FACE
OCULTA
Numa sociedade livre o Estado não
administra os negócios do homem. Administra a justiça entre os homens que conduzem
os seus próprios negócios.
Walter Lippman
A OCASIÃO FAZ O
LADRÃO!
Nos últimos
tempos tem vindo a público, nomeadamente num conhecido semanário, um debate
sobre os vencimentos dos autarcas e as incompatibilidades para o exercício dos
seus cargos. Tendo como pano de fundo, em grande parte dos casos, disputas de
carácter partidário e pessoal, tal debate tem proporcionado alguma reflexão
sobre o tema. Debate que, aliás, já se estendeu à Região.
É de todos
conhecida a dificuldade cíclica que as várias forças partidárias experimentam
para encontrar candidatos credíveis para as autarquias, sobretudo em terras
pequenas. Para além dos problemas internos que normalmente estas escolhas
acarretam (potenciais candidatos que que se digladiam entre si) existe
invariavelmente uma acentuada penúria de alternativas. Normalmente os cidadãos
mais proeminentes não estão disponíveis por um conjunto variado de razões.
Desde logo
porque, frequentemente, se não querem espartilhar numa força partidária para
exercer os cargos que são de índole marcadamente executiva e personalizada. E
depois porque existem mil e uma leis, estatutos e regulamentos que condicionam
de forma drástica o exercício das funções autárquicas. Quase como se houvesse
uma intenção deliberada de esvaziar de conteúdo o poder locar e de
funcionalizar cargos que, por definição, deveriam ser exercidos de forma muito
flexível.
De tal modo que,
em termos práticos, apenas cidadãos empregados por conta de outrem e de horário
das nove às cinco podem exercer, tranquilamente, cargos autárquicos; com
vantagem clara para os funcionários públicos e afins. Fica assim, liminarmente,
de fora tudo o que seja empresário, profissão liberal, ou simplesmente cidadão
que não se limite ao «litrito» do emprego.
Se é certo que é
perfeitamente respeitável a opção do cidadão que se limita a um emprego das
nove às cinco, não se percebe porque será menos recomendável a opção do cidadão
com hábitos de trabalho mais substanciais. Mas, à face da lei, não é. É
condição imprescindível para o exercício de um cardo autárquico em regime de
permanência, no actual quadro jurídico, que o cidadão não exerça outra
actividade remunerada, seja de que tipo for ou mesmo fora das horas de
expediente normal!
Presumivelmente
o legislador tinha a intenção louvável de, assim, obstar à construção e à
utilização indevida do erário público. Só que ao fazê-lo esqueceu-se de alguns
aspectos muito importantes e, deste modo, abriu a porta a perversões
importantes. Teve, apena, em atenção a árvore mas esqueceu-se da floresta.
A limitação do
acesso ao poder local a cidadãos que, na generalidade, sejam cinzentos e de
fraca iniciativa não dá, de facto, nenhuma garantia de controle da corrupção e
muito menos de eficácia. O facto de um autarca exercer em exclusivo as suas
funções não é, por si só, garantia de serenidade ou competência. Poderá, quando
muito, significar maior disponibilidade.
Mas, em
contrapartida, o lote de cidadãos que a lei considera como potenciais autarcas
a tempo inteiro poderá se mais susceptíveis no plano económico e mesmo social.
Nada impede que um desses potenciais autarcas seja um homem de mão de
interesses ilegítimos, um testa de ferro.
Da mesma forma que nada impede que um homem de grandes interesses
pessoais exerça, de forma isenta e honesta, um cargo autárquico.
Portugal é um
país de muitas leis mas pouca justiça.
O que é
imprescindível é que a administração pública, local ou outras, seja competente
e transparente e que o cidadão comum tenha ao seu alcance maneiras rápidas e
eficazes de fazer valer os seus direitos e de denunciar abusos. Que a
administração da justiça seja rápida e diligente.
O
desenvolvimento equilibrado da região e do país passa por um poder local forte
e prestigiado.
Quando a
constituição portuguesa prescreve que todo o cidadão é inocente até a sua culpa
ter sido provada, não deixa de ser estranho que a tese maniqueísta e
popularucha de que a ocasião faz o ladrão é que venha a ter vencimento.
Uma clara
promoção da mediocridade e do cinzentismo com evidentes prejuízos para todos.
Depois de parlamentos dóceis e veneradores faltava-nos, agora, um poder local
de burocratas.
P
E D R O D A M A S C E N O
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