sexta-feira, março 08, 2013

Beppe Grillo


FACE OCULTA



Não há vento favorável para um marinheiro sem rumo
Séneca (filósofo)



Beppe Grillo
Um exemplo paradigmático




            O extraordinário resultado eleitoral obtido por Beppe Grillo e o seu partido Movimento Cinco Estrelas (25,55%) representa um facto político da maior relevância para a Itália e, não menos, para a Europa.

            Um candidato anti-sistema cujo currículo tem como factos mais relevantes a sua notoriedade mediática como comediante e o seu discurso antipolítico feroz. Juntando a isso posições anti austeridade e anti euro.

            Quase no outro extremo ficou Monti, conceituado economista, que conduziu os destinos do país e que representava a Europa tecnocrática, apoiante do euro e das políticas de austeridade, mas que não lhe concedeu os meios indispensáveis à afirmação política.

            Algures no meio quedou-se o outro comediante (este não profissional) Sílvio Berlusconi que apostou, como habitualmente, no discurso demagógico e populista com o apoio da sua formidável máquina televisiva fazendo uma eloquente prova de vida.

            A coligação de centro esquerda teve uma vitória de Pirro, ao ter mais votos mas a não conseguir a maioria no Senado. A lembrar Al Gore que teve mais votos expressos mas que perdeu as eleições ou que os fins não justificam todos os meios.

            Enfim, o quase-epílogo do sistema partidário como o conhecemos.

            Obviamente os italianos estão fartos da austeridade e de velhos políticos/velha política. Só assim fazendo sentido um resultado tão expressivo de alguém sem experiencia política e/ou aparelho partidário.

A vitória de Beppe Grillo é, antes de tudo, a derrota de um sistema partidário anquilosado e de interesses aparelhísticos/pessoais instalados. Os eleitores estão, pelos vistos, cansados de mais do mesmo. Pouco lhes importando se o sistema fica bloqueado ou não.

O cartão vermelho não poderia ter sido mais rubro.

O que coloca muito alto a fasquia da mudança, indispensável e urgente, do sistema partidário italiano e, o mesmo será dizer, da grande maioria das democracias europeias. As receitas habituais, incluindo coligações contra-natura, têm os dias contados.

Os eleitores disseram que estão fartos (o crédito dos políticos bateu no fundo) e que o voto de protesto é uma arma que estão dispostos a usar. Ponto. Fica agora o desafio de sair de um impasse que veio para ficar e poderá estender-se a outros países. Desafio que terá de envolver todos os actores.

Quanto a Portugal?

            Do lado dos partidos reformas profundas que tragam caras novas com o abandono simultâneo do carreirismo e do aparelhismo e propostas políticas frescas que ponham as pessoas no centro do palco e visem promover e apoiar os investimentos produtivos. Abrindo, também, o parlamento às candidaturas independentes.

            Do lado dos cidadãos o desencadear de movimentos orgânicos de cidadania que escrutinem e fiscalizem a actividade política e económica/financeira e que imponham regras de conduta transparentes aos políticos, ao estado e às instituições financeiras. Estabelecendo plataformas sectoriais e dinamizando o diálogo entre governados e governantes.

            Do lado dos média posições equidistantes e uma informação com base em investigação e estudo e não apenas no lançamento avulso de parangonas sensacionalistas. Em países com elevada iliteracia a qualidade da imprensa/televisão tem um papel crucial na formação da opinião pública.

            Do edifício judiciário – teoricamente independente do estado – uma justiça adequada mas, sobretudo, célere que venha desencorajar a prática impune de ilícitos cuja culpa continua a morrer solteira e que lança um profundo descrédito sobre o estado de direito como pilar fundamental e garante da democracia.

            Utopia? Talvez, mas uma coisa é certa: a alternativa não é um qualquer comediante ou a varanda cibernauta do Facebook que não sendo boa nem má permite disseminar a informação a uma escala e a uma velocidade estonteantes abrindo a porta a todo tipo de excessos. E muito menos será um outro qualquer iluminado da província – austero, autoritário e inculto.

            Doutro modo não faltará muito tempo para termos, também, o nosso comediante de serviço (ou já teremos?!). Na civilização do espectáculo, o cómico é rei. E a democracia como caricatura é a antecâmara da ingovernabilidade.

           
PEDRO  DAMASCENO

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