sexta-feira, junho 30, 2006

Dar ou ajudar

Quem dá o pão dá a educação




Dar ou ajudar?


Uma das bandeiras de certa esquerda tem sido o rendimento mínimo garantido que, por seu turno, tem sido um dos cavalos de batalha de certa direita contra a dita esquerda.

Uns porque acham que o estado tem obrigações sociais devendo proteger os mais desfavorecidos, garantindo a todos os cidadãos as condições mínimas de vida. Os outros porque acham que tal filosofia abre as portas aos abusos.

Tornando numa contenda política aquilo que deveria ser consensual: o estado, ou seja todos nós enquanto comunidade, deve assegurar a protecção dos mais desfavorecidos sejam crianças, idosos ou simplesmente cidadãos carenciados.

Em vez de centrar o debate na necessidade de assegurar um diagnóstico correcto de quem realmente precisa e o modo mais adequado de assegurar que as necessidades detectadas sejam satisfeitas.

Mas, como acontece com tantas outras coisas, produziu-se um monte de legislação e não se acautela o dignóstico social adequado que passa por serviços sociais que estando no terreno consigam carrear para os processos uma informação fidedigna e global.

Não serão as declarações de IRS e outros meios de prova idênticos que irão provar o que quer que seja. Sobretudo num país em que é conhecida a evasão fiscal endémica e a fuga ao cumprimento da lei como forma de vida.

O que torna indispensável a presença no terreno de equipas sociais multidisciplinares que saindo dos gabinetes cruzem informação e assegurem a compreensão dos tecidos sociais urbanos e rurais que geram fenómenos de marginalidade e exclusão.

Não a existência de burocratas que se limitem a distribuir subsídios e benefícios com base em lamúrias e aspectos que, tantas vezes, são laboriosamente engendrados para gerarem compaixão. O famoso fado do coitadinho, tão português.

O estado precisa de ter um diagnóstico minucioso de quem necessita mas também precisa - e nada menos importante - de perceber porque precisam. Dado que precisar não é sinónimo de ser elegível para ajuda.

Quantos precisam apenas porque esbanjam ou porque não estão de todo disponíveis para trabalhar antes procurando explorar as falhas do sistema? Quantos não usam situações de compadrio ou de oportunismo partidário?

O estado precisa de conhecer, com precisão, quem precisa e quais as razões exactas porque esses cidadãos não conseguem assegurar a si próprios as condições mínimas de vida.

E de seguida assegurar que essas razões sejam ultrapassadas ajudando mediante condições e contrapartidas por parte de quem recebe que tornem todo o processo sustentável e irreversível.

Todos nós conhecemos situações de gritantes carências sem grande hipótese de serem ultrapassadas em definitivo. Mas todos nós conhecemos também muito mais situações de puro oportunismo e aproveitamento do sistema.

Uma verdadeira prática de solidariedade social não se pode basear na simples prática do dar. Mas antes terá que se basear na prática do ajudar com vista a corrigir assimetrias e desigualdades que não são da responsabilidade de quem as sofre.

Prática do ajudar que terá que ser efectivada com todo o rigor e disciplina. Não permitindo que ajuda se limite a ser o passaporte para a perpetuação de uma situação de carência ou marginalidade ultrapassável.

O que, como toda a gente sabe, não é tradição neste nosso país à beira mar plantado que se dá ao luxo de quase parar por causa de uns quantos jogos de futebol não se preocupando, por aí além, com os nossos múltiplos défices estruturais!


P E D R O D A M A S C E N O

sexta-feira, junho 16, 2006

O País de Camões ou uma anarquia galopante?

F A C E O C U L T A



Só temos passado à nossa disposição
Eduardo Lourenço



O País de Camões
ou
Uma anarquia galopante?


A passagem de mais um Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades é, sempre, uma boa oportunidade para uma reflexão. Tão necessitados que estamos de encontrar um caminho para o desenvolvimento e para a modernidade.

Um caminho lúcido, capaz de casar os imperativos sociais e económicos com o respeito pelo ambiente/natureza e pela manutenção de uma escala humana susceptível de assegurar qualidade de vida.

Qualidade de vida sem a qual não haverá desenvolvimento que valha a pena. Mesmo que “compensado” por um consumismo que, normalmente, só atrapalha ainda mais em vez de ajudar.

Não sendo os portugueses e correlativos governos menos capazes do que outras nacionalidades – bem mais sucedidas – será de crer que tudo tem a ver com atitudes e correspondentes desempenhos cívicos.

Continuando os portugueses a comportarem-se como se o estado não fossem eles próprios e os governos a tratarem os portugueses como fossem crianças mimadas a que quem é preciso fazer todas as vontades.

Resvalando-se, desse modo, para uma anarquia crescente em que o estado de direito se dilui em retóricas inconsequentes com os tribunais entupidos e a administração, quer central quer local, a não assegurar o cumprimento da lei.

A polícia não actua ou diz que não pode, ou não vale sequer a pena, actuar. Os alunos andam à batatada uns com os outros e com os professores sob a complacência destes e das estruturas directivas das escolas.


Os trabalhadores não produzem e os empresários não inovam. Os serviços de assistência social continuam a criar condições para a manutenção de um exército de parasitas sociais em vez de ajudarem quem precisa (sim) mas mediante contrapartidas de trabalho e reintegração.

Os partidos políticos continuam a caça ao voto em vez de assegurarem a concretização dos seus projectos políticos e os eleitores continuam a usar o voto como moeda de troca para obtenção de benesses em vez do exercício de uma cidadania consciente.

A religião continua ser um faz-de-conta-social em vez de uma ferramenta espiritual capaz de ajudar os putativos crentes a encontrar as forças necessárias para o combate contra o desespero, a descrença e a falta de auto estima.

Portugal – o País de Camões – não pode contar apenas com o passado. Tem que saber encontrar um caminho para o futuro que ponha termo à irresponsabilidade, à paralisia e à anarquia.

O estado são todos os portugueses e é tempo – como bem lembrou o Presidente da República parafraseando John Kennedy – que passem a pensar mais naquilo que podem fazer pelo país em vez daquilo que o país pode fazer por eles.

Ou, como dizia Ghandi, que passem primeiro a mudar em si aquilo que quereriam ver mudado no país. Sendo, por conseguinte, uma grande viagem aquela que os portugueses têm pela frente mas que terá, inevitavelmente, de começar com um primeiro pequeno passo.

Sob pena de caminharmos todos, a passos largos, para uma anarquia galopante.





P E D R O D A M A S C E N O

sexta-feira, junho 02, 2006

A licença para o macaco

A licença para o macaco


Num dos velhos filmes da Pantera Cor de Rosa havia uma cena contracenada por Peter Sellers que retive até hoje, não só pelo lado cómico mas também pelo profundo significado que encerrava.

Quando passeava um pequeno macaco pelas ruas de Paris o Inspector Closeau (Peter Sellers) foi abordado por um polícia que lhe pediu a licença para o macaco. Irritado Closeau questionou a necessidade de ter uma licença para passear o macaco na rua.

Palavra puxa palavra e a discussão prolongou-se em tom acalorado. Enquanto isto, nas costas de ambos, um gupo de ladrões assaltava um banco e saqueava a seu belo prazer – sem que nenhum dos dois (ambos polícias) – se apercebesse do que se estava a passar...

Uma das razões porque retive esta cena de um filme com mais de 20 anos tinha e tem a ver com maneira caricata como a nossa burocracia, tantas vezes, valoriza os aspectos formais das leis e regulamentos pouco se preocupando com os objectivos que se pretendem atingir.

Embora sejam bem conhecidas as dificuldades na interpretação da lei – atestadas pelas divergêncais profundas que, tantas vezes, os próprios juristas exibem na interpretação de um texto – verificamos que a grande maioria dos agentes da nossa administração exibe, por norma, um grande fundamentalismo.

Não sendo a maioria deles licencidos em direito (e mesmo que o fossem) assumem interpretações literais ou mesmo profundamente subjectivas que não deixam grandes alternativas ao cidadão comum que não terá outro remédio senão recorrer a um advogado.

Portugal é, de si, um país cheio de leis e regulamentos a que se devem acrescentar as directivas de Bruxelas que são sobejamente conhecidas pelo seu frequente desajustamento em relação às variadas realidades nacionais.

E é assim que, “em nome da lei”, se criam entraves intermináveis ao cidadão e se desmobilizam pessoas empreendedoras e criativas que desistem dos seus investimentos face a exigências legais (?) incompreensíveis.

Sem que, em tempo útil, se consiga ultrapassar aquilo que, tantas vezes, não passa de uma interpretação subjectiva (para não dizer ignorante) da lei. Os recursos são, habitualmente, extremamente morosos e dispendiosos quando não são mesmo impossíveis.

Numa região periférica como os Açores em que tudo é mais díficil e complicado esta realidade transforma-se num verdadeiro freio ao desenvolvimento matando, à partida, o empreendorismo de que agora tanto se começa a falar.

O comum é verem-se pessoas muito mais preocupaas com a “licença para o macaco” do que com os verdeiros assaltos ao nosso desenvolvimento que por aí se verificam, todos os dias.

Não basta criar sistemas de incentivos – embora isso seja de capital importância - para o investimento. É, igualmente, necessário criar uma administração ágil e célere que não mate na secretaria aquilo que deveria o cerne do nosso futuro.

Sem empreendorismo e iniciativa privada não é possível fazer desenvolvimento económico. Mas não há iniciativa que resista a sistemáticas barreiras burocráticas e à falta de um sistema de recurso rápido, eficiente e barato.

Só resistirão os que já possuem um grande poder económico e uma boa capacidade de resposta jurídica. Os outros, incluindo os jovens, ficarão pelo caminho – desalentados senão mesmo falidos.

Que deixem de ser necessárias as licenças para os macacos.




P E D R O D A M A S C E N O