sexta-feira, março 28, 2008

Educação e bom senso

Educação e bom senso


O recente episódio do filme de telemóvel em que uma professora e uma aluna se engalfinhavam numa aula e que fez o pleno da imprensa nacional, ilustra bem o ponto caricato a que chegou a situação nas nossas escolas.

Tendo despoletado uma controvérsia que teve, essencialmente, como pano de fundo a luta partidária com o PP, por exemplo, a querer ouvir a Ministra da Educação na comissão parlamentar a propósito do assunto.

Sem prejuízo de todo os debates parlamentares que possam vir a ter lugar, é surpreendente perceber que os telemóveis são permitidos nas salas de aulas e que a sua utilização em pleno trabalho escolar é possível.

Mandariam as regras do mais elementar bom senso e básica educação que tais aparelhos estivessem desligados nas salas de aulas, sem que para tal fosse necessário um decreto-lei ou uma decisão de um conselho directivo.

Como, também, é surpreendente constatar a incapacidade de uma professora para controlar uma aula, uma turma e uma aluna e a audácia do comportamento desta, revelador de uma sensação de total impunidade.

Situações e comportamentos que demonstram eloquentemente a situação de falta de autoridade democrática que se vive na sociedade portuguesa e o défice cívico gravíssimo que a falta daquela gera.

Episódios como este são consequência de um mal que atinge transversalmente o país e não apenas, nem essencialmente, consequência de uma política de educação, melhor ou pior, deste ou daquele governo.

O problema vem de trás e o que se passou na Escola Carolina Michaelis não passa da ponta do enorme icebergue da iliteracia, da irresponsabilidade e da falta de competências cívicas que mina Portugal.

Um icebergue que se instalou nas famílias, nas escolas, nos locais de trabalho e, sobretudo, na rua. Um mal pelo qual somos todos, colectivamente, responsáveis. Uma hidra colossal que nenhum Hércules parece conseguir matar.


Monstro que abre a porta a todo tipo de nostalgias da autoridade perdida do salazarismo como se um cancro fosse tratável à paulada e não com uma terapêutica devidamente programada.

Não existe em Portugal autoridade democrática porque o complexo autoritário da velha senhora ainda persiste nas nossas cabeças e acabamos por meter no mesmo saco tudo aquilo que não seja, liminarmente, licencioso.

Autoridade é fundamental para a saúde cívica de qualquer sociedade. O que importa distinguir é entre autoridade arbitrária e autoridade democrática, tendo esta por base uma interpretação do colectivo fundada no diálogo e na participação.

A sociedade portuguesa está profundamente doente porque o mal é sistémico e não será com uns caldinhos quentes e umas aspirinas que lá iremos. É indispensável abrir um amplo debate nacional em que que o pano de fundo seja o bom senso e a ponderação.

Situações como a ocorrida na Carolina Michaelis não se resolvem, certamente, à chapada mas duvida-se que se possam resolver apenas com inquéritos, debates parlamentares ou decretos leis.





P E D R O D A M A S C E N O

sexta-feira, março 14, 2008

MORRER DESNECESSARIAMENTE

Acidentes de viação provocaram 10 mortes nas semana passada
Jornais 10.03.2008


MORRER DESNECESSÁRIAMENTE


Desde o início do ano (2008), os acidentes de viação causaram 105 mortos e 366 feridos graves. Um número astronómico para um país com uma pequena população e que já lida com graves problemas de desertificação.

Tanto assim que várias Câmaras – como por exemplo Vimioso – já atribuem subsídios por cada criança nascida no concelho. E nós a desperdiçar vidas, a torto e a direito, nas estradas!

Para além dos dramas humanos que essas mortes, súbitas e imprevistas, criam fica-se com a sensação de que de que todas leis e todos os meios estão longe de serem suficientes para resolver o problema.

Num tempo em que a medicina atinge, em muitas áreas, o estado da arte e se protesta por encerramento de urgências e maternidades fica-se perplexo perante tantas vidas desbaratadas nas estradas de Portugal.

Tirando situações, felizmente pouco frequentes, de calamidades naturais e outras anomalias afins, os acidentes decorrem por norma por culpa humana que vai desde a vulgar negligência, ao alcoolismo e a conduções completamente irresponsáveis.

O que, tudo somado, se cifra num elevado défice de sentido cívico e na incapacidade crónica de entender que o acidente não acontece apenas aos outros. Mas que resulta, habitualmente, de um conjunto complexo de azelhices, distracções, abusos, etc.

Pelo que fazer mais leis e pôr mais polícias na estrada ajuda mas não resolve o problema de fundo que é, eminentemente, cultural e civilizacional. Sendo a falta de boas maneiras e práticas sociais – que têm vindo sempre a decrescer – os grandes responsáveis.

Enquanto as pessoas se comportarem na estrada como se comportam na vida vamos continuar a ser vitimados em holocaustos de chapas esfaceladas. Tudo por causa de uma pressa absurda, de um ego ferido ou de uma falta de elementar bom senso.

Recentemente esteve exposta em Lisboa Bodies (Corpos), uma polémica colecção de corpos humanos mumificados e tratados com técnicas especiais que permitem ver, de forma muito explícita, quer a extraordinária complexidade do ser humano quer a sua fragilidade.

Devia ser obrigatória (e subsidiada pelo Estado) a visita a essa exposição – e o mesmo é dizer a visita ao nosso corpo – porque, talvez assim, viéssemos a despertar para o facto de estar, essencialmente, nas nossas mãos a sua preservação.

Não há Neurocirurgia ou Cirurgia Cardíaca que nos valha perante a irresponsabilidade com que usamos os nossos corpos e os riscos levianos a que os submetemos. Tudo em nome de um gozo imediato, de uma vaidade incontrolável ou de uma falta de sentido comunitário.

Hoje fui eu, amanhã poderás ser tu. Sem excepções.

É pena que se continue a morrer desnecessariamente quando tanto se investe na saúde e na qualidade de vida e quando tanto se luta para salvar vidas humanas atingidas por doenças terríveis e inevitáveis.



P E D R O D A M A S C E N O