FACE OCULTA
A crise financeira é política
Francisco Sarsfield
Cabral
O murro na mesa
Já são muitos os analistas que
reclamam, e bem, um murro na mesa da política nacional. Mas os dias passam, a
dívida cresce, o Tribunal Constitucional prolonga o tabu do OE 2013 e ninguém
aparece para o dar.
O país afunda-se numa deriva da
austeridade, pura e dura, enquanto os partidos da maioria assobiam para lado, a
oposição se divide entre o bota-abaixo inconsequente e o calculismo de chegar
ao poder.
Em Belém Cavaco Silva continua a
“pensar meticulosamente” no que o Presidente da República deve “minuciosamente”
fazer arranjando, assim, um alibi inatacável para nada decidir.
Na rua e aonde calha vai-se cantando
Grândola-Vila-Morena e vão se fazendo manifestações para exibir alguns
narcisismos sindicais e para mostrar que as empresas públicas continuam a dar
cartas nas revindicações de rua e que o PCP ainda existe.
Sócrates, para completar o ramalhete,
vem confirmar o qua já se sabia: ninguém tem culpa disto tudo para além da
crise internacional e dos “outros” que variam de partido para partido.
Lá para o norte, na Islândia, o PIB volta
a crescer mas ninguém se interessa muito com isso. São coisas que vêm da
geotermia e do frio: participação cívica, constituição, soberania nacional, responsabilidade política, fraudes
bancárias e outras excentricidades.
Com cerca de 320 mil habitantes o
Islândia é uma ilha isolada que durante muitos anos viveu acima das suas
possibilidades graças a malabarismos bancários e à especulação financeira.
Em 2007 a Islândia entrou na bancarrota por
causa do seu endividamento excessivo e pela falência do seu maior Banco que,
como todos os outros, se afogou num oceano de crédito mal parado.
Tudo muito
parecido com a Grécia, a Irlanda e Portugal. Só que a Islândia escolheu o seu
próprio caminho recusando que fossem, exclusivamente, os cidadãos a pagar os
custos das falências dos bancos e dos investimentos financeiros de risco.
Um caminho que passou por uma nova constituição e pelo
afastamento dos velhos políticos/partidos mas mantendo a via democrática e
dando início a um ambicioso plano de reformas com corte da má despesa e
protecção da boa (social).
Para tal foi crucial o aparecimento de movimentos
cívicos que serviram de âncora para as duras negociações com o FMI e que
garantiram que a população em geral fosse envolvida sendo, simultaneamente,
informada do destino final dos seus sacríficos no dia-a-dia. Fazendo crescer,
novamente, o PIB e controlando o desemprego e punindo quem tinha se de ser
punido.
Portugal precisa, também, de um verdadeiro murro na
mesa.
Ao contrário da Islândia, Portugal entrou numa espiral
recessiva resultante de uma austeridade bárbara feita nas costas das populações
que deixou incólume os grandes responsáveis agachando-se perante o poder
monetário internacional.
A despesa foi cortada a direito, boa e má, mas os interesses
corporativos e o despesismo inútil permanecem não se vislumbrando qualquer
plano de reformas de fundo, consistente e coerente. Os bolsos esvaziam-se, a
protecção do cidadão cai a pique, o desemprego sobe em flecha perante a
impunidade de quem beneficiou do regabofe especulativo.
A economia entrou em estertor e o pequeno empresário
afunda-se num regime fiscal pidesco e num mundo de burocracia. A tudo se
sobrepõe o “sacrossanto” dever de pagar uma dívida (especulativa?) que resultou
de um conjunto de causas e factores que nunca foram nem devidamente
investigados e, muito menos, explicados.
Portugal não precisa de uma quimioterapia que tudo
mata incluindo o próprio doente. Precisa
antes de tudo de um diagnóstico correcto que nunca foi feito e de um tratamento
que combata a doença e, simultaneamente, fortaleça as defesas da nação.
O país necessita, com muita urgência, de uma renovação
profunda de dirigentes, da alteração radical de procedimentos e da aquisição de
movimentos cívicos de cidadãos verdadeiramente empenhados na sua defesa e
equidistantes dos velhos políticos/políticas. Precisa de política no sentido mais nobre.
Não há salvadores providenciais e muito menos receitas
milagrosas.
PEDRO DAMASCENO
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