sexta-feira, abril 25, 2008

A banca, as vacas e a crise

Só um louco esperaria que as taxas de juro se mantivessem a pouco mais de 2 por cento
Sarsfield Cabral

A banca, as vacas e a crise

Dizia, alguém com piada, que os bancos estão como um agricultor que, reduzido a três vacas leiteiras, as ordenha desenfreadamente de manha, à tarde e a noite com a obsessão de aumentar o seu pecúlio, ainda mais.

Escusado será dizer que o inevitável aconteceu e as vacas acabaram por morrer deixando o desventurado agricultor sem qualquer provento. Já que não tinha tido a preocupação de assegurar – se quer ao menos – o nascimento de uns bezerritos!

Foram-se o pau e a bola.

Assim anda, mutatis mutandis, a banca. Depois do tempo das vacas gordas do crédito da habitação e da venda de dinheiro a retalho amarrados a cómodas garantias chegou o tempo dos incumprimentos e dos créditos malparados.

Os bancos criaram as condições para a festa do consumo desenfreado na área da habitação e dos equipamentos como se não fosse possível saber que, mais menos dia, os juros iriam disparar. Quantos bancos não incentivaram o consumo sugerindo mobílias, carros e etc. debaixo do guarda-chuva da habitação?

A concorrência na conquista do mercado do crédito à habitação tornou-se numa luta renhida porque eram empréstimos quase desprovidos de risco. Nos últimos anos era muito mais simples conseguir crédito para habitação, quase instantâneo, do que crédito para investimento.

Fomentou-se até limites absurdos a aquisição de casa própria (tantas vezes excessiva para as reais necessidades das famílias) enquanto se deixavam as pequenas e médias empresas entregues a grandes dificuldades de tesouraria.

Arriscou-se muito pouco no crescimento económico por via do investimento e muito por via do consumo. Sendo certo que se tem sobrestimado a importância das taxas de juro no crescimento económico por via do investimento estas não deixaram de ser um factor importante.

A banca portuguesa que sempre teve uma vocação para a actividade comercial e para o retalho não tem por tradição o estabelecimento de parcerias financeiras sobretudo em áreas de inovação que são sempre acompanhadas por um maior risco.

E a economia não vai crescer essencialmente com base nos sectores tradicionais mas descobrindo áreas de negócio de valor acrescentado mas cuja previsão de sucesso/garantia de lucros é sempre muito mais difícil de contabilizar.

Os bancos escancararam as portas ao consumo em Portugal e agora, assustados com as consequências do crédito fácil que concederam, entraram numa fase de contracção e encarecimento do mesmo procurando, simultaneamente, manter os crescimentos a que se tinham habituado. Nem que seja através da prática de taxas de serviços perfeitamente especulativas.

Fechar as portas depois da casa assaltada faz lembrar a história do agricultor com as três vaquinhas. Os bancos terão – se quiseram evitar ainda maiores problemas – que prescindir dos fabulosos resultados que vinham conseguindo e terão que se contentar com outros patamares mais baixos.

E não vale a pena definirem objectivos de crescimento perfeitamente irrealistas no cenário de estagnação de economia que se vive em Portugal e na própria Europa obrigando os seus colaboradores a um permanente exercício de frustração.

Não deverá ser, apenas, o governo a tentar manter lucros baixos por via política ou com recurso ao erário público, terá que ser a própria banca que terá que aprender a lidar com o monstro que criou.

Ordenhar a vaca até esta morrer não adianta mesmo.

P E D R O D A M A S C E N O

sexta-feira, abril 11, 2008

Governo ateu ou Igreja fraca?

a Igreja prevaleceu, produziu Salazar e gozou meio século de uma quase absoluta hegemonia
Vasco Pulido Valente


Governo ateu ou Igreja fraca?

A recente afirmação do Arcebispo de Braga e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa de que o “o Governo não pode ser militantemente ateu” não pode deixar de ficar toda a gente – minimamente informada – de boca aberta.

Sendo Portugal um estado de direito não confessional é completamente absurdo que alguém com tais responsabilidades na hierarquia da Igreja Católica produza semelhante disparate.

O Estado apenas tem de assegurar, de acordo a Constituição, a total liberdade de culto religioso e prevenir que alguém possa ser prejudicada por um “delito de culto”. Devendo, simultâneamente, manter uma rigorosa neutralidade em matérias de credo.

Por outro lado o Estado deve saber interpretar as alterações de hábitos e práticas que os cidadãos tem vindo a assumir como são o caso das relações de facto, das relações homossexuais, do aborto, da contracepção, etc. e saber conduzir discussões políticas sobre estas matérias com vista a legislar.

Sendo totalmente impertinente esquecer o peso que a Igreja Católica (IC) ainda mantêm em Portugal e que a suas opiniões, mesmo as políticas, devem ser ouvidas e tidas em linha de conta é, seguramente, inaceitável que essa mesma IC confunda laicismo (que deve ser o do Estado) com ateísmo.

Sobretudo não esquecendo que a fé não começa nem acaba com a religião católica. Começa bem antes com o budismo e o judaísmo e continua, depois, com o islamismo e o protestantismo e acaba com a miríade de novas seitas que nascem quase todos os dias.

É, aliás, fantástico que seja a mesma IC que criou a Inquisição e que beneficiou de um estatuto especial especial ao longo da monarquia e durante o meio século do Salazarismo que se venha agora queixar de discriminação.

Essa acusação de ateísmo do Governo lembra, flagrantemente, a velha máxima do antigamente de que quem não é por nós é contra nós. Ateísmo é uma atitude filosófica que questiona a existência de Deus, pura e simplesmente. E que na sua versão mais recente considera mesmo perniciosa essa existência!

Ninguém tem dúvidas que na hierarquia do Estado há muito boa gente que perfilha credos religiosos e não consta que mais nenhuma das outras confissões religiosas existentes no país se tenha vindo a queixar do ateísmo do governo. Sendo que muitas se têm queixado do estatuto privilegiado da IC.

A IC atravessa, de facto, uma grave crise em Portugal essencialmente por ter vindo a deixar cair o seu papel de liderança espiritual. Começando pelo declínio evidente do sua capacidade evangélica e acabando na dificuldade crescente em perceber os sinais dos tempos e os novos desafios da sociedade de consumo em que vivemos.

As igrejas estão cada vez mais vazias e há cada vez menos padres não por causa do alegado ateísmo militante de um qualquer governo mas porque a IC se institucionalizou e passou a viver muito à sombra da bananeira, presumindo que o catolicismo dos portugueses era quase uma coisa genética.

A sociedade de consumo não tem trazido só coisas más. Tem trazido, também, grande acesso à informação e à cultura e gerou outras formas de espiritualismo que extravasam as religiões e que afirmam, mesmo, que Deus é demasiado grande para caber apenas numa delas.

Os grandes desafios da IC não estão no combate ao governo (a este ou outro qualquer) nem na procura de um bode expiatório, mas dentro de si própria: na procura de um outro caminho que a abra aos novos paradigmas sociais e lhe permita encontrar as soluções mais adequadas e uma militância evangélica apropriada para um mundo eminentemente carente de espiritualidade. Só assim poderá conhecer, novamente, a pujança.

Governo ateu ou Igreja fraca?

PEDRO DAMASCENO