domingo, setembro 19, 2004

Quo Vadis Esquerda?

Apesar de sermos máquinas genéticas podemos virar-nos contra os nossos criadores
Richard Dawkins



Quo Vadis Esquerda?


A economia de mercado baseia-se na ideia de que os seres humanos só trabalham duro e mostram iniciativa quando disso possam tirar benefício económico, pessoal e directo. Uma premissa a que se pretende dar um caracter genético e imutável.

Premissa que, em conjunto com a lógica da sociedade de consumo, torna – no ver de muito boa gente – obsoletas as ideias de direita e esquerda. Daí que se apressem a proclamar o fim das ideologias. Que no fundo, mais coisa menos coisa, vai tudo dar ao mesmo.

E a esquerda, ainda com as orelhas a arder do descalabro da Rússia e países de leste, tem mostrado acentuadas dificuldades em assumir um papel pro-activo na definição daquilo que deve ser o seu caminho face ao falhanço do mundo comunista europeu. Porque no chinês outro galo canta...

Ou seja a esquerda permitiu que que se aceitasse de barato que quando se fala em benefício próprio se está falar de dinheiro. Quando, parece óbvio, que interesse ou benefício próprio tem um âmbito muito mais vasto do que o dinheiro.

Se é certo que a maior parte das pessoas querem ter vidas felizes, preenchidas e com significado e que tudo isso passa, em parte, pelo dinheiro não é menos verdade que este, por si só, fica longe de resover tudo. E que as pessoas sentem, também, necessidade de se sentirem necessárias, úteis e amadas.

E, de facto, o homem afluente da sociedade de consumo está cada vez mais stressado e incapaz de gozar os prazeres simples da vida sendo – crescentemente – escravo das gaiolas de oiro que vai construindo mas que lhe minam a saúde a alegria de viver.

Todos os estudos internacioanais têm demonstrado que não há uma correlação clara entre riqueza e felicidade. Demonstrando, pelo contrário, que as sociedades altamente competitivas não são aquelas em que a maior parte dos cidadãos se sentem felizes e/ou realizados. Como alguém disse: “ninguém pode viver uma vida privada feliz em estado de sítio, desconfiando de todos os estranhos e transformando a própria casa num campo armado”.

Sendo certo, por outro lado, que a maior parte das pessoas, independentemente do sistema económico e social em que vivem, respondem positivamente às oportunidades genuínas de participarem em formas de cooperação, mutuamente benéficas. Sendo essencial promover estruturas que promovam cooperação em vez de competição e tentem canalizar a competição para fins socialmente desejáveis.

Mantendo a esquerda os seus valores tradicionais de defesa dos fracos, pobres e oprimidos deveria ser, ela própria, a promotora de um modelo de sociedade que venha – realmente – defender aqueles. Substituindo muitas das suas utopias sociais por uma visão mais fria e realista que assegure essa defesa.

Aonde existir uma oportunidade de sobreviver sem trabalhar vai aparecer sempre alguém para a aproveitar. E, por isso, o desafio será desenhar um modelo social - cada vez mais rigoroso - que tenha em linha de conta, a dita “natureza humana” (sobre a qual saberemos sempre mais) mas que saiba potencializar, também, o lado altruísta e cooperativo que existe na maioria de todos nós e que é um dos ingredientes indiscutíveis da felicidade.

A economia de mercado e a sociedade de consumo não são, comprovadamente, a autoestrada da nossa felicidade. Atingido um patamar aceitável de progresso e bem estar é indispensável que nos voltemos para o culto da cooperação, da amizade e da solidariedade.

Quo Vadis Esquerda?


P E D R O D A M A S C E N O


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