sexta-feira, fevereiro 27, 2009

O fim de um paradigma

Acredito que só sairemos verdadeiramente da crise com sangue, suor e lágrimas
Miguel Sousa Tavares




O fim de um paradigma



Comunismo de um lado, capitalismo do outro. A queda do muro de Berlim e a implosão do comunismo. O regabofe do capitalismo desregulado e de casino, totalmente unilateralista.

Um “directório de países ricos” com pouca ou nula sensibilidade para um conjunto interminável de países miseráveis. Uma visão maniqueísta de um mundo desigual, injusto e explosivo.

A ascensão do capitalismo sem regras capitaneado pela Administração Bush – provinciana e conservadora – que encontrou no terrorismo o argumento para uma política externa totalmente desastrada. A queda abrupta dos valores e dos princípios.

O fim das ideologias que se condensariam, agora, num capitalismo mais ou menos mitigado. Sendo essa coisa de direitas e esquerdas, por conseguinte, pura estultice intelectual desprovida de carácter prático.

O estado social e do bem-estar, menina dos olhos da social-democracia europeia (e sobretudo nórdica), entrando em colapso progressivo com previsões muito negativas sobre a sua sustentabilidade.

Os políticos a perderem densidade e credibilidade tornando-se em mais um bem descartável ao sabor das sondagens e dos votos. Uma crescente promiscuidade entre poder político e poder económico e a rarefacção de verdadeiros estadistas.

A crise surge. Ou melhor, o moderno capitalismo como o vínhamos conhecendo colapsa – quase de repente – deixando o menino nas mãos do estado que, entretanto, perdera a sua vocação de protector e regulador da economia.

Gurus da nova economia e do seu crescimento exponencial passam de heróis a malfeitores de direito comum. Os bancos e seguradoras abrem falência em catapulta e os offshores aparecem como os tentáculos mais visíveis da fraude generalizada.

E agora, Pedro?

Agora, como disse Barack Obama, “é preciso mudar o modelo económico”. Procurando um novo paradigma que mantenha e aprofunde as liberdades individuais e a economia de mercado mas que introduza factores de carácter ético, social e ambiental.

Criar, como disse Mário Soares, “ estados de direito capazes de controlar os mercados e assegurar sociedades de cidadãos livres, pluralistas e participantes, democracias não oligárquicas mas sociais, preocupadas com o bem-estar de todos, com uma justiça independente, acima dos média, e com a defesa do ambiente, indispensável à sobrevivência da humanidade e da biodiversidade”.

Iniciativa privada que terá que se manter como o motor da economia mas apostando num capitalismo inventivo e criador de riqueza para todos em detrimento de um capitalismo especulativo só para alguns. Com regras claras devidamente supervisionadas pelo estado e asseguradas por uma justiça célere, competente e independente.

É adequado anunciar o fim de um paradigma.

Há que esperar, agora, que uma massa crítica de cidadãos – activos, lúcidos, sensíveis e empenhados – ponha em marcha outro que tome em conta os erros e desvios do passado e consiga retomar, tendo em linha de conta os desafios da modernidade, o fio interrompido dos grandes valores da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade, e Fraternidade!



P E D R O D A M A S C E N O

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

A teologia dos autocarros

Deus existe? Em Madrid, isso depende do autocarro!
Nuno Ribeiro (Público)




A teologia dos autocarros


Madrid ameaça tornar-se no epicentro de uma verdadeira erupção teológica! Erupção que surge em forma de cartazes de publicidade colocados em oito autocarros de cinco linhas daquela cidade.

Em publicidade paga seis desses autocarros defendem a existência de Deus enquanto dois defendem o oposto. Todos eles com slogans alusivos: “Deus Existe”; “Provavelmente Deus não existe. Deixas as preocupações para trás e goza a vida”; “Quando todos te abandonam, Deus fica a teu lado”.

Todos eles da maior profundidade e que vêm repor a teologia como matéria nobre das horas de ponta da movimentada cidade espanhola. Podendo os cidadãos, entre a leitura apressada do jornal e as secas de espera nas paragens, aprofundar a sua espiritualidade.

Quiçá mesmo discernir finalmente, por entre anúncios de detergentes e perfumes lascivos, o significado supremo da vida. Se podemos, por exemplo, gozar a vida porque Deus não existe ou se não nos devemos preocupar com nada porque Ele existe e não nos deixa sozinhos.

A campanha começou em Londres por iniciativa da British Humanist Association do Reino Unido e estendeu-se a Espanha prometendo chegar a Sevilha, Valência, Saragoça e Bilbau. E porque não Lisboa, Porto, Coimbra e Faro?

Uma espécie de teologia do povo aligeirada ao estilo de fast-food espiritual. Para quê entrar em horrendas discussões académicas ou tentar ler livros chatíssimos como a Bíblia ou o Alcorão que nos põem a dormir em dois tempos?

Quando a coisa é bem mais simples: deixar de acreditar em Deus para gozar ou então simplesmente acreditar em Deus para ser feliz. Elementar.


Sendo estas questões assim simples porque não tornar os autocarros de Madrid – e mesmo do mundo – no fórum ideal para a discussão da existência ou não de Deus. Poupa-se balúrdios em peregrinações, templos, ordenados e velas.

E Deus, se existe, deve estar algures no Paraíso, morto de riso. Porque tendo-nos feito, à Sua imagem e semelhança, não resistiu a dotar-nos de uma pitada de sentido de humor que agora rende boas gargalhadas. Se não existe teremos que nos rir por conta própria.

E, claro, escolher entre se existe Deus ou não existe terá a ver com a qualidade visual e estética dos anúncios, com as cores com o lettering, etc. E porque não, no futuro, com mulheres boas nuas? Se servem para vender tudo, desde a carros a electrodomésticos, também podem servir para vender umas Sodomas e Gomorras modernas ou a castidade envolta em hard-rock.

A opção é nossa mas, no fundo, tanto faz. A felicidade/gozo está certa, com ou sem Deus. Uns porque sim e os outros porque não.

Resta-nos a consolação (pelo menos nesta parte do mundo) de poder escrever jocosamente sobre tudo isso sem termos de enfrentar amanha uma manifestação ululante de desagravo ou uma sentença de morte, decretada à revelia.

Está tudo, garantidamente, doido.


P E D R O D A M A S C E N O