quarta-feira, novembro 24, 2004

Política e Hipocrisia

Suha, a viúva de Arafat, receberá para além de uma soma avultada de dinheiro uma pensão mensal de 100 mil euros
Comunicão Social


Política e Hipocrisia


O conflito israelo-palestiniano e o Médio Oriente continuam temas obrigatórios dos telejornais mundiais. Tal o manancial de notícias que proporcionam e a importância que têm para a paz e a estabilidade no mundo.

A morte inesperada de Yasser Arafat congregou, por conseguinte, as atenções mundiais. Tanto mais que gerou um verdadeiro fenómeno mediático em França, com romarias fora do hospital aonde passou os últimos dias de vida.

E, como não poderia deixar de ser, não passou despercebida a luta de bastidores que teve lugar ao redor do seu leito de morte com a futura viúva a dirigir acusações graves à Autoridade Palestiniana. Que levaram, inclusivé, a um adiamento da viagem que o primeiro ministro palestiniano viria a fazer a Paris.

Acusações que tiveram a ver com uma hipotética usurpação de poder e que atingiram o mau gosto de falar no desejo dos outros líderes e companheiros de Arafat o pretenderem “enterrar vivo”. Tudo isto enquanto que a Autoridade Plestiniana reunia, pela primeira vez em 10 anos, com a cadeira do líder supremo vazia.

Mais eis que - quando tudo parecia comprometido - a serenidade volta ao redor do leito do líder agonizante e Suha Arafat recebe “carinhosamente” a delegação governamental palestiniana autorizando que o primeiro-ministro Ahmed Qurei veja o seu Presidente.

Depois o resto é conhecido. Arafat morre, finalmente, em Paris tendo um funeral de estado no Egipto e um funeral popular em Ramallah. Estando a viúva presente no primeiro e ausente no segundo. Enquanto nos mercados da Cisjordânia se ouvem “delirantes historias de intriga, suspense e traição”.

E a vida continua como a daquela família dos arredores de Ramallah que quase subsiste apenas de uma refeição diária de tomate frito e que não vê carne há mais de um ano mercê da falta de emprego, num ambiente de total desalento que a morte de Arafat só veio aumentar.

Lá longe em Paris, aonde já regressou, Suha Arafat volta à sua vida com uma pensão mensal que ronda os cem mil euros e que foi objecto da negociação efectuada em Paris. E que terá sido essencial para o fim sereno do resto da história.

Não cabe no âmbito desta crónica avaliar os méritos ou deméritos de Yasser Arafat como líder dos palestinianos. Desses se encarregará a história e o distanciamento que é necessário existir. Sendo certo que a sua personalidade moldou grandemente, nos últimos 40 anos, a face do Médio Oriente.

Cabe antes atentar na miséria profunda e nos graves problemas sociais que se vivem na faixa de Gaza e na Cisjordânia aonde jovens desesperados fazem fila para se fazerem explodir e conquistarem o estatuto de “mártires” numa escalada de violência sem precedentes.

E questionar como é possível que à sombra de um figura idolatrada por tantos se façam negociatas milionárias que vêm dar um toque de opereta bizarra ao destino de um povo tão carenciado e tão urgentemente necessitado de encontrar o caminho da paz e do progresso.

Quanta comida ou medicamentos se poderiam comprar para os bairros pobres de Gaza e da Cisjordânia com cem mil euros mensais?


P E D R O D A M A S C E N O