sexta-feira, abril 19, 2013

FAMÍLIA


FACE OCULTA

A pátria é a família amplificada
Rui Barbosa


FAMÍLIA


            Já na sociedade romana a família era uma unidade económica, religiosa e política com um interface de afectos mas em que predominava, como era próprio de uma sociedade machista, a figura do pai.

            O poder estava, essencialmente, na mão do pai e sua transmissão fazia-se para o primogénito e/ou para outro homem ficando a mulher excluída do poder. Estavam, assim, lançadas as bases do tipo de família patriarcal que chegou até aos nossos dias.

            Desse padrão desviava-se a família judaica, de matriz matriarcal, mas em que que o homem igualmente predominava em termos de poder real. No fundo tratava-se, mais, de assegurar a transmissão sanguínea segura.

            O advento do feminismo e a emancipação sexual, laboral e intelectual da mulher vieram pôr em causa esse predomínio do homem e criar as condições para uma estrutura familiar democrática e participativa.

            Simultaneamente começaram a ganhar corpo as famílias de matriz homossexual, as monoparentais e as relações de facto que vieram disputar espaço à família tradicional e eliminar uma estrutura inteiramente vertical.

            Todos esses desenvolvimentos promoveram o enriquecimento do conceito de família criando um conjunto de novas formas de viver sob o mesmo tecto e dando expressão a formas de estar que sempre existiram mas que se encontravam fortemente reprimidas.

            No entanto os imperativos da vida moderna (ambos os conjugues a trabalhar, o tamanho exíguo das habitações, os infantários, etc.) carrearam outros factores de mudança que têm vindo a levar ao desmembramento da família como a conhecíamos.

            Potenciando o afastamento dos ascendentes e descendentes, numa escala nunca vista, que se pode medir bem pela proliferação de casas de idosos que dizem bem da incapacidade da família assegurar o bem-estar e a humanização dos seus membros.

            Os idosos estiolam em lares e as crianças crescem em infantários.

            Chegou, talvez, a altura de meditar profundamente em todos estes temas e criar compromissos que dêem espaço à diferença e aos condicionalismos da vida urbana mas que potenciem o interface de afectos e entreajuda que continuam a ser essenciais à nossa sobrevivência plena.

            Um núcleo familiar, forte e solidário, continua a não ter substituto conhecido nas nossas vidas. Os laços directos de sangue continuam a conferir uma segurança e um apoio sem paralelo.

            A família tradicional, repressiva, dominadora e – tantas vezes - castradora deixou de ter razão de ser. Mas em seu lugar não pode ficar o vazio, a indiferença e, mesmo, o desamor.

            Munidos das novas liberdades e cientes das novas dificuldades teremos que procurar, também, novas maneiras de preservar o essencial da família sob pena de nos desagregarmos comunitariamente.

            O novo mundo tem que, necessariamente, dar lugar a uma nova família.
           


PEDRO  DAMASCENO

sexta-feira, abril 05, 2013

O murro na mesa


FACE OCULTA

A crise financeira é política
Francisco Sarsfield Cabral

O murro na mesa


            Já são muitos os analistas que reclamam, e bem, um murro na mesa da política nacional. Mas os dias passam, a dívida cresce, o Tribunal Constitucional prolonga o tabu do OE 2013 e ninguém aparece para o dar.

            O país afunda-se numa deriva da austeridade, pura e dura, enquanto os partidos da maioria assobiam para lado, a oposição se divide entre o bota-abaixo inconsequente e o calculismo de chegar ao poder.

            Em Belém Cavaco Silva continua a “pensar meticulosamente” no que o Presidente da República deve “minuciosamente” fazer arranjando, assim, um alibi inatacável para nada decidir.

            Na rua e aonde calha vai-se cantando Grândola-Vila-Morena e vão se fazendo manifestações para exibir alguns narcisismos sindicais e para mostrar que as empresas públicas continuam a dar cartas nas revindicações de rua e que o PCP ainda existe.

            Sócrates, para completar o ramalhete, vem confirmar o qua já se sabia: ninguém tem culpa disto tudo para além da crise internacional e dos “outros” que variam de partido para partido.

            Lá para o norte, na Islândia, o PIB volta a crescer mas ninguém se interessa muito com isso. São coisas que vêm da geotermia e do frio: participação cívica, constituição, soberania nacional, responsabilidade política, fraudes bancárias e outras excentricidades.

            Com cerca de 320 mil habitantes o Islândia é uma ilha isolada que durante muitos anos viveu acima das suas possibilidades graças a malabarismos bancários e à especulação financeira. Em 2007 a Islândia entrou na bancarrota por causa do seu endividamento excessivo e pela falência do seu maior Banco que, como todos os outros, se afogou num oceano de crédito mal parado.

 Tudo muito parecido com a Grécia, a Irlanda e Portugal. Só que a Islândia escolheu o seu próprio caminho recusando que fossem, exclusivamente, os cidadãos a pagar os custos das falências dos bancos e dos investimentos financeiros de risco.

Um caminho que passou por uma nova constituição e pelo afastamento dos velhos políticos/partidos mas mantendo a via democrática e dando início a um ambicioso plano de reformas com corte da má despesa e protecção da boa (social).

Para tal foi crucial o aparecimento de movimentos cívicos que serviram de âncora para as duras negociações com o FMI e que garantiram que a população em geral fosse envolvida sendo, simultaneamente, informada do destino final dos seus sacríficos no dia-a-dia. Fazendo crescer, novamente, o PIB e controlando o desemprego e punindo quem tinha se de ser punido.

Portugal precisa, também, de um verdadeiro murro na mesa.

Ao contrário da Islândia, Portugal entrou numa espiral recessiva resultante de uma austeridade bárbara feita nas costas das populações que deixou incólume os grandes responsáveis agachando-se perante o poder monetário internacional.

A despesa foi cortada a direito, boa e má, mas os interesses corporativos e o despesismo inútil permanecem não se vislumbrando qualquer plano de reformas de fundo, consistente e coerente. Os bolsos esvaziam-se, a protecção do cidadão cai a pique, o desemprego sobe em flecha perante a impunidade de quem beneficiou do regabofe especulativo.

A economia entrou em estertor e o pequeno empresário afunda-se num regime fiscal pidesco e num mundo de burocracia. A tudo se sobrepõe o “sacrossanto” dever de pagar uma dívida (especulativa?) que resultou de um conjunto de causas e factores que nunca foram nem devidamente investigados e, muito menos, explicados.

Portugal não precisa de uma quimioterapia que tudo mata incluindo o próprio doente. Precisa antes de tudo de um diagnóstico correcto que nunca foi feito e de um tratamento que combata a doença e, simultaneamente, fortaleça as defesas da nação.

O país necessita, com muita urgência, de uma renovação profunda de dirigentes, da alteração radical de procedimentos e da aquisição de movimentos cívicos de cidadãos verdadeiramente empenhados na sua defesa e equidistantes dos velhos políticos/políticas. Precisa de política no sentido mais nobre.

Não há salvadores providenciais e muito menos receitas milagrosas.


PEDRO  DAMASCENO