sexta-feira, dezembro 30, 1994

GENTE POSITIVA


FACE OCULTA


GENTE POSITIVA



A muito pouco tempo do final do ano, nada melhor do que um pouco de reflexão.

Mais de 365 dias estão prestes a desaparecer na viragem da vida, num desfecho que convencionamos comemorar e de designar de passagem de ano. Normalmente de forma mais ou menos elegante conforme a disposição e a bolsa. Ao fim e ao cabo apenas mais um pouco de consumismo que não faz mal a ninguém e ajuda o sector hoteleiro e correlativos.

Mas pode ser também, uma boa oportunidade para fazer balanço do ano que passa a definir propósitos para o que começa.

Porque a humanidade, os países, as igrejas, os partidos, os clubes, etc., são, fundamentalmente, conjuntos de pessoas que lhes dão corpo e moldam a sai imagem. Porque a célula mais pequena de todas essas entidades ou instituições é sempre o homem. Homem que, por essa circunstância é sempre o primeiro responsável pela sua evolução. Sempre desde o mais alto dirigente ao mais modesto cidadão, do mais criativo artista à mais banal criatura.

E, contudo, quando nos sentamos à frente da televisão e vemos desfilar perante nós as grandes misérias e as grandes glórias do nosso quotidiano temos, quase sempre, a tendência para achar que isto ou aquilo tem pouco a ver connosco. Sejam os fundamentalistas islâmicos, os soldados fratricidas da Bósnia, as estrelas de Hollywood, os deputados à Assembleia da República, a família real inglesa ou mesmo os jogadores de futebol do nosso clube preferido.

Mas, por incrível que pareça, isso tem tudo a ver connosco.

Apenas, essa ligação existe de forma mais longínqua ou mais próxima. Apesar de todas diferenças o que nos une – humanos – é sempre mais do que nos separa. É a força intransponível de sermos uma espécie animal, com as características comuns forjadas pelo material genérico que nos confere uma identidade comum, pesem as diferenciais raciais, geográficas e culturais.

Qualquer ser humano – por muito poderoso, capaz ou inteligente que seja – não pode jamais substituir-se à sociedade nem vice-versa. O homem é um ser gregário e vivendo, desde sempre, em grupos. Condição que se tem mostrado indispensável para a sua sobrevivência. Naturalmente que há pessoas que por razões muito diversas influenciam ou influenciaram mais os destinos da humanidade do que outras.

 Mas todos e todas a gente influencia os destinos da sua comunidade, do seu partido, dos eu clube, da sua terra, do seu país, da humanidade. Pela razão elementar que somos a sua célula básica. Portugal não é apenas aquilo que o Dr. Mário Soares e o Prof. Cavaco Silva, os deputados ou governo representam. Portugal é o somatório de todos nós portugueses da mesma forma que a humanidade é o somatório de todos nós portugueses da mesma forma que humanidade é o somatório de todos nós humanos, sejam eles da Calheta do Nesquim ou da Bósnia Herzegovina.

De modo que talvez seja tempo de nos começarmos a assumir da nossa verdadeira dimensão que é um misto de grandeza pequenez: de grandeza porque a humanidade é impensável sem nós, de pequenez porque não passamos de grãos de areia. Mas de grãos de areia são constituídas grandes montanhas que nem por serem colossais os podem dispensar.

E se o mundo não é melhor é porque a humanidade no seu conjunto, e cada um de nós, em particular, não tiveram capacidade para fazer melhor. Verdade que se torna importante realçar numa época em que os fenómenos de massificação (sobretudo através dos média) e de despersonalização atingiram proporções muito preocupantes. Circunstância que muita boa gente evoca para justificar as suas omissões e os seus erros: “para que me vou eu chatear ou armar em sério se ninguém liga nada a isso?”

E de facto a vida moderna cada vez mais se transforma numa correria acéfala e irresponsável para a cova. Pouca gente pára para pensar e para se indagar sobre o que a faz correr. Tudo corre atrás de foguetes – quando mais coloridos melhor!

E, no fundo, tudo é bem mais fácil do que parece. Se todos nós, individualmente, lutarmos para ser cidadãos de bem – gente positiva – a humanidade será também mais positiva e o mundo melhor. E não adianta atirarmos pedras a quem quer que seja – político, líder religioso ou mesmo o vizinho da porta – antes de nós próprios sermos capazes de nos conduzir na senda da liberdade da justiça e da fraternidade. Valores que não poderão deixar de estar presentes em qualquer sociedade que aspire a ser civilizada.

De gente positiva é que este ano de 1995, que nasce agora, precisa.


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sexta-feira, dezembro 16, 1994

OS CAPADORES DA ILHA (III)


FACE OCULTA


OS CAPADORES DA ILHA (III) OS FILHOS DA CAPADELA



Encerrados os debates parlamentares e votado o orçamento regional para 1995, correu o pano sobre mais um acto da farsa em que este nosso quotidiano picoense transformou.

Depois de tudo o que foi dito e redito por toda a gente, nomeadamente pelos nossos políticos da situação, o Pico ficou mesmo sem verba que estava contemplada no plano a médio prazo para 1995 e que se destinava ao aumento da pista da ilha. Opção que estava feita, depois de discutida e rediscutida desde os tempos em que foi inaugurado o aeroporto que já, então, devia ter tido a largura que ainda hoje não tem.

Mas nessa altura, como ainda hoje, não prevaleceu nem o bom senso nem sequer uma elementar conta aritmética. O que, ontem, teria custado literalmente mais tostões iria custar, hoje, três centenas de milhares de contos e custará provavelmente, amanhã, o dobro. Quem inscreveu, no início desta legislatura, uma verba substancial no plano a médio prazo para o alargamento da pista do Pico não o fez, certamente, de ânimo leve. Deve ter tido, como é lógico, razões poderosas que, posteriormente, tudo e todos vieram confirmar.

Razões que não foram postas em causa por uma recém-inventada surrealista teoria que afirma que a espessura da pista do Pico não é satisfatória e que alargar a pista significaria refazer todos o piso betuminoso o que atiraria os custos para valores astronómicos! Uma tese desprovida de qualquer fundamento técnico e para cuja confirmação científica insuspeita, desde já, se lança aqui o repto a quem tem direito. 

Contexto em que os deputados picoenses eleitos pela maioria regressaram ao Pico, com o rabo entre as pernas, trazendo apenas um salvar de face consubstanciando numa humildérrima verba de 10.000 contos destinados à realização de um estudo (agora?) de viabilidade do aumento da pista!

Contrapartida que conseguiram obter, possivelmente a ferros, em relação aos mais cerca de 800 mil contos que São Miguel conseguiu obter para 1995! Por pouco não voltaram completamente desfeiteados.

Porque esses 10.000 contos foram apenas isso: um salvar da face dos deputados picoenses do PSD que votaram a favoravelmente um orçamento que retirou ao Pico uma verba avultada já consagrada num plano a médio prazo e reivindicada por todos os sectores da ilha capitaneados pelo Conselho da Ilha.

Se é verdade que em termos estritamente, aritméticos 10.000 contos é melhor do que nada não é menos verdade que os autarcas e deputados da ilha eleitos pelo PSD sofreram uma humilhante derrota infligida pelo seu próprio partido. Derrota infligida pelo seu próprio partido. Derrota que calaram em troca de um prato de lentilhas.

Só se pode esperar, agora, é que possam tirar dessa grande derrota as respectivas lições e prepararem o futuro que, pelos vistos, não se apronta para lhes ser grandemente favorável. Hoje foi a pista, a seguir serão os muitos projectos que vão ter que ficar na gaveta à espera de melhor oportunidade. É assim a política mesmo para quem se acolhe debaixo de protecção do sombreiro governamental!

Mais uma vez os capadores da ilha mostraram que estão activos e não brincam em serviço. Venham eles disfarçados de directores regionais munidos de pseudo argumentos técnicos, de administradores da SATA com estatísticas de cancelamentos misturando alhos com bugalhos ou de joviais e gozadores deputados da ilha capital.

A ilha do Pico não precisa de uma pista em condições porque tem sonhos inconfessáveis ou inconfessados de ter TAP ou de ter charters (se calhar até poderia vir a ter, um dia, esses sonhos uma vez que o sonho comanda a vida!). O que o Pico precisa, urgentemente e agora, é de ter um aeroporto que permita uma operação normal da SATA nomeadamente no Inverno e é essa a reivindicação que todas a gente sensata advoga. O resto são histórias da carochinha.

E o que nos deixa a nós todos como filhos da capadela.


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quarta-feira, novembro 30, 1994

O TRAJE E O MODO


FACE OCULTA


«Um macaco, por muito bem vestido que esteja, não passa de um macaco bem vestido»
John Smith


O TRAJE E O MODO


O 25 de Abril trouxe para o Pico, como para o resto do país, uma indiscutível arrancada para a modernidade e para o desenvolvimento.

Acordando de uma modorra centenária, a ilha começou a conhecer outros horizontes, evoluindo de uma situação em que quase todos não tinham nada para se tornar numa comunidade que já experimenta apreciáveis níveis de conforto e bem-estar.

Com o aumento exponencial de empregos na função pública e na banca e com a melhoria substancial em sectores da população. Recursos que inicialmente se reflectiram em bens essenciais como casas de banho e melhores condições de habitualidade.

Contudo, após uma fase inicial de euforia democrática e equalitária, começou a surgir uma nova classe social marcada por uma capacidade financeira apreciável para o meio e que encontrou numa euforia consumista já mais preocupada com as aparências e o status.
Evolução que naturalmente não foi acompanhada por correspondente melhoria escolar, civilizacional e cultural.

O carro, o vestuário, a parabólica, etc., vieram, cada vez mais, a impor-se como sinais externos desse novo status que passou a depender, por isso mesmo, essencialmente desse tipo de bens por se afirmar. As aparências passaram a constituir, de forma crescente, o fulcro das preocupações sociais em detrimento da procura de valores existenciais mais virados para o desenvolvimento pessoal e do espírito.

Circunstancia que foi deixando a tradicional e sã cortesia dos picoenses, progressivamente, confinada às pessoas de mais idade e sobretudo das freguesias. As poucas iniciativas comunitárias, quer de carácter cultural (teatros, filarmónicas, etc.) quer mesmo de carácter religioso (grupos paroquiais p.e.), decresceram de maneira extremamente preocupante dando lugar à cultura da pastilha elástica mastigada de boca aberta e ao autismo social.

Coisas, tão simples e elementares, como bom dia ou boa tarde tendem a desaparecer do nosso quotidiano, ironicamente, em pequenas comunidades como o Pico em que praticamente toda a gente se conhece, perdem-se os hábitos de convívio personalizado que há muito, infelizmente, se perderam nas grandes cidades. Situação que não reflecte evolução ou desenvolvimento mas simplesmente retrocesso.

Sem se questionar, bem antes pelo contrário, a importância do desenvolvimento e da correlativa melhoria das condições de vida das pessoas torna-se, contudo, imprescindível defender que esses avanços sejam acompanhados por um correspondente amadurecimento cívico e cultural. Combate que terá que ser, em primeiro plano, protagonizado pelas escolas que não se podem limitar a ser apenas sítios aonde se transmitem, melhor ou pior, os currículos escolares oficiais.

As escolas, para cumprirem integralmente o seu papel, terão pois que suprir os déficites educacionais e culturais dos alunos. Não basta ter apenas um nono ano ou um décimo primeiro nas escolas do Pico. É preciso que a este nível educativo corresponda um correlativo conjunto de regras cívicas e de cortesia, de nível cultural e, mesmo, de higiene pessoal.

Bem dizia o povo que o “hábito não faz o monge” mas talvez nunca tanto como hoje esse ditado singelo é ignorado. E misturam-se os conceitos de tal modo que qualquer macaco bem vestido passou a poder dispor de estatuto social enquanto que um ser humano mal vestido passou a poder ser tomado por macaco!

É bom que haja asseio pessoal e estética no vestir porque embora o hábito não faça o monge é sempre bom que o monge use o hábito.

Que viva o traje mas que não se esqueça o modo.


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terça-feira, novembro 15, 1994

OS CAPADORES DA ILHA (II)


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OS CAPADORES DA ILHA (II)
OU
A MÃE DE TODAS AS CAPADELAS


Infelizmente os últimos acontecimentos confirmaram os nossos piores temores e vêm, mais uma vez, dar o nome a esta crónica.

Como se já não nos bastasse todos os nossos déficites de desenvolvimento são, agora, as próprias bases, prévias e indispensáveis, para que ele, finalmente, arranque que nos são negadas. Como se fosse possível construir qualquer edifício, minimamente estável, sem fundações.

Mas o que mais magoa e desanima é a revogação, à última hora, de compromissos formal e publicamente assumidos. Ontem foi o bloco cirúrgico do Centro de Saúde de São Roque, hoje é o alargamento da pista do Pico. E se há estrutura cujo devido e adequado dimensionamento merece consenso dos picoenses - políticos da situação e oposição, deputados, autarcas, empresários e público geral – é exactamente o alargamento da pista.

E, contradição das contradições, é precisamente essa estrutura que é retirada do Plano de Orçamento para 1995 do Governo Regional dos Açores e, o mesmo é dizer, para muitos anos. Por que ninguém se iluda: se esse objectivo for, agora conseguido não vamos ter alargamento de pista por muitos anos. E porquê? Porque essa opção não é inocente muito menos de caracter económico e transitório e vejamos porquê.

Em primeiro lugar porque na elaboração de qualquer plano a primeira coisa a ter em linha de conta é o elenco das prioridades. E não há dúvida que no topo desse, está, para o Pico, o alargamento da pista. E isto mesmo tem sido por toda a gente e nomeadamente pelos autarcas que, de forma perfeitamente unânime, o têm afirmado repetidamente em público.

Em segundo lugar terá de ter em conta o montante dessas prioridades e o alargamento da pista – no montante da ordem dos 300 mil contos – é perfeitamente comportável mesmo para um orçamento restritivo. Sobretudo se tivermos em linha de conta que a Ilha do Faial – como menos população, um terlo do tamanho e com um conjunto de estruturas muito mais alargado e valioso – vai receber neste orçamento uma verba superior à do Pico que se aproxima do valor que seria necessário para alagar a nossa pista!!...

Em último lugar, tratando-se de um orçamento de uma região insular, terá de ter em conta uma filosofia que venha diminuir e esbater as assimetrias regionais. Preocupação que fundamente o próprio regime autonómicos. Para que nos serve uma autonomia que em vez de nos defender de um poder central discriminatório e preconceituoso venha, ela própria, criar e consolidar assimetrias?

O alargamento da pista do Pico é hoje a prioridade número um para o desenvolvimento desta ilha. Doa a que doer e cause os engulhos que causar.

O canal Pico-Faial, pese embora a sua grande importância, não pode nem deve substituir um aeroporto adequado como uma pista bem dimensionada. Disso dependerá a curto, médio e longo prazo do desenvolvimento da Ilha. Sobretudo se tivermos em atenção que se trata de um investimento extremamente modesto em virtude dos enormes benefícios que vai, indiscutivelmente trazer.

Embora não podendo comparar as duas situações não deixa de ser interessante reflectir sobre os investimentos faraónicos que a Ilha da Madeira tem vindo a fazer e vai continuar a fazer para ter um aeroporto adequado às suas necessidades. Porque os madeirenses já perceberam que, para eles, se trata de uma estrutura imprescindível para o seu desenvolvimento, mesmo que tenham de construir pilares para fazer uma pista sobre o mar! Verdade que é universal dado que nenhuma ilha poderá aspirar, hoje em dia, a um desenvolvimento sustentado e consequente sem um aeroporto satisfatório.

Enquanto para a Pista do Pico se reivindica somente uns reduzidos metros de asfaltagem mas que virão a fazer diferença.

É ridículo questionar em 1995 e em sede de orçamento regional essa necessidade vital da ilha. De modo que a explicação só pode ser encontrada nos capadores da ilha que andam por aí de lâmina em riste e não desistem. Não há outra lógica que possa explicar semelhante decisão.

Cabe a palavra, agora, aos políticos nomeadamente aos deputados e presidentes de câmara da Ilha do Pico. Só eles poderão fazer inflectir o sentido da decisão tomada o que não deixará, por isso mesmo, de ser um teste decisivo sobretudo para os actuais presidentes de câmara que têm procurado pautar a sua actuação por uma perspectiva de ilha, pondo de lado as capelinha, mas que agora enfrentam um desafio realmente sério até porque terão que, de algum modo, de pôr em causa o governo que apoiam.

Mas, desde já, uma coisa é certa: a decisão de excluir do plano de 95 o alargamento da pista do Pico é a mãe de todas as capadelas a que esta ilha tem estado sujeita.


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sexta-feira, outubro 14, 1994

OS CAPADORES DA ILHA


FACE OCULTA

«Os capadores da Ilha estão aí de faca afiada»
Manuel Serpa


OS CAPADORES DA ILHA



Muito desiludidos quase todos nós andamos com os políticos, quer da situação quer da oposição. Por isso é sempre bem-vinda uma pedrada no charco desta nossa política regional e ilhoa: apática, morna e viscosa.

E foi por isso mesmo que o deputado picaroto Manuel Serpa fez na sua última intervenção no período de antes da ordem do dia na Assembleia Legislativa Regional. Despindo as peias partidárias e eliminando as palavras poéticas delicodoces do discurso de agradar-ao-ouvido-mas-não-arranhar-ninguém leu em texto vigoroso e directo – de arrepiar.

Sem perder a elegância chamou os bois pelos seus nomes e pronunciou palavras viris como o basalto rude dos nossos mistérios e sólidas como natureza altaneira e exuberante.

Um discurso que todos os picoenses, aqui ou por esse mundo fora, deveriam ler e reter. Um discurso que se preocupou com causas profundas do nosso presente baço e com as razões da diáspora que nos continua a sangrar incessantemente.

Porque o que aí se diz tem muito a ver com a nossa ancestral castração colectiva e muito pouco habitual choradinho das reivindicações que passamos a vida a fazer com a mesma atitude do pobre, de prato de alumínio estendido à caridade pública, ou do deficiente, que exibe publicamente o seu aleijão, esperando almejada esmola.

E nada poderá, efectivamente, mudar enquanto os picoenses não perceberem que o que tem estado e está em marcha é um processo de castração, insidioso e constante. E não forem capazes de perder a mentalidade de parente pobre, venerador e obrigado.

O Pico é hoje uma ilha de grande valia no contexto dos Açores do mesmo modo que estes são uma grande valia no contexto europeu.

Porque o que nós temos para oferecer – tranquilidade, segurança, ruralidade autêntica, natureza quase intacta – são coisas que escasseiam por todo o lado num mundo que, inexoravelmente, caminha para a exaltação dos seus recursos naturais e o mesmo é dizer se afasta, irreversivelmente, do habitat natural para que estamos adaptados e que é condição imprescindível para o nosso equilíbrio físico e psíquico e, por isso, para nossa saúde e felicidade.

E se hoje temos apenas 15.000 habitantes – argumento tantas vezes utilizado para nos negarem o direito à saúde, à educação e à cultura para não falar do resto (aeroporto, protecção marítima, estradas, etc.) – isso deve-se não à falta de condições da Ilha para gerar riqueza e para cá manter os seus filhos mas aos déficites de desenvolvimento mantidos a partir de fora por estrangulamentos propositadamente mantidos.

Só assim se podem explicar as sucessivas omissões e desastradas decisões que têm abatido sobre a ilha. Como já noutra crónica se disse o Pico tem tudo e não tem nada! Tem três centros de saúde e um sistema de saúde que não funciona (que o diga que já precisou mesmo para o acontecimento mais normal da vida de uma pessoas que é o nascimento do filho), uma pista amputada numa zona em que o crescimento poderia ser quase indiscriminado, dois portos insuficientes com um terminal de passageiros vergonhoso, uma rede de estradas que desafia as do Koweit a seguir à guerra do Golfo, um cardeal camerlengo transformado em escola secundária!

Por muita que seja a incompetência não dá para acreditar que tudo seja apenas coincidência. Os capadores da ilha – de facto – existem, são muitos e andam de faca em riste. Não se trata de um delírio persecutório e barrista de velhos baleeiros em andropausa ou de funcionários públicos desocupados em tertúlias de fim de tarde enevoadas. O que se passa é o drama da ilha que foi decretada para se medida apertada ou da ilha que é medida pelo balaio em vez de rasoira, como também disse o deputado picaroto.

Mas quem são, afinal os capadores da ilha? São muitos, têm muitas caras e existem a todos os níveis: governo, partidos, associações de vária ordem, organismos oficiais, etc. todos se conhecem. E, atenção, há capadores da ilha em todos os partidos para que conste e não se tente desvalorizar esta magna questão com subterfúgios.

O Pico tem, pese tudo e todos, pernas para andar e isso assusta muito boa gente cuja sobrevivência passa pela manutenção do actual estado das coisa. Um Pico finalmente transformado m Ilha Maior que não seja apenas de poetas e cronistas faz medo a quem lhe chamou hipocritamente ilha do futuro.

E isso fez um amuleto para exorcizar qualquer veleidade de desenvolvimento da ilha do verdelho e dos baleeiros que, assim, continuaria para sempre uma coutada etnográfica.

Alguém afirmou que os próprios déficites de desenvolvimento podem constituir-se em grandes oportunidades de negócio. O Pico está nestas circunstâncias: tem grandes oportunidades, apenas é preciso que nós acreditemos em nós próprios e saibamos identificar e combater de forma viril, que não apenas nas palavras, quem nos persegue de faca afiada.

Mas que ninguém se iluda: “Os capadores da Ilha estão aí de faca afiada.”


P E D R O  D A M A S C E N O


sexta-feira, setembro 30, 1994

INATELGATE


FACE OCULTA


INATELGATE OU UMA BARRACADA À PORTUGUESA



Se não bastasse o martírio do nosso desenvolvimento, sempre condicionado pela nossa endémica mansidão e pelo medo que desperta noutras ilhas e nos seus grupos de pressão, foi o Pico agora brindado com um acontecimento que ultrapassa as raias da normalidade para se atirar para o mais puro surrealismo: o caso do Hotel do Inatel.

Depois de tudo feito, menos a obra, voltamos à estaca zero.

Após o esforço e o empenhamento da Câmara da Madalena que se abalançou a um investimento imobiliário significativo, do projecto ter sido executado, a obra abjudicada e lançada – com pompa e circunstância e com a presença do Ministro da República – a 1ª pedra foi, subitamente e de forma inesperada, tomada a decisão de já não fazer a obra!

Posto que os dados que fundamentaram a decisão de fazer a unidade no Pico não se alteraram nem constatar que o Inatel tenha ido à bancarrota, cai-se na maior perplexidade e numa situação que deve ser a única a nível do país: um investimento é anulado exactamente na grelha de partida e quando todas as despesas preliminares – e são muitas – já estão feitas!

Situação que à partida permite formular, essencialmente, dois cenários:

1º- Uma complexa e total incompetência e irresponsabilidade de quem liderou o processo até esta fase e que sendo este que tal modo errado e anti económico levou a que alguém mais avisado e sensato decidisse anular tudo o que estava feito e assumir vultuosas verbas já despendidas como prejuízo irrecuperável.

2º- Uma mudança de decisão que não deve ter a ver com alteração de qualquer das premissas existentes mas apenas com pressões políticas e/ou outras que foram exercidas no sentido de conduzir o investimento para outras paragens.

Em qualquer dos cenários ressalta, desde logo, a completa falta de respeito do Inatel para com o Ministro da República e outras entidades intervenientes nomeadamente a Câmara Municipal da Madalena que foram reduzidos à condição – e pede-se desculpa pela rudeza da expressão – de palhaços. O ministro da República porque veio com o seu peso institucional dar pompa e importância ao arranque do empreendimento, a autarquia locar porque se empenhou – totalmente desde a primeira hora – numa iniciativa que considerou importante (e que sem dúvida é) para o desenvolvimento do concelho da ilha, tendo mesmo investido uma avultada verba na compra dos terrenos.

Uma vez que o primeiro cenário é quase inverosímil ficamos, em termos práticos, a braços com o segundo. Porque embora o Inatel sofra dos vícios de coisa pública, não acreditamos em tanta incompetência.

Entretanto, e como normalmente acontece nestas coisas, surgiram os mais variados boatos que vão desde a intenção de fazer a construção do hotel na Ribeira Grande – São Miguel ou na Madeira as dificuldades financeiras do Inatel. Hipóteses que poderão ter algum fundo de verdade mas que não são fundamentais para o teor desta análise.

Porque o que, de facto, importa analisar é a gravidade da decisão que foi tomada e a forma como o volte face se deu e, sobretudo, a reacção que teve se ser adoptada. Ainda ecoam os últimos acordes da “guerra” do bloco operatório do Centro de Saúde de São Roque e já está o Pico a braços com nova machadada.

O que se está a passar com a construção do hotel do Inatel no Pico é – para chamar os bois pelo seu nome – inconcebível, inaceitável e maximamente ultrajante para com esta ilha e os seus habitantes, para com os seus representantes legitimamente eleitos e para o representante do Governo da República da Região.

É uma cabala ordinária e sórdida que só poderá ser levada ai fim num sítio aonde toda a dignidade tenha sido perdida e já não exista o sentido do dever e da honra.

As primeiras reacções dos responsáveis autárquicos de ilha e da oposição foi adequada e expectante mas é fundamental que os responsáveis políticos se apercebam que a guerra do Inatel terá que ser uma guerra total e sem tréguas. Uma guerra que ponha toda a gente que não é do Pico, incluindo o Governo Regional, a perceber que a única saída para a crise é o cumprimento integral do que estava planeado, acordado e decidido.

Porque qualquer fraqueza que os picoenses, nomeadamente os políticos, demostrarem neste caso será sempre extrapolada para o futuro, seja ele alargamento da pista, escola da Madalena ou protecção da orla marítima da Lajes.

O caso do bloco operatório de São Roque foi, provavelmente, apenas o ensaio geral em matéria de defesa dos interesses do Pico.

Porque todos os argumentos que, porventura (?), existam para não fazer a obra do Inatel deviam ter sido analisados a seu devido tempo, nunca agora. E toda a posição dos picoenses que não leve à reposição integral do que estava para se fazer será sempre uma derrota.

O Pico terá de demonstrar, uma vez mais, que deixou de ser cordato e apaziguador, mesmo quando o espezinham, e de demonstrar que também é filho de boa gente.

As presentes autarquias picoenses têm dado sinais que percebem que o seu grande desafio é o da unidade de ilha e que os objectivos do desenvolvimento e da sua própria sobrevivência política passa por unirem fileiras, mesmo contra o governo do seu partido. Porque há coisas que têm que estar acima das balizas partidárias.

Espera-se que, agora, estejam à altura de assumir – de forma completa – este novo desafio. Porque o problema do Inatel da Madalena não é um problema daquele concelho, é um problema do Pico já que tem a ver com o desenvolvimento global da ilha e também porque é, porventura, mais um teste e até mesmo uma rasteira para, novamente, tomar pulso aos picoenses. Se hoje dermos o dedo ou mesmo a mão, amanhã teremos que dar o resto. Foi isto que a nossa história nos tem ensinado.

Que o Inatel e quem mais esteja por trás desta história ridícula sinta que entraram num caminho sem retorno. Tudo deve ter o seu tempo e a sua oportunidade e ambas passaram há muito neste caso que nos entristece e revolta. Naturalmente qualquer entidade Pública ou Privada tem o direito de fazer os seus investimentos aonde lhe parecer mais adequado. Mas não podemos, em circunstância alguma, esquecer as regras básicas porque se deve reger uma sociedade democrática e de direito.

E tantas vezes a distância entre a liberdade e a burla é bem pequena!


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quinta-feira, setembro 15, 1994

UM CASO EXEMPLAR


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«O interesse pela doença e pela morte é sempre apenas uma outra expressão do interesse pela vida»
T. MANN

UM CASO EXEMPLAR


Ainda está quase quente o corpo do jovem Victor que perdeu a vida num Centro de Saúde do Pico, aonde durante mais de duas horas permaneceu numa maca esperando, debalde, por um helicóptero que nunca chegou e usufruindo, apenas, dos rudimentares cuidados que é possível ministrar naquela unidade de saúde (de resto como nas outras).

Durante mais de duas preciosas horas foram feitas várias diligências para efectuar a evacuação aérea mas que embateram em dificuldades de carácter burocrático e funcional. Durante mais de duas horas não foi possível criar as condições entendidas necessárias para que o helicóptero viesse. Quando finalmente essas condições foram criadas já era tarde.

Possivelmente ninguém poderá afirmar, de forma categórica, que a jovem vida teria sido poupada se tivesse ocorrido uma transferência expedita para um centro hospitalar com as necessárias condições para fazer face a uma emergência grave. Mas o contrário também é verdadeiro: ninguém poderá, de forma categórica, afirmar que o doente tivesse sido assistido com os necessários meios – e de forma urgente como o caso exigia – mesmo assim não teria sobrevivido.

Duas horas podem ser uma eternidade em termos de uma emergência médica. Mesmo dois minutos poderão ser a fronteira entre a vida e morte.

O sinistrado tinha sido uma situação muito grave, tão grave que lhe provocou a morte. Pergunta-se: como pode esse doente ter permanecido tanto tempo numa unidade de saúde que apenas dispõe de rudimentares meios de diagnóstico e tratamento, uma unidade sem capacidade técnica para fazer face a um traumatismo craniano grave ou uma hemorragia interna, situações extremamente comuns em acidentes de viação?

Não é do conhecimento público o resultado da autópsia (efectuada de forma e em condições deploráveis) nem se pretende discutir questões que são eminentemente técnicas. Pretende-se sim dissecar as fragilidades do sistema de saúde da ilha sobretudo quando confrontado com uma emergência grave.

O que é tanto mais actual quanto ainda recentemente várias forças políticas tiveram que bater o pé para que, afinal, se fizesse no Pico um, ainda que modesto, bloco cirúrgico. Como a querer dizer que não adianta ter um centro de saúde apenas de paredes novas. É essencial que se criem na ilha as condições mínimas para fazer face a situações que podem ocorrer a qualquer momento. E que, para além disso, se organize um sistema de evacuação com graus de prioridade bem definidos e que não dependa do parecer de quem deveria estar localizado e não aparece quando é preciso.

Mais do que os aparatosos exercícios de evacuação pra televisão filmar e político fazer discurso, interessa que exista um sistema de evacuação que realmente funcione e que não emperre porque falta um papel azul com pintinhas cor-de-rosa ou porque um doutor ou militar acordou com os pés de fora.

O Pico continua a viver o drama de não ter uma unidade de saúde dotada dos meios indispensáveis para fazer face a situações realmente graves e a não ter um serviço de urgência dotado dos meios técnicos e humanos indispensáveis. Continua apenas a ter três “capelinhas” que continuam a dispor somente de um médico de chamada (?) que, em regra, pouco ou nada pode fazer – mesmo quando chega a tempo – por falta de quase tudo. Esse mesmo Pico aonde já não é, sequer, possível ter um parto perfeitamente normal!

O dinheiro que hoje se gasta no Pico com a saúde – se fosse devidamente gasto – seria sem dúvida suficiente para se obterem graus de eficácia e rentabilidade extraordinariamente maiores. Como se percebe que uma ilha não possa ter uma unidade de saúde minimamente dimensionada e diferenciada mas que possa ter centros de saúde a abarrotar de pessoal, três gabinetes de radiologia, três laboratórios de análises, três parteiras que não fazem partos, etc., etc.,?!

Independentemente da causa de morte que constar na certidão de óbito do malogrado acidentado poucas dúvidas restarão a quem é sensato que não foi feito tudo o que deveria e poderia ter sido feito. E que isso ocorreu por culpa de um sistema que não está minimamente organizado para fazer face a situações de grande emergência. Não há, portanto, que procurar, agora bode expiatórios que serão possivelmente meros peões de brega para uma ocorrência que, infelizmente, já não tem remédio. Há sim que meditar no problema de fundo que é grave, muito grave e que toda a gente parece ignorar.

O Victor deixou-nos de uma forma súbita, trágica e inglória. Todos os que ficamos nesta ilha de exasperante mansidão somos potenciais victores.

Todos.


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terça-feira, agosto 30, 1994

UMA CUNHA PARA A COMISSÃO POLÍTICA


FACE OCULTA


UMA CUNHA PARA A COMISSÃO POLÍTICA DE ILHA DO PICO DO PSD


O recente sucesso da actuação política de ilha do Pico do PSD na questão do bloco operatório do futuro Centro de Saúde de S. Roque, em relação ao governo que apoia e à oposição, veio abrir novos horizontes para uma ilha a que tem faltado fôlego para reivindicar, de forma eficaz, o seu direito à qualidade de vida e ao desenvolvimento.

Pela primeira vez na história democrática da Ilha do Pico o PSD local foi capaz de, pública e frontalmente, criticar o «seu» governo e concertar algum tipo de actuação política com a oposição. E os resultados estão à vista: em vez de, uma vez mais, ser defraudado um compromisso assumido tudo acabou por voltar ao projecto inicial. E toda a gente lucrou com isso, incluindo o próprio PSD.

De modo que, porventura, estão criadas novas condições para que o Pico passe a defender os seus interesses de forma mais hábil e eficaz perdendo os tradicionais e reverenciais temores partidários.

Se faz sentido que os partidos procurarem manter uma imagem exterior de unidade e coerência não faz menos sentido que essa imagem não seja conseguida à custa de interesses legítimos dos seus eleitores. Só assim a democracia se poderá dignificar e os partidos recuperarem alguma da muita credibilidade que já perderam.

Resta agora saber se o que se passou foi apenas um acto isolado e fortuito ou se foi primeiro passo numa nova via.

Segundo o primeiro responsável pela estrutura máxima do partido de governo na Ilha do Pico tratou-se de um aviso à navegação com vista a outras situações que poderão vir a verificar-se!... E presume-se que está a falar do alargamento da pista, das estradas do Pico e de Escola da Madalena. Situações sobre as quais também se presume que tenha a legítima suspeita de que poderão vir a ser vítimas de iguais tentativas de poupanças orçamentais que o governo nos possa a vir a querer fazer à custa das ilhas de baixo.

E, se não se questiona a importância do bloco operatório de centro de saúde de S. Roque, há que lembrar, contudo, outras prioridades que estão, indiscutivelmente, num plano superior como é o caso da pista, pois do seu alargamento dependerá o futuro da ilha. Porque não há ilha que se possa desenvolver sem portas de entrada e saída adequadas. Razão pela qual a presente pista é o estrangulamento número um do Pico, em conjunção com as surrealistas ligações marítimas da Transmaçor e os preconceitos da SATA.

Ou seja: enquanto chegar ao e sair do Pico continua a ser o autêntico martírio que – tantas vezes – é, não há santo nem santa que nos valha. Para, ainda por cima, sermos despejados em estradas que estão em estado de conservação e traçado completamente escandaloso e incompatíveis com qualquer coluna civilizada por muito resistente que seja.

E não vale a pena argumentar que o alargamento da pista do Pico está contemplado no plano médio prazo. Porque isso não passa de uma declaração de intenções da mesma forma que o bloco cirúrgico estava previsto no projecto inicial e nas declarações dos responsáveis e, depois, foi sub-repticiamente retirado. E não fora ter-se detectado esse «truque», a tempo, e não teria sido simplesmente feita uma valência que o tempo se encarregará de demonstrar como é importante para a ilha.

Portanto um novo modelo de actuação política poderá estar lançado no Pico se houver essa vontade e algumas repreensões partidárias não vieram refrear, afinal, os nossos ânimos que pareceram ter surgido neste ano de ressurgimento autárquico do PSD no Pico. Mas, em qualquer caso, alguma coisa se terá passado ao nível de subserviência – atenta, veneradora e obrigada – que tem caracterizado, ao longo dos anos, as hostes picoenses daquele partido. o que quer que seja, esperemos que se mantenha.

E já agora uma cunha para a Comissão Política de Ilha do Pico do PSD: apliquem o que aprenderam nesses novos voos a todas as outras coisas que são supostas fazer ou que já deveriam ter sido feitas e que nunca se fizeram.


P E D R O  D A M A S C E N O


sexta-feira, julho 29, 1994

Ó SENHOR COMISSÁRIO DA PSD


FACE OCULTA


Ó SENHOR COMISSÁRIO DA PSD, QUEM NOS PODE VALER?


O trânsito caótico do Pico é uma questão que já se tornou motivo habitual de queixas e reparos por parte de todos os que preocupam com a segurança rodoviária por estes lados. São inúmeras as notas, comentários e crónicas que a esse respeito têm sido escritas nos mais variados jornais, incluindo este.

Mas, infelizmente, de pouco ou de nada têm servido essas múltiplas incursões ao muro das lamentações. Porque tudo tem vindo a piorar: o estado das estradas, a falta de sinalização, as infracções e a passividade das autoridades responsáveis.

Sendo cero que Portugal detém o recorde europeu de acidentes de viação e o condutor português o ceptro da má condução, seria interessante saber qual q posição, em termos relativos, do Pico. Mas será, certamente, cimeira. Apenas o baixo tráfego viário nos vale.

Os condutores, de forma geral, são tecnicamente pouco habilitados, desconhecedores do código de estrada e completamente alheados da realidade do trânsito. Comportam-se na estrada de forma totalmente autista como se mais ninguém exista, fazendo da manobra perigosa e do desrespeito pelas mais elementares regras de segurança o pão nosso de cada dia.
Param e estacionam em qualquer lado, invertem marcha em cima de curvas e lombas, galgam por norma os traços contínuos, ultrapassam em curvas, entram na faixa de rodagem de marcha atrás, conversam na estrada ocupando as faixas de rodagem na totalidade, excedem brutalmente os limites de velocidade, etc. Isto quantas vezes, ainda por cima, num mar de vacas que, calmamente, “pastam” no meio da estrada!

Os responsáveis por esta calamitosa situação são muitos – desde logo os condutores, depois os departamentos governamentais e autárquicos responsáveis pela conservação das estradas e pela sinalização – mas a fatia de leão cabe à PSP.

Não será exagero dizer que o trânsito no Pico está em perfeita auto-gestão: toda a gente faz mais ou menos o que lhe apetece, quando lhe apetece e aonde lhe apetece. Conduzir, hoje, no Pico é uma aventura de navegação à vista. Tudo pode acontecer: desde o carro estacionado fora de mão e em cima de uma curva, aos “parques de estacionamento privativos” de qualquer tasca ou café em ambas as faixas de rodagem, à total falta de utilização de sinais de piscas e às vacas no meio do caminho.

Não há regras. As que aprenderam para o exame de código ficaram “agarradas” ao papel do teste. Não há uma linguagem de trânsito inteligível. Stop não quer dizer parar e olhar, quer dizer andar sempre que para a frente é que é caminho!

Enquanto isso a PSP preocupa-se com os “magnos” problemas das placas de propriedade, com o balão fora das discotecas ou com a papelada. Não há PSP nas estradas do Pico a menos que seja transparente.

Não exactamente para punir ou para a caça à multa mas para ensinar, orientar, disciplinar e, se for o caso disso, também para punir.

A maioria dos condutores quando tira carta têm sobretudo noções teórica. Depois vai para a estrada e, se calhar, nos primeiros tempos ainda tem alguma preocupação em respeitar o Código de Estrada e ter os outros em atenção. Mas rapidamente se apercebe que o que aprendeu na escola não tem qualquer correspondência na prática e que não adianta andar a respeitar as regras que aprendeu porque ainda acaba por passar por parvo e andar constantemente exaltado. Assim, na maior parte dos casos, acaba por se adaptar à anarquia reinante e passa a fazer apenas pela sua vida como os outros fazem.

E tudo isso atingiu tais proporções que a maioria dos condutores picoenses já perdeu a noção de que é andar na estrada de acordo com uma linguagem que tem de ser igual para todos sob pena de ninguém se entender. Stop para mim tem de significar a mesma coisa que para todos os outros condutores que andam na estrada.

O trabalho a desenvolver pela força policial responsável pelo normal funcionamento do trânsito, sobretudo em lugares de trânsito tão deteriorado, tem de ser um trabalho de grande persistência e determinação no sentido de começar a criar nas pessoas um outro espírito quando se sentam por trás de um volante. Está provado que esta evolução não vai acontecer por geração espontânea. Só acontecerá como fruto da intervenção contínua dos agentes da autoridade que têm que vir em força pra a estrada, sem ter como preocupação principal a punição e a multa.

Multa que muitas vezes as pessoas não percebem porque são castigadas por coisas que, embora mal, sempre fizeram.

Que adianta uma súbita fúria de multas de estacionamento em sítios urbanos perfeitamente inofensivos, embora ilegais, quando as estradas estão cheias de estacionamentos extremamente perigosos e igualmente ilegais? Que adianta multar por falta de um papel ou de um requisito legal obscuro quando as estradas estão cheias de manobras perigosas de todo o tipo?

 No trânsito, como tudo na vida, é preciso saber discernir o essencial do supérfluo e é imprescindível assegurar o primeiro antes de se preocupar como segundo. No Pico já se morre a sério na estrada e cada vez se vai morrer mais se não forem tomadas medidas urgentes, sobretudo de carácter didáctico e disciplinador. Se os efectivos policiais que existem no Pico não são suficientes ou competentes que se procure uma saída adequada mas que tem que ser urgente. Cada vez mais a vida de muita gente vai depender disso.

Ó Senhor Comissário da PSP, quem nos pode valer?


P E D R O  D A M A S C E N O

PS – Se o Senhor Comissário não acredita em tudo isso venha passar uns dias incógnito nas estradas do Pico e vai ver!...