sexta-feira, dezembro 29, 2006

À guisa de balanço

À guisa de balanço


2006 não tendo sido um ano esplêndido – quer no plano interno quer no externo – não foi dos piores.

As grandes maleitas – a fome, a miséria, as epidemias, as guerras, o desperdício, a ameaça nuclear, os fanatismos – continuam e o fosso entre ricos e pobres continua, também, a aumentar, um pouco por todo o lado.

Os efeitos do aquecimento global nas condições climatéricas tornaram, ainda mais, óbvio o problema da poluição e dos seus efeitos devastadores na nossa qualidade de vida e, mesmo, na nossa segurança.

A situação do Iraque e do Médio Oriente aí estão a atestar a nossa incapacidade para atacar a causa profunda dos problemas e não apenas os seus efeitos.

O terrorismo não teve, este ano, nenhuma acção espectacular mas o seu espectro paira como uma ameaça real sobre as nossas vidas, sobretudo nos grandes centros urbanos.

Portugal mantém-se no pelotão de trás da comunidade europeia e nós, como povo, ainda não resolvemos encarar a sério um problema cuja solução não passa, apenas, pela politica e pelos políticos.

Os Açores mantem a aposta no turismo mas a sua sazonalidade permanece como o grande entrave à sustentabilidade do sector que vive longas noites de penúria.

A TAP/SATA continuam – perante várias complacências – a ignorar o aeroporto do Pico, fingindo não perceber que metade ou mais do tráfego da Horta tem origem e/ou destino no Pico.


Contudo sinais positivos também aí estão. Apareceu, proveniente do país mais poluidor do mundo, um filme (Uma verdade inconveniente) que vem retratar, de forma magistral, o gravíssimo problema do aquecimento global.

Nos USA os ventos de mudança, para uma atitude mais dialogante e de cooperação, já sopram visivelmente. Porventura abrindo a porta para a eleição um/a presidente mais sensível às questões da paz, do ambiente e das desigualdades sociais.

As mulheres começam, progressivamente, a desempenhar funções de responsabilidade na vida pública mundial. Podendo trazer para a política mais paz, mais bom senso e mais diálogo.

Em Portugal sente-se que estão a ser dados passos no sentido de se agarrar o boi pelos cornos e pôr em causa os nossos brandos costumes que apenas nos têm levado apenas à inércia e ao conformismo.

Os Açores consolidam-se como uma Região Autónoma madura e democrática e confirmam-se como um destino turístico fortemente apelativo.

O Pico continua a ser a montanha mais alta de Portugal e a dar alguns passos – não ainda os suficientes – para tornar o seu afamado futuro em presente.

Que 2007 venha confirmar as tendências positivas.


P E D R O D A M A S C E N O

sexta-feira, dezembro 15, 2006

A estória do João

Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo....
Fernando Pessoa


A estória do João




A estória do João, na sua singeleza e linearidade, vale do que mais de mil exemplos de como vai este país e a segurança social cuja falência parece ser, cada vez mais, inevitável.

O João teve um acidente de trabalho há 3 anos tendo tido traumatismos graves da bacia e de uma das pernas. Possivelmente mal assistido ficou com sequelas de algum gravidade.

Lesões que lhe causam dores e lhe determinam algumas dificuldades na marcha bem como certa incapacidade para tarefas pesadas como as que executava antes do acidente.

O João tem trinta e três anos e anda de baixa há três!

O João não é um deficiente – longe disso – mas tão sómente um jovem que teve pouca sorte com um acidente grave e com os cuidados médico-cirúrgicos a que teve acesso.

Tirando o que se disse é um jovem escorreito em plena posse das suas capacidades intelectuais e, segundo diz, com vontade de trabalhar em qualquer das variadíssimas profissões que poderá exercer plenamente.

Sem falar na “profissão” de funcionário público, daquelas em que se vêm os respectivos titulares a segurarem as paredes e a verem passar o trânsito, todo o santo dia de sorriso na face e cigarro na boca.

O João pode ser condutor, fiscal, fiel de armazém, desenhador, orçamentista, contínuo de escola, funcionário de autarquia, leitor cobrador, pescador, guarda de museu, cobrador de bilhetes de cinema, etc. Eu sei lá...

Mas não: o João porque chegou ao fim do tempo de baixa permitido por lei foi, pura e simplesmente, mandado a uma junta médica de invalidez com vista, obviamente, a obter a dita cuja!

Sem que alguém – nomeadamente da área do apoio social e/ou reintegração profissional – se tenha chegado à frente e feito o que quer que seja para encontrar uma saída profissional para um jovem de 33 anos que passa a vida a polir calçadas.

Certamente não por falta de assistentes sociais ou programas de reintegração profissional.

Num país de poucos recursos e com uma segurança social afogada ainda é possível encontrar casos como estes que falam por isso e atestam bem a incompetência, o desleixo e a falta de qualidade humana.

A estória do João é bem parte da história deste nosso desafortunado país.


P E D R O D A M A S C E N O

sexta-feira, dezembro 01, 2006

Encontrei Deus na lixeira

O que sabemos é uma gota, o que ignoramos é um oceano.
Isaac Newton


Encontrei Deus na lixeira




“…. Para que livre a minha casa da justiça e de todas as pessoas que me queiram mal, das bruxas, das enrarilhadeiras, das pragas dos males de inveja. Reza-se 3 Credos e diz-se: ….”

Assim rezava, em parte, o papel que jazia juntamente com o crucifixo de metal prateado com o Cristo a quem falta a mão e o antebraço direitos. No “aconchego” de uma lixeira para onde foi enviado no ano da Graça de Deus de 2006.

De surpresa, ao entardecer de um dia magnífico de S. Martinho, tive um encontro mágico com Deus que fora tão displicentemente enviado para a lixeira. Porque uma imagem e Deus (propriamente dito) são uma e a mesma entidade.

Pelo menos para quem acredita no valor das imagens e com elas dialoga quando quer falar com Deus. Ao jeito do anúncio de um jornal local que, há bem pouco tempo, falava da vinda da Mãe de Deus a uma das nossas vilas.

Naturalmente que não se referia – presumo – à Mãe de Deus de carne e osso mas tão-somente a uma das suas imagens dando, por conseguinte, a Esta o estatuto divino. O que coloca a questão no foro exclusivamente, confessional.

E sendo os Açores uma região em que o catolicismo é maciçamente maioritário não será abusivo imaginar que quem para a lixeira atirou Cristo será, com grande probabilidade, católico apostólico romano.

Possivelmente uma pessoa para quem não restam dúvidas quanto ao caracter divino das imagens do Senhor Bom Jesus ou do Senhor Santo Cristo dos Milagres não hesitando em tocá-las ou beijá-las em busca de ajuda ou de conforto.

Como, logicamente, não deverá haver imagens de primeira e de segunda, qualquer uma – independentemente do seu tamanho, material, localização ou notoriedade – representa Deus. Sob pena de todas elas perderem, afinal, o valor.

Uma imagem religiosa, seja ela qualquer for, é como um filho. Uma vez adquirida é encargo para toda a vida: nunca um filho deixa de ser filho nem a imagem deixa de ser Deus. A menos que se atribuísse a um ou ao outro um prazo de validade.

De modo que quem atirou o Cristo para a lixeira fê-lo, provavelmente, sem pensar em nada disso o que equivale a achar que a imagem tinha perdido a validade e já não prestava. Sem ter, concerteza, por isso renunciado à sua fé.

Assim vai a nossa espiritualidade. Um bem de consumo para deitar fora quando vira velho e se faz uma limpeza geral à casa. O Deus de ontem é um trapo velho, amanhã.

Quase como tudo o resto: consumível e descartável.

Num dia a Mãe de Deus é passeada e homenageada na vila, no outro o seu Filho é deitado fora! As duas faces de uma só moeda: o encanto e a fé de um lado e, do outro, um profundo desrespeito.

Para mim, tratando-se de quem se trata, encontrei Deus na lixeira. Que, ás tantas, está a olhar para tudo isto com um sorriso irónico...







P E D R O D A M A S C E N O