quarta-feira, junho 30, 2004

Uma coisa muito feia

Uma coisa muito feia


Ainda algo atordoado com o terramoto político que caiu sobre Portugal
Diogo Freitas do Amaral


Não tencionávamos voltar, tão cedo, à problemática do descrédito da política e dos políticos embora haja razões recorrentes para que esse assunto não saia da ribalta. Como foi o caso, ainda há dias, do epípeto de “sentença de merda” com que o insubstituível Avelino Ferreira Torres decidiu brindar a decisão do colectivo de juízes que o julgou e condenou.

O caso agora é, contudo, bem mais grave. Um primeiro ministro que reiteradamente afirmou a sua decisão inabalável de cumprir o mandato para que foi eleito – ao contrario de outros como dizia – e que ainda há uma semana se mostrava indisponível para ser candidato a um cargo em Bruxelas dá o dito por não dito e demite-se para assumir um tacho que, providencialmente, lhe caiu na sopa.

Uma pessoa que ocupava um cargo político da maior importância não teve o mais pequeno pejo em lançar o país, que dizia tanto o preocupar, numa inevitável turbulência de consequências ainda imprevisíveis. Matando, desse modo, dois coelhos de uma só cajadada: safar-se do beco político aonde estava encurralado e prosseguir o seu projecto de poder pessoal.

Qualquer eleição envolve sempre um contracto entre eleitor e eleito. O eleitor ao votar confere ao eleito um voto de confiança para que execute as suas promessas e compromissos eleitorais. O eleito ao receber um mandato assume as responsabilidades para executar aquilo com que se tinha comprometido.

Durão Barroso quando se candidatou, pelas listas do PSD, a primeiro ministro fê-lo para um mandato de quatro anos como ele próprio confirmou à exaustão. E os contractos, mesmo os não escritos, são para se cumprir, pelo menos para quem seja pessoa de bem. E ao proceder como procedeu o ex primeiro ministro demonstrou não ser pessoa de bem dando um exemplo lamentável de falta de integridade e de caracter.

E não serão os argumentos de patrioteirismo balofo que poderão branquear aquilo que ficará como mais um exemplo extremamente negativo sobretudo para os jovens que não acreditam, minimamente, na política nem nos políticos. E porque deveriam acreditar?

Durão Barroso foi escolhido para Presidente da Comissão Europeia exclusivamente pela negativa. Porque os grandes blocos não se entenderam, porque o primeiro ministro do Luxemburgo não quiz trair os eus compromissos eleitorais, porque o ex-primeiro ministro português não é uma figura controversa, porque dá garantias de não bulir com os grandes interesses em jogo, por pertencer a um país que não é grande e também não é recem chegado.

Não foi, certamente, escolhido pelo seu prestígio político angariado à frente de um governo suportado por partidos que acabaram de averbar una derrota humilhante, precisamente para a Europa. A ida de Durão Barroso para a Comissão Europeia apenas seria uma honra para Portugal se, cumulativamente, ela se fizesse pela positiva e num contexto de disponibilidade política do próprio. Doutro modo não passa de um tacho que, fundamentalmente, serve para quem o vai usufruir e que deixa um país à beira de um ataque de nervos.

Não faltava mais nada que agora, ainda por cima, nos devessemos sentir honrados por ter sido traídos. Era quase como se a nossa mulher nos tivesse traído com Bill Gates e nos sentissemos honrados por ter sido uma portuguesa a conseguir a “feito” de ser a amante do homem mais rico do mundo!

Durão Barroso fez uma coisa muito feia.

PS: se calhar já era altura de os legisladores pensaram na possibilidade de condicionarem as saídas, a seu belo prazer, de políticos dos cargos a que se candidataram. Sejam eles de primeiro ministro ou presidente de camara: se não vai a Maomé a Meca terá que ser Meca a ir a Maomé! Ao fim e ao cabo trata-se da liderança de um povo ou de uma população que não pode estar à mercê dos meros interesses ou disposições pessoais de quem quer que seja. Ser político não é nem deve ser obrigatório mas quem não quer ser lobo não lhe vista a pele...



P E D R O D A M A S C E N O

terça-feira, junho 22, 2004

Serviço Nacional de Doença

Serviço Nacional de Doença



Dado que o Serviço Nacional de Saúde vem em nossa ajuda, essencialmente, quando estamos doentes seria mais apropriado designá-lo de Serviço Nacional de Doença. E, também, porque, genericamente, não promove a saúde nem evita a doença não prevenindo sistematicamente, como deveria, as causas da doença sejam elas pessoais, sociais ou ambientais.

As listas de espera crescem, os hospitais rebentam pelas costuras, o orçamento de estado para a saúde (ou doença?) dispara e temos, cada vez mais doentes. E o que é verdade para o país, é verdade para sítios como Pico aonde se passou de 3 medicos para 12 para não falar em enfermeiros e, muito menos, em técnicos/administrativos.

O consumismo de actos médicos/medicamentos continua aumentar em flecha ao mesmo tempo que proliferam os “doentes” e diminuem os “sãos” e as pessoas se queixam de falta de acesso ao sistema com os serviços de “urgência” a ficarem entupidos por casos que nada têm a ver com urgência.

Segundo estimativas do Infarmed (organismo oficial) o consumo de medicamentos vai disparar este ano para um recorde de 11% que só foi atingido em 1998 vindo a confirmar o pendor marcadamente curativo do nosso sistema que se limita a tratar - e nem sempre com a devida eficácia - a doença e a investir, muito pouco (para ser simpático), na sua prevenção.

Apesar dos milhões gastos gastos todos os anos nunca há dinheiro suficiente para tratar uma população crescentemente “doente”. O que decorre, em primeira mão, da não existência de um verdadeiro serviço nacional de saúde desenhado para se preocupar com a saúde das pessoas e do próprio planeta e baseado em conceitos holísticos e de integração e cooperação entre os vários departamentos, compartimentos, fragmentos, etc.


A saúde que é, ou deveria ser, o bem de primeira necessidade por excelência, tornou-se num vulgar bem de consumo para vender ou comprar e uma oportunidade de negócio de contornos nem sempre claros ou límpidos. A vulnerabilidade dos doentes torna-os numa presa fácil.

Muitas das nossas doenças são causadas pela nossa civilização. Cancro, obesidade, hipertensão, tromboses, doença coronária e muitas outras são causadas pela poluição dos alimentos, do ar e da água, pelo stress, pela solidão, pela destruição do espirito comunitário, etc.

A nossa saúde pessoal flui do facto que o corpo não está separado da mente: se não estivermos bem psicológicamente ou tivermos carencias afectivas ou sociais não há medicamento que nos valha. Daí que não possamos contar apenas com a medicina curativa, eminentemente técnica, para atingirmos um estado de pleno bem estar físico/psicológico/espiritual e social que é verdadeiro estado de saúde. Saúde não é a mera ausência de saúde.

Do que resulta que velar pela nossa saúde implica muito mais do que a simples prática – ainda que de boa qualidade técnica – de medicina curativa. Implica o ambiente (nossa verdadeira casa), o bem estar social, a segurança. Como a nível pessoal implica alimentação saudável, exercício físico, gratificação nos planos afectivo, social, profissional e espiritual. Como implicará, a nível médico, a integração da medicina científica com as medicinas complementares e os saberes tradicionais.

Jamais o tradicional modelo de Serviço Nacional de Doença!



P E D R O D A M A S C E N O





domingo, junho 06, 2004

Uma bofetada sem mão

Uma bofetada sem mão



No passado dia 2 um conceituado cientista inglês, o Dr. Malcom Clarke, inaugurou em S. João do Pico uma exposição que designou de “Cachalotes e Lulas”. Em 2 salas interiores, num terraço coberto e num espaço ao ar livre conseguiu montar uma exposição brilhante, quer no plano científico quer no plano estético.

Um evento que estará aberto ao público de segunda a sábado das 9,30 às 17,00 horas, entre Junho e Outubro. Sito na Rua do Porto, quase no ínicio, do lado do mar, para quem vem das Lajes do Pico. Uma visita obrigatória para quem quiser tomar contacto com a realidade dos cachalotes e das lulas.

No exterior, junto ao mar, foi construída uma estrutura estilizada feita em tubo que reproduz as dimensões do maior cacholote apanhado nos Açores e, através da qual, se pode ter uma ideia bem aproximada do tamanho de tal mamífero. Porventura uma ideia bem interessante para ter sido aproveitada para o monumento aos baleeiros e à sua saga!...

Porque os actores principais da baleação, quer se queira ou não, foram os cachalotes pese, embora, a coragem e o espírito de sacrifício dos baleeiros. Razão, também, porque esta exposição é preciosa: vem de uma maneira sucinta, mas de forma extremamente criativa e apelativa, trazer conhecimentos sobre os cetáceos que, apenas quem dedicou uma vida à investigação, pode dar.

O Pico passou a ter, para além do acervo dos baleeiros e da indústria baleeira, um conjunto inestimável de informações sobre a fisiologia, os hábitos, os stocks, etc dos cachalotes e lulas que vêm completar a oferta museológica já existente e, por isso, ajudar a constituir esta ilha como um destino priveligiado para quem estar em contacto com a temática baleeira.

Acontece, porém, que tudo isto ocorreu por iniciativa, exclusivamente, privada do Dr. Malcom Clarke que para tal utilizou a sua casa de habitação tendo custeado, também, todas as despesas de instalação, materiais, concepção, execução,etc.!... Uma obra cultural e científica de indiscutível valor que não conseguiu recolher nenhum tipo de apoio, por mais modesto que fosse!

Após uma iniciativa do Governo Regional destinada a assegurar a adaptação da Fábrica da Baleia das Lajes do Pico a Exposição Permanente do Cachalote que chegou, mesmo, a constar de orçamento da Região tudo parece ter ficado em águas de bacalhau. Não se sabendo se o assunto está ferido de morte ou se ainda existe alguma hipótese de vir a ser concretizado.

Ou seja nós - como comunidade - seja a nível pessoal, associativo, autárquico ou governamental não fomos capazes de, em tempo útil, dar os passos necessários para que a iniciativa não tivesse ficado apenas dependente de uma pessoa que, ainda por cima, se viu obrigado a ser pau para toda a obra. Dando de nós próprios uma imagem lamentável.

Mas ainda bem que há pessoas que, mesmo não sendo daqui, conseguem reunir energias e determinação para fazer aquilo que deveria ter sido uma obra pública emblemática. Uma lição de que, quem de direito, deverá retirar as respectivas ilações.

Uma verdadeira bofetada sem mão!



P E D R O D A M A S C E N O