recursos Naturais. Secretaria da maior importância para a preservação e defesa daquilo que é nosso maior património e que deverá deixar de estar debaixo da alçada dos sectores económicos mas que, bem pelo contrário, os deverá vir a condicionar.

Para isso será necessária coragem política e uma boa dose de lucidez intelectual. Mas não tenha V. Exª. duvidas que de si rezará a história.

Sem pretender entrar em polémicas antecipadas mas dado que esse departamento governamental terá que existir fisicamente algures, porque não no Pico? Porque não sediar na Ilha do Futuro uma Secretaria do Futuro?

Não está escrito em parte nenhuma e por conseguinte não tem força de lei que as sedes de todos os departamentos governamentais se tenham que se situar sempre em Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e Horta. A autonomia já amadureceu o suficiente para que os delicados arranjos políticos da sua arrancada tenham de se manter imutáveis.

Que ilha melhor que o Pico, na sua majestade rural e na sua diversificada natureza, poderá dar acolhimento a um departamento cujo objectivo primordial deverá ser justamente a defesa de todos esses valores que ela tão bem representa?



P E D R O  DA M A S C E N O

sexta-feira, outubro 13, 1995

Cvaco por um canudo?

FACE OCULTA


CAVACO POR UM CANUDO?


Extintos os últimos clamores das legislativas, que tiveram um desfecho exemplarmente claro, já se começam a aquece os motores para as presidenciais.

E é assim que vem um PSD, ainda a camber as feridas da derrota eleitoral, solicitar, nalguns casos pateticamente a candidatura presidencial de Cavaco Silva. Em termos e com veemência que chama a atenção de qualquer observador menos atento.

E os termos são efectivamente muito peculiares: o ex-partido maioritário, protagonista quase único da vida política nacional dos últimos dez anos, vem no rescaldo da derrota propôs o seu líder e ainda primeiro-ministro como defensor ideal do equilíbrio das instituições e árbitro privilegiado!

Ou seja, o homem que marcou o estilo e o conteúdo da governação de Portugal durante uma década e que foi, por isso mesmo, o principal responsável pela derrota do seu partido (Fernando Nogueira apenas desempenhou o papel de duplo: levou a porrada que era para o outro) seria, na óptica do PSD, o político ideal para garantir, agora, a estabilidade da vida política nacional que passou a ter como protagonista principal exactamente o partido que lhe infligiu essa derrota!

Situação que torna o apelo de altos dirigentes social-democratas à candidatura do Prof. Cavaco Silva em puro surrealismo político. Surrealismo que só pode encontrar explicação na ansiedade que esses dirigentes colocam na procura de um salvar de face para um partido que, de repente, passou do tudo para um papel secundário. Possivelmente o próprio PP poderá vir a ter um papel mais relevante na nova legislatura.

Independentemente dos méritos (e tem muitos) e deméritos que o Prof. Cavaco tenha, ele é, talvez, o político menos bem habilitado – neste momento – para assegurar a estabilidade que, efectivamente, Portugal necessita nos próximos quatro anos. Pela circunstância muito simples mas fatal de terem sido ele e as suas políticas os grandes derrotados das eleições legislativas.

O eventual sucesso do Governo do Partido Socialista será, sempre, a confirmação da justeza da derrota do Partido Social Democrata e de Cavaco Silva. Apenas um mau governo e uma má governação do PS serve, objectivamente, os interesses dos derrotados.

O que torna o ainda primeiro-ministro em parte altamente interessada num desfecho dos próximos anos de governo socialista e, consequentemente, falho da isenção indispensável ao exercício do cargo de presidente da república. O único objectivo que a sua eleição poderia servir seria, apenas um salvar de face para um partido e para um homem que já não estavam habitados a perder.

Quando Cavaco Silva abandonou a liderança do partido da forma como fez, sabia muito bem o que estava a fazer. Quando manteve um silêncio tumular sobre a sua candidatura a Belém, também sabia muito bem e que estava a fazer. Deixou um partido e um país suspenso de desígnios cujos contornos possivelmente só ele próprio conhece e que são, por isso mesmo, essencialmente individuais.

Se Cavaco Silva não se candidatar às próximas eleições presidenciais vai deixar, certamente, em pânico largos sectores do seu partido mas ficará posicionado para o poder vir a fazer em circunstâncias mais favoráveis no futuro. Se o fizer agora, apenas virá provar que a sua saída da liderança do partido não foi um acto de desapego ao poder mas somente uma maneira habilidosa de fugir com “o rabo à seringa” de uma derrota humilhante que ele temia para logo a seguir tentar apanhar o primeiro comboio de poder. Circunstância que lhe poderá valer outra valente derrota e ao PSD.

Poderá argumentar-se, com o mesmo tipo de lógica, que a candidatura de Jorge Sampaio está também inquinada de falha de isenção tendo em conta a actual maioria socialista. Embora as circunstâncias sejam, substancialmente, diferentes (a candidatura surgiu bastante antes das legislativas), essa possibilidade existe e será, com certeza, juntamente com o perfil dos restantes candidatos, uma das várias questões que deverão vir a pesar na decisão final dos eleitores.

Mas uma coisa é certa: Cavaco Silva é, neste momento, o político que menos condições subjectivas e objectivas tem para assegurar a estabilidade em Portugal – tudo está demasiado próximo e quente para que ele possa assegurar as indispensáveis qualidades de serenidade e isenção para o exercício da mais alta magistratura do estado.

Cenário que poderá se bem diferente daqui a cinco anos.


P E D R O  DA M A S C E N O



sexta-feira, setembro 29, 1995

Novo ano, nova vida?

FACE OCULTA


NOVO ANO, NOVA VIDA?


As lanchas do Pico iniciaram o horário de Inverno, o que significa retroceder algumas décadas no tempo. Porque o tradicional horário de Inverno é isso mesmo – um retrocesso no tempo.

Só quem está completamente desfasado no tempo e alheado das novas (?) realidades que se vivem neste conjunto de ilhas e no mundo em geral poderá continuar a manter, ano após ano, um horário que servia bem há 30 ou 40 anos.

Basta atentar no aumento exponencial de passageiros que cruzam o canal e no aumento, também exponencial, do parque automóvel do Pico para se perceber que a realidade do canal mudou substancialmente e vai continuar a mudar. Nem a operação da TAP no aeroporto da Horta que naturalmente também tem – em pé de igualdade – o Pico como destino conseguiu fazer luz nalguns espíritos.

São as pessoas – que deveriam ser os destinatários privilegiados da filosofia dos horários das lanchas do canal – que tem que se condicionar as suas vidas ais horários e não o contrário.

Ou seja, são os utentes do aeroporto da Horta com destino ou origem no Pico, os picoenses que são obrigados a recorrer ao Hospital da Horta ou a um conjunto de serviços que não existem no Pico (desde o Centro de Emprego à Inspecção de Trabalho) que têm que andar a “dançar” em função de horários desajustados e desarticulados e que não têm qualquer lógica para os tempos que correm. Para não falar de outras áreas que têm vindo a adquirir peso crescente como é o caso do turismo que toda a gente pretende que seja cada vez menos sazonal mas que na prática é considerado sector não existente no Inverno.

Por tudo isso não cabe na cabeça de ninguém – nem do diabo – que durante largos meses do ano a última lancha do Faial para o Pico deixe a Horta às 16 horas! Não se percebe que um serviço público passe a condicionar, de forma muito gravosa e por razões incompreensíveis para o comum dos mortais, o bem estar e os interesses dos cidadãos e da comunidade durante a maior parte do ano.

Possivelmente durante alguns meses de inverno, não todos, três lanchas por dia continuam a ser suficientes. Mas é fundamental que os seus horários estejam de acordo com as necessidades e exigências de dealbar do ano 2000. E isso significa que deverá manter-se numa lancha matinal, de início de dia, uma a meio dia e, finalmente última que deverá uma lancha de fim de dia (o que deverá significar a saída da Hora entre as 17 e as 17H30) e que permita que as pessoas de ambos os lados do canal organizem e concretizem a sua vida de uma forma normal.

Seria interessante saber quantas pernoitas e refeições na Horta para além de todos os outros incómodos, já tiveram os picoenses ao longo destes últimos 20 anos. Os horários das lanchas do canal não podem continuar a ser elaborados apenas de acordo com os interesses do Faial ou da imprensa concessionária. Como serviço público terão que ter, também, em linha de conta os interesses e as necessidades (algumas delas inevitáveis) dos picoenses.

Os actuais horários de inverno não servem, objectivamente, os interesses do Pico por muitas desculpas (das quais uma das mais interessante é a questão das viagens de noite) que se arranjem. Seria, mesmo, interessante ouvir as câmaras picoenses e o próprio governo a pronunciarem-se sobre o assunto que toda a gente percebe e sente que está mal mas que continua a perpetuar-se, impunemente.

Da mesma forma que os horários da SATA não podem ser feitos apenas com base nos interesses de São Miguel, os horários da Transmaçor não podem ser feitos apenas a pensar no Faial ou nos interesses daquela empresa.

A alteração do horário da lancha da manhã aos domingos que se verificou este ano foi um facto positivo que se sublinha e que correspondeu á lógica de um serviço que deve ter interesse dos utentes na primeira linha das suas preocupações. Resta, agora, saber se essa alteração correspondeu, apenas, a um facto isolado ou se teve como causa uma nova atitude.

Curiosamente as alterações de clima tendo vindo, mesmo, a esbater as diferenças entre estações a ponto de não se poder falar já nestas como marcos objectivos mas apenas como referências históricas e culturais. Já ninguém sabe quando começa o inverno ou acaba o verão.

O novo “ano marítimo” aí será. Seria excelente que fosse ele a inaugurar a nova era das comunicações no canal trazendo para estas paragens um pouco de bom senso e criatividade.

Novo ano, nova vida?



P E D R O  DA M A S C E N O



quarta-feira, agosto 30, 1995

O lucro da imoralidade

FACE OCULTA 

«O maior risco que o homem enfrenta como espécie é o seu baixo nível de espiritualidade.»
Stan Islav Grof


O LUCRO DA IMORALIDADE


Até a sisuda BBC decidiu uns bons minutos dos seus noticiários televisivos, em dias consecutivos, ao “escândalo”.

Um conhecido actor britânico tinha sido preso pela polícia americana em Sunset Boulevard – Hollywood por ter sido apanhado em fragrante delito de prática de sexo oral por parte de uma prostituta da zona que tinha sido encontrada para o efeito.

A sociedade americana conhecida pela super hipocrisia em matéria de sexo levou os intervenientes, com o número de identificação de polícia ao peito, às televisões de todo o mundo. Embora se tratasse apenas de um delito (?) privado cujo único ingrediente diferente era o facto de um dos protagonistas ser um actor famoso.

Mesmo em Inglaterra o assunto serviu para extensas reportagens televisivas sobre as reacções da namorada do actor, filmada nas mais variadas situações. Transformando, assim, um assunto, privado, num assunto com honras de “prime time” televisivo.

O actor Hugh Grant não teve, por conseguinte, direito à sua privacidade só pelo facto de ser muito conhecido e pelo seu “deslize” ser matéria suficientemente forte para um público ávido de notícias sensacionalistas e sórdidas.

Tudo isso só por si já seria mau e dá uma boa ideia da decadência em que a nossa sociedade se encontra. Perderam-se as balizas do bom senso e do mínimo decoro e nada nem ninguém é respeitado: nem protagonistas nem público. O que interessa é que a notícia se venda, não interessa porquê.

Mas, infelizmente, o assunto não ficou por aqui.

Veio, agora, a conceituada revista Time publicar uma foto de Divine Brown (a prostituta a acompanhar a notícia de que ela acabou de assinar um contrato de 30 mil dólares com uma companhia de roupa interior para fazer a promoção dos seus produtos!

Ou seja, uma prostituta de rua de Hollywood ganha notoriedade a ponto de ter fotografia na revista Time e assegura um contrato de promoção de lingerie apenas pelo facto de ter exercido a sua profissão na pessoa de actor conhecido. Portanto aquilo que é um lamentável sinal dos tempos – o exercício da prostituição de rua num país com um nível de desenvolvimento como os Estados Unidos – não só foi matéria para parangonas de televisão mas oportunidade de negócio.

Só falta agora, à boa maneira americana, que qualquer dia apareça nos escaparates das livrarias, um livro assinado por Divine Brown em que ela relate em pormenor o seu já famoso sexo oral! E que, logo de seguida, se faça um filme sobre o assunto.

É evidente que nada nos mova contra as preferências sexuais privadas de cada um. É um assunto de foro íntimo e ninguém tem nada com isso.

O que é importante analisar é o facto de um lamentável episódio de sexo de rua, ocasional e desprovido de qualquer elevação, se transforme em matéria noticiosa de primeira página e em motivo de promoção dos prevaricantes e mesmo em oportunidade de bons negócios.
Que conclusões poderão os nossos jovens tirar de episódios como este? Que leitura poderão eles fazer de tudo isto? Obviamente que não há limites para a falta de decoro e bom senso e que o crime (?) ou a imoralidade até compensam. Tudo o que é preciso é que a história tenha algum ingrediente picante.

Imagine-se, por exemplo, o cartaz e o cachet que Divine Brown conseguiria se em vez de fazer sexo oral a Hugh Grant o tivesse feito ao Príncipe de Gales! Em vez dos filmes das lágrimas da namorada do actor teríamos circunspectos comunicados de imprensa emitidos pela Casa de Windsor e seráficas fotografias da rainha. Tudo o resto dependeria de um marketing e feito.

É pena que a cinco anos do ano 2000 num mundo tão problemático como o nosso em que a nossa própria existência poderá estar em causa e em que temos de vencer desafios tão grandes como a guerra, a fome e a doença (e mesmo a ameaça nuclear) ainda haja tempo e mercado para pequenas histórias frívolas e sórdidas sobre nada.

O que só vem atestar o baixo grau de espiritualidade a que chegámos em que tudo tem a ver, apenas, com o que é material e imediato e muito pouco com o que é ético, estético ou emocional. Um mundo que persiste na sua louca correria para o abismo.


P E D R O  DA M A S C E N O




segunda-feira, agosto 14, 1995

Gares, barcos e Companhia, Lda

FACE OCULTA


GARES, BARCOS E COMPANHIA, LDA.


Infelizmente, as ligações marítimas entre as ilhas do triângulo continuarão a ser manancial – pelos vistos inesgotável – das crónicas desta coluna e motivo para infindáveis rosários de lamentação.

Por mais que se diga, que se sugira ou que se critique tudo continua, mais ou menos olimpicamente, na mesma, ano após ano: os horários, os barcos, as gares, etc. Como se não se tratasse de um serviço público da maior importância para esta área dos Açores.

Ainda recentemente a RTP inseriu no noticiário da noite um trabalho da Delegação da Horta em que mostrava imagens de uma Espalamanca, completamente ultrapassada, a fazer a ligação Faial-São Jorge. Numa ilustração da pouca consideração que o confronto e a segurança dos passageiros merecem à transportadora concessionária.

Pena que a televisão não tivesse aproveitado e tomado algumas imagens do modo como se continuam a processar os embarques e desembarques de passageiros e carga no porto da Madalena.

A mais completa anarquia que não só torna a vida dos utentes um inferno como dá uma péssima ideia de todos nós a quem nos visita. Um amontoado de gente que se mistura, de forma totalmente desorganizada: que chega com que parte; quem quer, apenas, ver a lancha ou esperar alguém com que parte e com quem chega. Tudo isto sem áreas definidas para nada, sem sinalização ou qualquer outro apoio.

Mas quando se trata de bagagens tudo se complica, ainda mais. Como não há regras quem parte tenta pôr a sua bagagem junto do barco para ser carregada enquanto os que chegam tentam tirar a sua de lá, de mistura com quem nem parte nem chega e que apenas atrapalha. Situação que se agrava quando chegam ou partem grupos de turistas organizados que têm que se “desenrascar” em tal bagunça.

Se ainda se percebe que tornar a gare da Madalena minimamente adequada para o tráfego que serve tenha custos significativos, quer por envolver remodelação das instalações sanitárias que por implicar o aumento em área coberta; não se percebe, certamente, porque não se organiza, convenientemente, a chegada e partida de passageiros e bagagens.

Porque tudo o que isso implicará será, essencialmente, bom senso, sentido prático e algumas regras de boas maneiras. O fundamental é definir algumas áreas destinadas a fins específicos: um corredor para quem desembarca, uma para que embarca, uma área destinada a colocar as bagagens a desembarcar e outra para as destinadas ao embarque bem como uma área desafogada para quem as vai buscar e levar e, finalmente, uma área para os que não vão utilizar o transporte.

Depois serão apenas necessários alguns sinais indicativos e umas barreiras separadoras amovíveis. E a terminar, alguém, que oriente as pessoas e assegure que as reras civilizadas de utilização sejam cumpridas. O que não deverá ser problema porque entre a autoridade marítima, a policial e os funcionários da empresa concessionária sempre haverá alguém disponível.

Mas, em primeira mão, é imprescindível definir as regras de circulação e as áreas destinadas aos diferentes fins. Se em dias ou horas de pouco tráfego tais cuidados e preocupações podem parecer excessivas não o serão, certamente, nas alturas de tráfego mais intenso.

E, numa perspectiva optimista, o tráfego continuará a aumentar sobretudo na época de Verão e não a diminuir. Aumento que se fará, com toda a probabilidade, essencialmente à custa de visitantes que serão, simultaneamente, para todos nós uma fonte de desenvolvimento para já não falar no direito que nós, também, temos tratamento minimamente civilizado.

Demorou anos e muitas reivindicações e apelos para que os doentes do Pico com destino à Horta, em maca, fossem transportados com um mínimo de dignidade. É tempo, agora, de os passageiros correntes e respectivas bagagens terem o direito a embarques e desembarques com um mínimo de dignidade.

Faria, até, sentido (e porque não?) que nas gares da Horta e Madalena existissem carros de bagagens como existem nos aeroportos. Porque o porto da Madalena continua, porventura, a ser ainda a porta de entrada e saída mais importante do Pico. E nem toda a gente terá capacidade atlética necessária ao transporte de malas pesadas, por entre multidões compactas e empurrões de um lado para o outro, em distâncias significativas.

A questão da funcionalidade das gares é parecida com a dos horários. Tem fundamentalmente, a ver com boa vontade e bom senso e alguma criatividade. Tem muito pouco a ver com dinheiro.

O problema dos transportes marítimos entre ilhas do triângulo é, como repetidamente se tem afirmado, crucial para o seu desenvolvimento. E transporte marítimo não é apenas uma questão de barcos e equipamentos. É, também, uma questão de serviço.



P E D R O  DA M A S C E N O

sexta-feira, julho 28, 1995

Não lembra nem ao diabo

FACE OCULTA


NÃO LEMBRA NEM AO DIABO


Com a pompa e circunstância, próprias dos grandes momentos, o Banco Comercial inaugurou, recentemente, o seu novo balcão na Horta. Um edifício de gabarito, num local sumamente central, a atestar a importância que o, ainda, banco “regional” atribui à capital do, ainda eufemisticamente chamado, ex-distrito da Horta.

E até aqui tudo iria bem. Mais um investimento vultuoso a atesta a importância que, apesar de tudo, a Horta ainda dispõe. Se por mais nada, pelo menos pelo facto de ainda ser um dos ex-três polos em que assentava a organização dos Açores antes do 25 de Abril e que nem sequer tantos anos de autonomia conseguiram apagar.

Mas, como se disse, tudo iria bem se a Administração do BCA não se tivesse lembrado de nomear como gerente da neófita e promissora agência um picoense que, ainda por cima, sempre tem vivido no Pico! Um picoense não assimilado (porque assimilados são muitos os que lá existem e que vão desde ex a actuais presidentes de câmara, membros do governo, etc.) que, “inexplicavelmente”, passou à frente de potenciais candidatos faialenses para vir a ocupar um lugar de algum relevo.

Facto, pelos vistos, custoso de engolir para certos sectores da ilha vizinha que desencadearam um movimento que teve honras de jornal, esquecendo, embora, outra nomeação que, pela lógica, deveria, também, ser considerada “estranha” como foi de um micaelense para dirigir os serviços de Obras Públicas do Faial.

Mas a coisa não foi pacífica tendo a administração do banco sido obrigada a deitar água na fervura por causa de assunto cuja competência lhe cabe por inteiro.

Não interessa para o caso se o ex-gerente da agência da Madalena do Pico é ou não a mesma pessoa com melhor perfil para ser gerente da nova agência da Horta. Essa avaliação cabe e compete ao concelho de Administração do BCA, pese embora o facto de se tratar de uma empresa pública. E, naturalmente, que essa administração escolheu, de entre os seus quadros disponíveis, aquele que lhe pareceu que lhe pareceu mais adequado para preencher o lugar.

E tudo ficaria por aqui, na mais rigorosa normalidade, se não se tivesse levantado uma verdadeira tempestade em copo de água pelo prosaico argumento do homem vir do Pico. Crime de lesa ilha e que deve ter deixado os administradores micaelenses boquiabertos.

Situação do mais complexo provincianismo que veio, mais uma vez, demonstrar como região ainda se pauta por critérios do mais puro corporativismo e como a generalidade das ilhas ainda vive um certo ipo de autismo narcisista. Uma região que anda, literalmente, com as calas na mão e com déficites de desenvolvimento, cada vez mais, preocupantes e que ainda se preocupa e perde tempo com situações da mais pura “lama caprina”!

O que é grave não é que o BCA tenha nomeado, no estrito âmbito das suas competências, um picoense do Pico para ser gerente do novo balcão da Horta como poderia ter nomeado um corvino do Corvo ou um Jorgense de S. Jorge.

O que é grave é que os ditos sectores faialenses se tenham preocupado, apenas, com isso. Esquecendo, e isso é que é realmente grave, que o futuro (?) ex-banco “regional”, pesem inaugurações de pompa e os discursos de circunstância, continua a não ser o verdadeiro motor da economia regional (e só por isso é que faria sentido a existência de um banco “regional” – atento e conhecedor das realidades e especificidades regionais). Banco que se limitou, sobretudo no último ano, à obsessão de uma operação cosmética que o tornassem apetecível para compra por parte de algum grupo financeiro continental de 2ª linha, dado que os principais já têm os seus interesses assegurados no arquipélago.

 As oportunidades perdidas na Região já foram e continuarão a ser muitas, em grande parte por falta de uma entidade bancária que – sobretudo nas ilhas mais pequenas – tenha percebido os grandes déficites estruturais dos Açores e tenha ajudado a dar “ o golpe de asas” a uma economia vulnerável. Uma entidade que soubesse identificar e apoiar os investimentos estruturais imprescindíveis ao arranque do desenvolvimento sem o qual nem a própria banca poderá sobreviver.

Seja na Horta, no Pico ou em S. Miguel o BCA continua a ser, fundamentalmente, um banco de pequenos e médios aforradores e um pagador de salários atolado em créditos mal parados, incapaz de responder adequadamente às solicitações do fragilizado tecido empresarial regional e aos mais elementares desafios do desenvolvimento. Circunstâncias que possivelmente ajudaram a minar eventual interesse de compradores credíveis e que levou ao adiamento “sine die” da sua privatização por falta de interessados.

Essa de contestar a nomeação do novo gerente da Horta do BCA da forma e pelas razões que o foi não lembra nem ao diabo.


 
P E D R O  DA M A S C E N O