sexta-feira, setembro 21, 2012

Fazer o favor de ser meu amigo


F A C E     O C U L T A




                                                                          Para A. que espero não faça o favor de ser meu amigo                                                              




Fazer o favor de ser meu amigo



            Esta de “fazer o favor de ser meu amigo” é uma das frases mais enigmáticas que transitaram do antigamente, carregada de rococós, e que condensa o deleite dos meandros da hipocrisia social.

         Como se ser amigo pudesse ser objecto de favor ou uma amizade de favor pudesse ter algum valor. Quando ser amigo só pode ser partilha e altruísmo ou, então, afecto e compaixão.

            Esta maneira, simultaneamente light e arcaica, de desvalorizar – fingindo valorizar – um sentimento tão denso e precioso só poderá encontrar explicação na desvalorização das palavras que, também, passaram de robustas a obesas.

Sendo de origem vetusta e salazarista “o fazer o favor de ser meu amigo” passou a fazer parte da gíria do fast-food cultural e do socialmente correcto. Não interessando se faz subir o colesterol ou a tensão arterial.

É mais uma maneira de não dizer nada, falando.

E não dizer nada falando é também um dos pilares da cultura que procura no verbo uma maneira de iludir a vida e açucarar a sensaboria em que se tornou grande parte das nossas existências.

Existências que procuram no efémero e na gratificação das papilas gustativas a ilusão vã de viver, não vivendo. Porque viver mesmo dói, machuca e desafia. Não cria barriga.

Mas vale a pena viver sem amigos que fazem o favor de ser nossos amigos. Para, alternativamente, viver com quem nos diz na cara o que é preciso ser dito e nos arranha a alma.

Amizade que é, possivelmente, mais importante que o amor. Sendo que este, talvez na maior parte das vezes, é da cinta para baixo ou da cabeça para cima. Poucas vezes no seu sítio certo.

Porventura o ingrediente certo será amar os amigos. Porque há quem ame o que não é amigo ou negue amizade a quem o ama. Voltas de sentimentos que de tanto mal serem usados se tornaram descartáveis.

Ou como diria Fernando Pessoa: Tenho amigos para saber quem eu sou, pois vendo-os loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a normalidade é uma ilusão imbecil e estéril.




P E D R O    D A M A S C E N O
           
           
           


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