segunda-feira, fevereiro 27, 1995

SERÁ A VACA SAGRADA?


FACE OCULTA

SERÁ A VACA SAGRADA?


Temos sido, nos últimos tempos, bombardeados com notícias provenientes de Inglaterra e referentes à oposição que naquele país tem merecido, por parte de grupos ligados à protecção dos animais, o transporte de gado vivo.

Posteriormente fomos informados da existência de uma directiva comunitária que se destina a abolir aquele tipo de transporte no espaço europeu. Directiva que, de imediato, provocou reacções de grande preocupação por parte de sectores regionais ligados à lavoura, sabido o grande número de vacas que são enviadas, vivas, para o continente com destino ao abate.

Embora sejam perfeitamente questionáveis os exageros de grupos ecologistas, verdes e similares que defendendo causas, à partida justas, se embrenham em manifestações fundamentalistas e pouco realistas; nunca é demais realçar a importância do equilíbrio ecológico e o direito à existência e sobrevivência de mais ínfima partícula da natureza, viva ou não.

O homem, sem que ninguém o tivesse mandatado para isso, arrogou-se em senhor do universo decidindo quem morre ou quem vive ou então- tratando-se de matéria viva – o que desaparece ou permanece. Ignorando, na maior parte dos casos, que está a alterar o seu próprio habitat, o seu ecossistema, as suas próprias e imprescindíveis razões de vida. E é por essas e por outras que o Pico, e os Açores, ainda têm um valor inestimável. Ainda então, digamos assim, mais perto de Deus ou, se preferirem, da natureza intocada.

O homem é, indiscutivelmente, o maior depredador da terra. Não olha a nada nem a ninguém para atingir os seus fins que, tantas vezes, são bem mesquinhos e egoístas. Invariavelmente em nome de um progresso que, mais tarde ou mais cedo, se transforma num tiro pela culatra: por um lado obtém níveis de conforto (?) e bens materiais cada vez maiores mas por outro vai perdendo qualidade e vida ao transformar a selva das florestas tropicais em selvas de betão.

De modo que tem decidido, ao longo da história, que é o rei e senhor absoluto de tudo isso que nos rodeia. E que a sobrevivência de tudo o testo, incluindo os seus próprios semelhantes (veja-se o holocausto, o Ruanda, os conflitos da Rússia e da Bósnia), depende da sua soberana vontade.

Mas pergunta-se: porque razão tem a vida da mais humilde planta ou do mais pequeno animal menos importância que a vida humana? Apenas pelo facto de o homem ser mais forte?

Não vamos, naturalmente, cair noutro tipo de exageros apregoados um outro tipo de fundamentalismo. É lícito que o homem abata animais, utilize plantas e remova mas apena e enquanto isso for imprescindível à sua existência, à semelhança do que acontece com os restantes seres vivos. Só assim conseguiremos manter o equilíbrio da natureza que é imprescindível à nossa sobrevivência integral e não apenas à sobrevivência de uma civilização afogada em frustrações, crime e comprimidos. Porque os grandes com que a humanidade se debate têm tudo a ver com o desrespeito total que mantemos pelo equilíbrio deste depauperado planeta em que vivemos.

Mas perguntar-me-ão: afinal que é que isso tem a ver com o transporte das vacas açorianas para Lisboa? Tem tudo a ver. Porque as vacas são seres vivos, embora tendo quatro patas e não falando ou pensando (?), e fazem parte do nosso sistema. Não fomos nós que inventamos a vaca ao contrário do carro ou da bicicleta.

De modo que é lícito e compreensível que os agricultores criem as suas vacas porque são uma condição importante para a sua sobrevivência e que as exportem para Lisboa mas é igualmente lícito que as pessoas percebam que esse envio é feito em condições deploráveis para animais que são arrancados do seu habitat natural e enviados com destino a abate.

Por conseguinte, começar a criar condições para que o abate seja local e se faça com menor sofrimento para os animais é um imperativo de ma sociedade civilizada e cuja iniciativa deverá caber, em primeira mão, ao Governo que deve criar as condições para que isso seja possível. Tanto mais que, embora seja possível adiar por alguns anos (?) a aplicação da directiva à Região, a sua aplicação futura será, e bem, inevitável. É preciso não confundir os interesses legítimos dos lavradores com barbaridades desnecessárias.

A vaca não é sagrada mas é um animal que, como qualquer outro, deve ser respeitada, que mais não seja porque proporciona o pão para a boca de muita gente.



P E D R O  D A M A S C E N O


quarta-feira, fevereiro 22, 1995

O render da guarda

O render da guarda


O congresso nacional do PSD que agora terminou, encerrou, indiscutivel­mente, mais um ciclo da vida política portuguesa. Porque constituiu a resposta partidária ao fim do mito da maioria absoluta (que, agora, já ninguém no PSD reivindica com voz grossa) e gerou uma liderança extremamente fragilizada.

Vencedor claro apenas parece ter sido MotaArnaral que viu os ”seus”quarenta e tal por cento de votos adquirirem uma mais valia crucial para a lista vencedora. Valia imprescindível à vitória de Fernando Nogueira que fica, assim, com um pri­meiro vice presidente que lhe irá cobrar essa mais valia de imediato como ficou claro nas declarações que o presidente do governo regional produziu mesmo em cima do acontecimento.

Situação que, contudo, não produzi­rá efeitos se o PSD não ganhar as legis­lativas já que uma derrota dessas, a concretizar-se, não só porá esse partido fora da órbita do poder como porá fim à carreira política de Nogueira. A margem de votos foi de tal maneira escassa - sobretudo tendo em conta que os nogueiristas falavam em 60% dos votos e que a lista vencedora iniciou a corrida para o poder com o apoio generalizado do aparelho do partido - que ou o actual líder consolida o seu poder através de urna vitória nas legislativas ou fica sem condições objectivas para liderar o par­tido.

A chegada ao poder da nova equipa dirigente fez-se por um triz, foi uma vitória com sabor a derrota.

Para Fernando Nogueira as próxi­mas legislativas serão o tudo ou o nada. Ou consolida a sua liderança com uma vitória clara nas legislativas ou seus adversários internos - que são muitos e com muito peso -não lhe darão qualquer hipótese de sobrevivência pesem, embo­ra, todos os discursos de unidade que foram proferidos no encerramento do congresso. 0 ministro da defesa recebeu um verdadeiro presente envenenado: uma moratória que durará até às próximas eleições, uma verdadeira caminhada em cima de brasas quentes.

E vencer as próximas legislativas não vai ser tarefa nada fácil para o PSD do Nogueira.

Tem atrás de si um partido que ainda vive uma crise de orfandade que só po­derá ser, eventualmente, debelada se Cavaco Silva for candidato às presidenciais e este não irá certamente tomar uma posição sobre o assunto antes de saber como o eleitorado se vai comportar. Porque uma vitória legislativa dos social democratas poderá criar um élan de vitórias imbatível para Cavaco alcançar Belém mas uma derrota poderá consti­tuir um factor desmobilizador decisivo para um homem que não está habituado a perder. Se for, aliás, esse o seu desejo o que ninguém, verdadeiramente, sabe.

Portanto Nogueira poderá contar, fundamentalmente, consigo próprio e com os seus colaboradores mais chegados. Os outros não irão, obviamente, fazer activamente força contra mas irão adoptar uma posição passiva porque sabem que se o actual líder não passar este teste as suas hipóteses do ascender ao poder irão ficar extremamente reduzidas para os próximos anos e a política é, essencialmente, m jogo do poder cm regras muito fratricidas.

E como Mota Amaral está no mesmo barco poderá aplicar-se-lhe a mesma lógica: ou a equipa de que faz parte ganha as legislativas e, então sim, po­derá tirar os dividendos políticos do to­toloto em que se meteu ou, de outro modo ficará, também, em maus lençóis par­tidários.

E como se tudo isto não bastasse, os actuais lideres do partido do governo debatem-se com outro dilema ou defen­der eleições antecipadas e, desse modo, não terão tempo para tomar conta a sério do partido, para definir uma linha es­tratégica reflectida e para não decidirem em cima do joelho as listas de deputados o que, em virtude do equilíbrio de forças, não será tarefa fácil; ou então defendem as eleições na data normal e continuarão a sofrer o desgaste do um governo que já não passa senão de uma amálgama de pessoas com ideias diferentes, publicamente assumidas, capitaneados por um ex-líder que se desiludiu, pelo menos, do poder executivo.

Contudo se o PSD ganhar as próximas eleições e os votos dos Açores se demonstrarem, mais urna vez, imprescindíveis para a formação do uma maioria, ainda que relativa, Mota Amaral ficará imparável, quem sabem se para Belém?

PEDRO DAMASCENO