domingo, fevereiro 28, 1993

AS AVENTURAS E DESVENTURAS DE UM TURISTA ACIDENTAL NO REINO DO MICKEY MOUSE


FACE OCULTA



AS AVENTURAS E DESVENTURAS DE UM TURISTA ACIDENTAL NO REINO DO MICKEY MOUSE


Nos tempos de recessão e dificuldade que já, claramente, se vivem seria de esperar uma adequada adaptação do governo e dos agentes económicos.

Rigor e eficiência devem, naturalmente, existir sempre numa sociedade que procura o progresso e o crescimento. Mas esta verdade elementar é bem mais importante em sociedades com as assimetrias e carências como a açoriana e, sobretudo, em época de dificuldades acrescidas como a presente.

A autonomia, e o mesmo é dizer a governação dos Açores pelos açorianos, depende em primeiro lugar destacado da auto-suficiência orçamental do arquipélago. Os Açores têm que ter níveis de conforto e bem-estar compatíveis com as receitas geradas na região.

Quando maior for o fosso entre o dever e o haver, maior será a dependência em relação ao exterior e, o mesmo é dizer, maior será o grau de submissão e subalternidade, seja em relação a Lisboa ou a Bruxelas. Cada vez mais a autonomia tranquila será autonomia de fachada, de dependência.

É bem sabido que a meta da plena auto-suficiência é um objectivo muito difícil e de longo prazo.  Mas é para esse objectivo que a sociedade açoriana tem que se orientar, com determinação e força. Quanto mais alta for a fasquia maior terá de ser o esforço

Os sinais do fim dos tempos das vacas gordas estão aí, por todo o lado. O tempo das dotações generosas do orçamento geral do estado e das contribuições chorudas dos americanos e franceses acabou.

Pura e simplesmente acabou, sem retorno.

Ficou à sociedade açoriana a tarefa, crucial e urgente, de se organizar com trabalho, rigor e eficiência. Toda a gente, desde o trabalhador por conta de outrem ao funcionário público, dos agentes económicos aos membros o governo, tem de se empenhar num processo que é urgente. Porque não há nenhum ente, superior e eminentemente bom, que em desespero de causa nos venha salvar do dilúvio.

Ninguém pode viver acima das suas posses por muito tempo. Ou dá em pedinte ou ladrão. Ou, então, põe a corda ao pescoço. O resto são histórias da carochinha.

O crescimento económico é, por isso, o grande desafio que se põe aos açorianos. E um crescimento económico sustentado e robusto tem que ter por base opções claras e consensuais. Não pode existir com o governo para um lado, os agentes económicos para o outro e os trabalhadores para outro ainda.

Uma dessas opções parece ser, cada vez mais, o turismo que se poderá transformar num pujante e estruturante sector da economia açoriana.

Com níveis de poluição ainda baixos, grandes belezas naturais e condições de segurança; os Açores poderão constituir, se nesse sentido afincadamente trabalharem, um destino apetecido e exclusivo para um segmento de mercado turístico europeu com alto poder de compra e que procura novos destinos de qualidade.

Mas não será a vencer gato por lebre que se chegará aonde quer que seja. O turista que interessa aos Açores não pergunta quanto custa, exige qualidade. Qualidade que tem pouco a ver com luxo, mas sim com serviço que terá que ser eficiente, empenhado e amável.

Por tudo isso assumem a maior gravidade dois episódios que, há bem pouco tempo, sucederam na simpática e acolhedora cidade da Horta.

Num sábado à noite um turista acidental procura, cerca das 23 horas, local para pernoitar. Numa das mais conhecidas residenciais da cidade encontra a recepcionista a namorar ao colo do namorado (?). Solicitando quarto, é-lhe dito que é tarde e que os patrões não gostam de alugar quartos àquela hora!

De rabo entre as pernas o nosso turista procura a maior unidade hoteleira da terra, aonde um atabalhoado recepcionista lhe diz que tem quartos mas que os «quartos não estão preparados» e que não tem ninguém para os preparar. Ponto final, paragrafo.

Novamente, de rabo entre as pernas, o malfadado turista acidental demanda, já com medo, a outra unidade de tutela governamental mas consegue, finalmente, uma dormida. Escapou ao banco do jardim, por uma unha negra.

Isto em Fevereiro de 1993 na cidade da Horta.

Aventuras e desventuras dignas do Reino do Mickey Mouse.



P E D R O  D A M A S C E N O


segunda-feira, fevereiro 15, 1993

O AMBIENTE E A POBREZA DE “ESPÍRITO”


FACE OCULTA

«A natureza conduz-se, não se muda»
Voltaire


O AMBIENTE E A POBREZA DE “ESPÍRITO”



Admitindo como premissas iniciais as bolsas de pobreza que existem em Portugal e os ainda medíocres níveis de vida de grandes sectores da população portuguesa, não deixa de ser igualmente verdade que a pobreza de muita gente tem mais de atávico e cultural do que real.

É comum ouvir-se a evocação de que «sou pobre» ou «somos pobres» como explicação para deficiências, incapacidades, demissões, etc. Sem que, em muitos casos, haja qualquer correlação visível ou sequer exista pobreza pecuniária real.

A pobreza é, de resto, um conceito lato que vai desde penúria e estreiteza de posses até à mansidão e escassez de inteligência. Assim é a língua portuguesa, rica e traiçoeira.

Vem tudo a propósito do ambiente e da sua prevenção.

Um pouco como em outros sectores, o público, em geral, tem em relação aos problemas do ambiente uma atitude passiva, esperando do governo e das autarquias as soluções de todos os problemas.

E se é bem certo que os grandes problemas do ambiente implicam, pela sua dimensão, complexidade e custos, a intervenção do Estado; não é menos certo que muito pode ser feito pelos cidadãos, quer a título individual quer comunitário

O tratamento dos grandes lixos, quer industriais quer caseiros, são, por exemplo tipicamente tarefa de entidades públicas. No entanto, actos tão triviais como não cuspir na rua e não deitar lixo de qualquer maneira e em qualquer lado, são tipicamente tarefas de todos nós.

E, contudo, esses «pequenos» actos, aparentemente banais e sem grande significado, multiplicados por milhares ou milhões, constituem um impacto ambiental de grande gravidade.

Da mesma forma, se a defesa do grande património e as actividades legislativas de preservação do ambiente são da competência do Estado, há inúmeras maneiros do cidadão comum participar nessa grande tarefa que é a manutenção e enriquecimento da natureza, primeira condição para a qualidade da vida humana. Não poderá haver vida humana de real qualidade se modificarmos de modo severo a natureza que é o habitat imprescindível para que o homem não se divorcie da sua real identidade: animal, racional e evoluído (?), mas indiscutivelmente animal com necessidades fisiológicas ineludíveis.

Para construir um mamarracho ou poluir não é essencial o grau de riqueza ou pobreza do autor. Um «pobre» não tem necessariamente que ter uma habitação feia, austera e triste. Da mesma forma que um «rico» não tem necessariamente que ter uma habitação bonita, bem integrada e alegre.

Postos de lado os casos de marginalidade e de real pobreza, tudo passa mais pela alma do que pelo bolso.

Uma habitação, bem modesta, pode ser acolhedora, alegre e integrada na natureza. Como também uma habitação, bem luxuosa, pode ser uma agressão ao ambiente, feia e triste. Tudo irá depender, essencialmente, de quem lá vive.

Mais tarde ou mais cedo, o homem terá que concluir que a sua corrida vertiginosa para o consumismo e alienação material é suicida. Os níveis de conforto material terão que atingir, bem cedo, um patamar máximo sob pena de se continuar a depredar, de forma irreversível, o planeta de cuja sobrevivência inteiramente dependemos. Bastará imaginar os biliões de habitantes do chamado terceiro mundo animados do mesmo espírito de competição desenfreado de uma América ou de um Japão. Pura e simplesmente não haverá Terra que resista.

O homem terá necessariamente de se virar para dentro, para a sua vida interior. Terá que haver um limite para o número de futilidades e bens de consumo totalmente supérfluos. A «competição» terá de se centrar mais no miolo e menos na casca.

O problema do ambiente passa muito mais pela nossa riqueza espiritual do que pela nossa pobreza material.

Antes dez poetas pobres do que cem «pobres» ricos.


P E D R O  D A M A S C E N O