domingo, janeiro 29, 2006

A cegueira da lei

Quanto mais leis mais ladrões
Provérbio chinês




A cegueira da lei
ou
A lei dos galheteiros


É sabido que a proliferação de leis, a propósito de tudo e de nada, normalmente esconde males bem mais profundos.

Como é o caso do nosso país que, para além dos males próprios, ainda tem que sofrer as diarreias legislativas e normativas de Bruxelas. Um país em que cada repartição, serviço ou mesmo empresa tem as suas “leises”.

Da mesma forma que de médico e de louco temos um pouco, todos temos, também, talentos jurídicos natos que nos permitem discernir – ex-cátedra – a lei que se aplica ao nosso bairro ou à nossa repartição.

E de nada vale contestar esses talentos/interpretações porque surgirá, sempre, o inevitável aqui é assim. E como reclamar é, por norma, uma prática condenada ao insucesso e os tribunais um passe para a eternidade, fica tudo mesmo assim.

Os poucos cidadãos que persistem em manter uma prática de cidadania activa acabam, aos poucos e poucos, por desistir porque não valem a pena tantos dispêndios energéticos incomportáveis.

Cada burocrata é totalmente cioso da sua vírgula ou ponto parágrafo sem se preocupar, em regra, com o que pretendia o legislador. E (resquícios da burocracia da antiga senhora?), desse modo, defende a sua dama contra toda a lógica e evidência – se tal for necessário.

Isto a jusante da lei porque a montante as coisas, frequentemente, não são nada melhor como é caso de uma portaria acabada de publicar e que acaba com o uso dos galheteiros nos restaurantes!


Com efeito a partir de agora o azeite – esse produto tipicamente mediterrânico e de tão grande prestígio – deixou de poder ser servido nos tradicionais galheteiros de muito velha memória!

Embora todos os outros temperos, nomeadamente o vinagre, possam continuar a ser servidos como dantes, o azeite passou a ter que ser servido em embalagens invioláveis e rotuladas, que podem ter qualquer feitio ou dimensão.

Mantendo-se, contudo, a possibilidade de o azeite utilizado para confecção na cozinha poder continuar a ser adquirido, sem outros pormenores, até à quantidade máxima de 25 litros por embalagem!...

Ou seja, aí aonde se faz o mais importante de um restaurante que é confecção dos alimentos, pelos vistos, já não importa o tipo de embalagem do azeite. Como se fosse mais fácil aldrabar à mesa do que no recato da cozinha!....

Sendo o azeite uma substância dificilmente miscível com o que quer que seja, de gosto bem distinto e que hoje em dia pouco se usa à mesa não se percebe aonde se fundamenta a putativa preocupação com o consumidor.

Porque, obviamente, é muito mais fácil fazer mistelas na cozinha, aonde tudo continua com dantes.

Esquecendo, ainda por cima, o problema do aumento da poluição ambiental, através da colocação no mercado de milhões de novas garrafas usadas, com resíduos de azeite, altamente poluidoras.

Ou ignorando todas as negociatas que serão possíveis com a publicidade às marcas de azeite já que levar a “marca à mesa” será uma boa forma de incentivar todos os esquemas possíveis por baixo da mesa.

O que faz lembrar um episódio de um filme da pantera cor-de-rosa em que um polícia se preocupava com a licença de um macaco para andar na rua enquanto que nas suas costas um banco era assaltado em pleno dia.

Afinal quem lucrará? O consumidor ou os fabricantes de embalagens, as marcas de azeite e os restaurantes?


P E D R O D A M A S C E N O

domingo, janeiro 15, 2006

Ecologia e Agricultura


Globalização é uma mutação de colonialismo




Ecologia e Agricultura
(Ironias da vida moderna)


A criação do movimento europeu Green Care (Cuidados Verdes) e o seu alastramento a países como a Alemanha, Áustria, Holanda, Itália e Bélgica tem vindo a confirmar o regresso europeu à agricultura com face humana.

Nas explorações agrícolas ligadas a este movimento fomenta-se a saúde física e mental das pessoas através dão seu envolvimento no trabalho na terra, deixando para trás uma agricultura industrializada, altamente poluente.

Pretende-se, desse modo, promover o retorno à agricultura de pequenas dimensões e carácter familiar e à distribuição e consumo locais de alimentos, também produzidos localmente, envolvendo um número crescente de pessoas na agricultura.

O que implicará, a curto prazo, reformas profundas da política agrícola comum europeia. Contrariando a tendência actual de produção e transporte massificado de alimentos à volta da mundo, liquidando as pequenas explorações agrícolas dos países menos desenvolvidos.

Baseado no paradigma de que a chave do desenvolvimento e do progresso é o crescimento económico contínuo a todo custo tem-se vindo a apostar na globalização como a forma mais eficiente de o fazer.

Nem que isso implique uma utilização brutal dos combustíveis de origem fóssil nas práticas agrícolas industriais e no transporte – à escala mundial – dos bens que representa hoje cerca de 60% de todos os meios de transporte. Ficando o turismo e o lazer nos 40%.

Realidade que gera um contributo extremamente relevante e negativo para o aquecimento global do planeta e as graves alterações climatéricas que já são evidentes para toda gente.

O que tem vindo a criar uma contradição insolúvel: por um lado industrializa-se a agricultura e promove-se a globalização da distribuição dos bens alimentares e por outro agride-se de forma dramática o ambiente.

Sendo também certo que a nova cultura médica e de saúde aponta para a necessidade crescente das pessoas fazerem exercício físico e usufruírem de um contacto estreito com a natureza, consumindo alimentos o mais naturais possível.

Sendo, progressivamente, evidente que a vida atrás de um computador e em volta de papeis em escritórios com luz artificial e com níveis elevados de sedentarismo em nada contribui para a sua qualidade.

Ou que a vida no campo e na agricultura e o contacto com a natureza são formas de vida menores e que o vento, a chuva e o frio são coisas a evitar como a peste! Sendo mais importante ser “doutor” não importa de quê.

Situação que se verifica, também e infelizmente, no nosso meio em que a vida na terra é entendida como uma forma de actividade a evitar e um trabalho na função pública ou um canudito como os novos Eldorados.

É, certamente, importante que as pessoas adquiram mais conhecimentos e se promovam social e culturalmente mas é bem mais importante que promovam a sua qualidade de vida que passa por uma ligação profunda à natureza e à terra.

O que torna triste o rumo que as nossa sociedades rurais estão a tomar assumindo todos os tiques e defeitos das sociedade urbanas industrializadas e virando as costas ao que verdadeiramente é mais importante.

Ironias da vida moderna.



P E D R O D A M A S C E N O