FACE OCULTA
Não há vento favorável para um marinheiro sem rumo
Séneca (filósofo)
Beppe Grillo
Um exemplo paradigmático
O extraordinário resultado
eleitoral obtido por Beppe Grillo e o seu partido Movimento Cinco Estrelas
(25,55%) representa um facto político da maior relevância para a Itália e, não
menos, para a Europa.
Um candidato anti-sistema cujo
currículo tem como factos mais relevantes a sua notoriedade mediática como
comediante e o seu discurso antipolítico feroz. Juntando a isso posições anti
austeridade e anti euro.
Quase no outro extremo
ficou Monti, conceituado economista, que conduziu os destinos do país e que
representava a Europa tecnocrática, apoiante do euro e das políticas de austeridade,
mas que não lhe concedeu os meios indispensáveis à afirmação política.
Algures no meio quedou-se o
outro comediante (este não profissional) Sílvio Berlusconi que apostou, como
habitualmente, no discurso demagógico e populista com o apoio da sua formidável
máquina televisiva fazendo uma eloquente prova de vida.
A coligação de centro esquerda
teve uma vitória de Pirro, ao ter mais votos mas a não conseguir a maioria no
Senado. A lembrar Al Gore que teve mais votos expressos mas que perdeu as eleições
ou que os fins não justificam todos os meios.
Enfim, o quase-epílogo do
sistema partidário como o conhecemos.
Obviamente os italianos
estão fartos da austeridade e de velhos políticos/velha política. Só assim
fazendo sentido um resultado tão expressivo de alguém sem experiencia política
e/ou aparelho partidário.
A vitória de Beppe Grillo é, antes de tudo, a
derrota de um sistema partidário anquilosado e de interesses aparelhísticos/pessoais
instalados. Os eleitores estão, pelos vistos, cansados de mais do mesmo. Pouco
lhes importando se o sistema fica bloqueado ou não.
O cartão vermelho não poderia ter sido mais rubro.
O que coloca muito alto a fasquia da mudança,
indispensável e urgente, do sistema partidário italiano e, o mesmo será dizer, da
grande maioria das democracias europeias. As receitas habituais, incluindo
coligações contra-natura, têm os dias contados.
Os eleitores disseram que estão fartos (o crédito
dos políticos bateu no fundo) e que o voto de protesto é uma arma que estão dispostos
a usar. Ponto. Fica agora o desafio de sair de um impasse que veio para ficar e
poderá estender-se a outros países. Desafio que terá de envolver todos os
actores.
Quanto a Portugal?
Do lado dos partidos
reformas profundas que tragam caras novas com o abandono simultâneo do
carreirismo e do aparelhismo e propostas políticas frescas que ponham as
pessoas no centro do palco e visem promover e apoiar os investimentos
produtivos. Abrindo, também, o parlamento às candidaturas independentes.
Do lado dos cidadãos o
desencadear de movimentos orgânicos de cidadania que escrutinem e fiscalizem a
actividade política e económica/financeira e que imponham regras de conduta
transparentes aos políticos, ao estado e às instituições financeiras.
Estabelecendo plataformas sectoriais e dinamizando o diálogo entre governados e
governantes.
Do lado dos média posições
equidistantes e uma informação com base em investigação e estudo e não apenas
no lançamento avulso de parangonas sensacionalistas. Em países com elevada
iliteracia a qualidade da imprensa/televisão tem um papel crucial na formação
da opinião pública.
Do edifício judiciário – teoricamente
independente do estado – uma justiça adequada mas, sobretudo, célere que venha
desencorajar a prática impune de ilícitos cuja culpa continua a morrer solteira
e que lança um profundo descrédito sobre o estado de direito como pilar
fundamental e garante da democracia.
Utopia? Talvez, mas uma
coisa é certa: a alternativa não é um qualquer comediante ou a varanda cibernauta
do Facebook que não sendo boa nem má permite disseminar a informação a uma
escala e a uma velocidade estonteantes abrindo a porta a todo tipo de excessos.
E muito menos será um outro qualquer iluminado da província – austero,
autoritário e inculto.
Doutro modo não faltará
muito tempo para termos, também, o nosso comediante de serviço (ou já
teremos?!). Na civilização do
espectáculo, o cómico é rei. E a
democracia como caricatura é a antecâmara da ingovernabilidade.
PEDRO DAMASCENO
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