sexta-feira, julho 28, 1995

Não lembra nem ao diabo

FACE OCULTA


NÃO LEMBRA NEM AO DIABO


Com a pompa e circunstância, próprias dos grandes momentos, o Banco Comercial inaugurou, recentemente, o seu novo balcão na Horta. Um edifício de gabarito, num local sumamente central, a atestar a importância que o, ainda, banco “regional” atribui à capital do, ainda eufemisticamente chamado, ex-distrito da Horta.

E até aqui tudo iria bem. Mais um investimento vultuoso a atesta a importância que, apesar de tudo, a Horta ainda dispõe. Se por mais nada, pelo menos pelo facto de ainda ser um dos ex-três polos em que assentava a organização dos Açores antes do 25 de Abril e que nem sequer tantos anos de autonomia conseguiram apagar.

Mas, como se disse, tudo iria bem se a Administração do BCA não se tivesse lembrado de nomear como gerente da neófita e promissora agência um picoense que, ainda por cima, sempre tem vivido no Pico! Um picoense não assimilado (porque assimilados são muitos os que lá existem e que vão desde ex a actuais presidentes de câmara, membros do governo, etc.) que, “inexplicavelmente”, passou à frente de potenciais candidatos faialenses para vir a ocupar um lugar de algum relevo.

Facto, pelos vistos, custoso de engolir para certos sectores da ilha vizinha que desencadearam um movimento que teve honras de jornal, esquecendo, embora, outra nomeação que, pela lógica, deveria, também, ser considerada “estranha” como foi de um micaelense para dirigir os serviços de Obras Públicas do Faial.

Mas a coisa não foi pacífica tendo a administração do banco sido obrigada a deitar água na fervura por causa de assunto cuja competência lhe cabe por inteiro.

Não interessa para o caso se o ex-gerente da agência da Madalena do Pico é ou não a mesma pessoa com melhor perfil para ser gerente da nova agência da Horta. Essa avaliação cabe e compete ao concelho de Administração do BCA, pese embora o facto de se tratar de uma empresa pública. E, naturalmente, que essa administração escolheu, de entre os seus quadros disponíveis, aquele que lhe pareceu que lhe pareceu mais adequado para preencher o lugar.

E tudo ficaria por aqui, na mais rigorosa normalidade, se não se tivesse levantado uma verdadeira tempestade em copo de água pelo prosaico argumento do homem vir do Pico. Crime de lesa ilha e que deve ter deixado os administradores micaelenses boquiabertos.

Situação do mais complexo provincianismo que veio, mais uma vez, demonstrar como região ainda se pauta por critérios do mais puro corporativismo e como a generalidade das ilhas ainda vive um certo ipo de autismo narcisista. Uma região que anda, literalmente, com as calas na mão e com déficites de desenvolvimento, cada vez mais, preocupantes e que ainda se preocupa e perde tempo com situações da mais pura “lama caprina”!

O que é grave não é que o BCA tenha nomeado, no estrito âmbito das suas competências, um picoense do Pico para ser gerente do novo balcão da Horta como poderia ter nomeado um corvino do Corvo ou um Jorgense de S. Jorge.

O que é grave é que os ditos sectores faialenses se tenham preocupado, apenas, com isso. Esquecendo, e isso é que é realmente grave, que o futuro (?) ex-banco “regional”, pesem inaugurações de pompa e os discursos de circunstância, continua a não ser o verdadeiro motor da economia regional (e só por isso é que faria sentido a existência de um banco “regional” – atento e conhecedor das realidades e especificidades regionais). Banco que se limitou, sobretudo no último ano, à obsessão de uma operação cosmética que o tornassem apetecível para compra por parte de algum grupo financeiro continental de 2ª linha, dado que os principais já têm os seus interesses assegurados no arquipélago.

 As oportunidades perdidas na Região já foram e continuarão a ser muitas, em grande parte por falta de uma entidade bancária que – sobretudo nas ilhas mais pequenas – tenha percebido os grandes déficites estruturais dos Açores e tenha ajudado a dar “ o golpe de asas” a uma economia vulnerável. Uma entidade que soubesse identificar e apoiar os investimentos estruturais imprescindíveis ao arranque do desenvolvimento sem o qual nem a própria banca poderá sobreviver.

Seja na Horta, no Pico ou em S. Miguel o BCA continua a ser, fundamentalmente, um banco de pequenos e médios aforradores e um pagador de salários atolado em créditos mal parados, incapaz de responder adequadamente às solicitações do fragilizado tecido empresarial regional e aos mais elementares desafios do desenvolvimento. Circunstâncias que possivelmente ajudaram a minar eventual interesse de compradores credíveis e que levou ao adiamento “sine die” da sua privatização por falta de interessados.

Essa de contestar a nomeação do novo gerente da Horta do BCA da forma e pelas razões que o foi não lembra nem ao diabo.


 
P E D R O  DA M A S C E N O



sexta-feira, julho 14, 1995

Educação e Civismo

FACE OCULTA


EDUCAÇÃO E CIVISMO


Uma das grandes conquistas do 25 de Abril foi, incontestavelmente, a democratização do ensino – a possibilidade da população em geral ter acesso ao ensino. Conquista tanto mais importante dado o semi-analfabetismo que afecta a generalidade do país.

Um bem indispensável que só era acessível a uns quantos privilegiados e que, a partir daí, iria determinar oportunidades de vida, completamente diferentes. Com o advento da revolução, num período de tempo relativamente curto, a generalidade dos jovens começa a ter acesso ao ensino secundário e universitário.

Situação que implicou grandes desafios, desde a construção de uma imensidade de novos estabelecimentos de ensino ao recrutamento de números cada vez mais crescentes de professores. O que não só implicou o dispêndio de grandes verbas que também trouxe, no seu seio, uma inevitável crise de crescimento que, por seu turno, determinou uma compreensível e inevitável quebra de qualidade.

Tudo se passou demasiado depressa e com um crescimento exponencial. Procurou fazer-se em 20 anos o que não se tinha feito em 50! Certas repercussões eram de esperar: quebra de qualidade dos professores com a consequente quebra de qualidade dos alunos, avanços e recuos nos conceitos pedagógicos e programáticos, dificuldades financeiras, rupturas de equipamentos escolares, etc..

O que levou a que um dos desideratos mais importantes da democratização do ensino não tivesse, em grande parte, sido conseguido – o nivelamento durante a escolaridade das grandes discrepâncias sociais e culturais de um país saído de um longo período de obscuridade e descriminações.

Esperava-se que o ensino democrático viesse, rapidamente, repor os déficites culturais e sociais da generalidade dos cidadãos, colmatando as diferenças de ambientes familiares e sociais de que provinham. A escola, sobretudo secundária, deveria, assim, repor a igualdade. Teríamos, portanto, um número crescente de cidadãos com formação intermédia e universitária que viria, assim, engrossara população devidamente escolarizada e, consequentemente elevar o nível escolar, cultural e cívico do país.

Circunstância que, naturalmente, nos conduziria a um país mais apto para responder aos desafios da modernidade e do desenvolvimento. O desenvolvimento e os crescimentos económico e social passam, inexoravelmente, pelo crescimento do nível global dos cidadãos. E a base de qualquer democracia efectiva – e não o simples exercício periódico do direito de voto – tem a ver com o nível dos cidadãos.

Não basta, apenas, assegurar a igualdade de oportunidades, é preciso, também, assegurar a igualdade de ferramentas. Obviamente se vários pescadores estiverem a pescar do mesmo lago não é suficiente assegurar idêntico acesso às águas, é, igualmente, necessário assegurar idênticos equipamentos para pescar. O resto, então, é que terá que depender da capacidade de cada pescador. Factor que está, por isso mesmo, não mão de cada um desenvolver e que constitui uma das bases do direito à diferença.

Os cidadãos, em última análise, não são nem deveriam ser iguais. Isso deveria a um completo aniquilamento das perspectivas de aperfeiçoamento e crescimento que, cada um de nós, deve ter no seu âmago. Circunstância imprescindível ao desenvolvimento integral do homem e da sociedade.

Infelizmente a mercê de algumas das dificuldades e dos desvios apontados, o nosso ensino está ainda bem longe de conseguir assegurar a igualdade de oportunidades aos cidadãos. Se é certo que temos uma sociedade, genericamente, mais escolarizada também é verdade que temos uma sociedade, genericamente, menos cívica e menos portadora de valores de solidariedade e de respeito social.

Ao crescimento da escolaridade tem, infelizmente, correspondido um decréscimo de civismo e de valores de referência. Temos mais cidadãos alfabetizados mas menos civilizados. Ironia que se torna evidente a níveis elementares da convivencialidade e do dia-a-dia.

O que seria normal esperar de cidadãos mais alfabetizados seria uma concomitante melhoria do comportamento cívico e social. Mas passa-se exactamente o contrário. A uma maior alfabetização tem correspondido um decréscimo cívico perfeitamente patente na generalidade dos nossos jovens que parecem desconhecer, inclusive, as maiores elementares regras de cortesia e de consideração para com os outros.

Por tudo isso é fundamental uma reflexão profunda dobre o sistema educativo e a descoberta de novas pistas que venham pôr cobro a essas contradições. Talvez o melhor seja começar com uma política de pequenos passos.

Porque não iniciar, por exemplo, o ensino de disciplinas na área do civismo e do comportamento social que venham trazer aos jovens alguns valores e hábitos imprescindíveis à viabilização de uma sociedade verdadeiramente humanista e igualitária? Da mesma forma que é imprescindível andar antes de correr.


P E D R O  DA M A S C E N O