domingo, abril 25, 2004

China, Marx e João César das Neves

China, Marx e João César das Neves





Em tempos de grande promiscuidade ideológica em que os capitalismos liberal e neo-liberal parecem constituir, para muitas cabeças bem pensantes da nossa praça, a única saída para o progresso e êxito económico o recente artigo “A desforra de Marx” de João César das Neves foi uma verdadeira pedrada no charco.

Tendo em atenção o perfil ideológico e o percurso daquele economista que foi assessor económico de Cavaco Silva o seu reconhecimento de que a China “é um caso espantoso e formidável de sucesso económico” é, também, um caso espantoso de sinceridade e coragem política.

Sendo a China, como todos reconhecemos, um estado ditatorial com graves défices democráticos não deixou, apesar disso, de conseguir um processo de desenvolvimento extraordinário constituindo mesmo um verdadeiro caso para estudo que ocorreu nos últimos 25 anos.

Após os excessos e desvarios de Mao Zedong (como agora se chama) a China entrou, pela mão de Deng Xiaoping, numa via original que tem, indiscutivelmente, conseguido um enorme sucesso no campo da economia e do desenvolvimento. Assumindo-se claramente marxista, o estado chinês conseguiu destruir o mito que marxismo é igual a fracasso económico.

Para tudo isso terá contribuído o peso cultural milenar dos chineses e o grande pragmatismo e flexibilidade dos seus dirigentes. Mas também comprova exemplarmente, a nosso ver, que as receitas liberais e neo-liberais não são as únicas para os desafios de progresso e estabilidade que procuramos nesta Europa que parece não ter encontrado ainda o passo certo.

Não prescrevendo, obviamente, para a Europa uma inflexão para o marxismo não deixa de ser importante parar e meditar no que acontece na China. Salvaguardadas todas as diferenças, será prudente re-equacionar determinados preconceitos e fundamentalismos que nos continuam a condicionar fortemente.

Porventura João César das Neves sabe bem do que fala quando diz que “não restam dúvidas de que o que se passa hoje na China e na Índia determinará o mundo na nossa geração”. Porque realmente a globalidade que vivemos não se resume apenas à hegemonia americana. Biliões de pessoas vivem outra realidade bem distinta.

Se existe vida depois da morte – coisa em que ele não acreditava – Karl Marx estará, sem dúvida, a esboçar um largo sorriso trocista. Depois de ser o bombo da festa durante tanto tempo nada mais irónico, sobretudo vindo o reconhecimento de onde vem...



P E D R O D A M A S C E N O