sexta-feira, janeiro 12, 2007

Despenalização do aborto - uma questão de direitos, liberdades e garantias

Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento legalmente autorizado?
Pergunta do referendo a
efectuar em 11.02.2007



Despenalização do aborto
Uma questão de direitos, liberdades e garantias


Todas as discussões de caracter moral, religioso ou filosófico sobre o tema do aborto e/ou quando começa a vida são legítimas e desejáveis. São questões que têm a ver com o foro íntimo de cada um e que se revestem da maior delicadeza.

Ninguém tem, por conseguinte, lições para dar a ninguém. Todos devem ser inteiramente livres para formar uma convição no âmbito das respectivas confissões religiosas e/ou opções morais.

O Estado Português é um estado de direito completamente independente de qualquer religião ou credo moral em que todos os cidadãos têm os mesmos direitos, independentemente da sua orientação religiosa.

Segundo a lei portuguesa um(a) cidadão/ã só adquire personalidade jurídica, ou seja, só é considerado/a pessoa, depois de nascer. Antes disso faz apenas parte integrante da mãe, seja na condição de embrião ou de feto.

Também segundo a lei portuguesa efectuar um aborto com o consentimento da mãe é púnivel com uma pena de prisão até 3 anos. A mulher que recorrer ao aborto incorre, também, numa pena de prisão até 3 anos.

Em Portugal são praticados por ano, pelo menos, 20.000 abortos ilegais. Uma grande parte enchendo os bolsos a gente sem princípios que se aproveita dessa ilegalidade e muitos outros praticados sem um mínimo de condições técnicas e sanitárias por falta de capacidade económica.

Quem tiver dinheiro pode ir fazer um aborto legal a Espanha ou fazer um clandestino numa das clínicas de luxo de Portugal que se dedicam a esse negócio. Quem recorre ao aborto sem condições são, geralmente, mulheres pobres, menores de idade, com menos acesso à informação e residentes em áreas rurais.


Os dados disponíveis demonstram que a penalização do aborto não tem sido uma forma eficaz de o combater mas antes tem mantido a porta aberta a situações de exclusão, morte e doença para quem não tem meios. E de especulação para quem não tem escrúpulos.

A pergunta que será feita aos portugueses, e que acima se transcreveu, não tem nada a ver com o estar de acordo ou não com o aborto mas tão sómente se pretende saber se as mulheres que o fizerem, de livre vontade, antes das 10 semanas devem ser punidas ou não.

Presumindo-se que uma mulher que faz, voluntáriamente, um aborto antes das 10 semanas sabe o que faz e não tem objecções morais insuperáveis a que isso seja feito. Sendo que jamais se poderá pôr a questão de alguém ser obrigada a fazer um aborto seja na condição de grávida ou de técnico/a de saúde.

Conjunto de factos e constatações que levam a que questão que vai ser posta aos portugueses se situe, essencialmente, no campo dos direitos, liberdades e garantias e seja, por isso, uma questão política e jurídica.

Ninguém vai decidir se o aborto é pecado ou quando começa a vida.

Irá apenas decidir-se se as mulheres que abortarem, voluntáriamente, antes das 10 semanas e os técnicos/as de saúde que fizerem o aborto deverão ou não ser puníveis perante a lei.

Cada um deverá decidir, como é próprio de um estado democrático, conforme a sua consciência e as suas convicções mas tendo plena noção do âmbito e consequências dessa decisão, numa atmosfera de tolerância e serenidade.

A paixão é inimiga da razão. Como qualquer fundamentalismo é inimigo da Verdade. E a Verdade é, sempre, um somatório complexo de muitas verdades.


P E D R O D A M A S C E N O

sexta-feira, janeiro 05, 2007

A execução de Saddam Hussein

Execução de Saddam Hussein é "um marco importante no rumo seguido pelo Iraque no seu caminho em direcção à democracia”
Geroge W. Bush


A execução de Saddam Hussein
Um erro clamoroso



Ninguém questiona a estirpe de facínora que era Saddam Hussein, caído em desgraça após invasão anglo-americana do Iraque. Ninguém informado desconhece os crimes que cometeu, nomeadamente, contra os curdos.

Ninguém desconhece o carácter totalmente ditatorial e criminoso do seu regime. Ele próprio não se cansou de passear a sua petulância, arrogância e falta de respeito pelos mais elementares direitos, liberdades e garantias.

Muito de nós, lembrados dos seus hediondos crimes, sentimos que uma execução nunca seria de mais para punir tal barbárie. Sentimentos compreensíveis mas, essencialmente, reactivos e emocionais.

Mas – e este mas é crucial – o regime de Saddam foi, supostamente, derrubado para possibilitar a instalação de uma democracia e de um estado de direito no Iraque. Tal como os conhecemos na Europa.

E, tirando a muito controversa situação dos USA, a pena de morte foi há muito afastada das democracias consolidadas e a sua abolição tornou-se mesmo um símbolo civilizacional ocidental e europeu.

Apenas alguém tão míope, medíocre e falto de sentido de estado e de história (e de convicções democráticas?) como George W. Bush poderia ter dito o que disse: que uma execução possa ser um marco no caminho em direcção à democracia de onde quer que seja!

E o julgamento de Saddam Hussein não correu nada bem, antes parecendo uma opereta de baixo nível que não convenceu ninguém, nem pela sua isenção nem pela sua qualidade técnica.

A decisão de lhe ter aplicado, portanto, a pena de morte era de todo previsível e não surpreendeu. Mas era exactamente aqui que o novo regime do Iraque deveria ter mostrado a diferença.

Ou Saddam Hussein tinha sido abatido num cenário de guerra e o seu cadáver mostrado ao mundo como aconteceu – num dejá vu – com Jonas Savimbi. Ou teria que ter sido julgado num cenário de independência judicial com monitorização internacional.

Uma condenação à morte e respectiva execução não veio trazer ao Iraque pos-Saddam nenhum valor civilizacional diferente nem mostrar a diferença entre o antes e o depois. Irá, sim, acicatar mais o ódio e os extremismos entre sunitas e xiitas.

E – o que ainda o que é pior – poderá ajudar a promover um eventual “mártir” sunita.

A verdadeira humilhação que poderia ser infligida a Saddam seria, precisamente, fazê-lo passar o resto dos seus dias atrás das grades de uma prisão de delito comum após ter sido julgado por todos os crimes que cometeu.

Ter executado Saddam Hussein foi um erro clamoroso e uma forma primária de punição.


P E D R O D A M A S C E N O