FACE OCULTA
A pantomina das facturas
(quando o fraco se faz de forte)
A polémica instalada em
Portugal sobre a obrigatoriedade do consumidor pedir facturas reflecte,
exemplarmente, o estado de esquizofrenia legislativa e regulamentar em que se caiu.
O estado vendo-se incapaz,
através do seu braço armado - o fisco -, de fiscalizar a actividade económica
descobre o ovo de colombo: transformar, compulsivamente, o cidadão comum em
bufo/fiscal.
Numa lógica do tipo não-mate-o-próximo-que-é-crime
ou não-assalte-essa-casa-que-é-proibido. Transformando o cidadão num misto de
polícia, fiscal e juiz. Transferindo, também, para ele o ónus da
repressão/fiscalização e deixando para quem de direito apenas a tarefa de
incomodar os já sobretaxados cidadãos (velhinhas e deficientes incluídos).
Não se questionando o princípio
da fiscalização económica - legal e, já agora, ilegal - é absurdo (e possivelmente
inconstitucional) tentar transferir para o cidadão tarefas tipicamente do
estado e, ainda-por-cima, com a ameaça de multas - mais impostos travestidos?
Sobretudo quando as
empresas, legais e sérias, se vêm confrontadas com um verdadeiro colete-de-forças
informático e de cruzamento de dados que lhes acarretam custos suplementares
para o exercício da sua actividade. Vendo, à sua volta, a proliferação de uma
concorrência ilegal que se move relativamente à vontade.
A sobrecarga de impostos e
a complexidade contabilística a que se chegou neste país torna rentável e
apetecível a fuga ao fisco e o recurso à economia paralela. A ocasião faz o
ladrão e este sabe bem que a nossa teia burocrática e judicial joga totalmente
a seu favor. Os exemplos abundam e nem é preciso falar no inenarrável caso BPN
nem nas corrupções ao mais alto nível.
Quanto mais leis mais
ladrões.
Este é, seguramente, um
caso em que o cidadão deverá tomar posição e manifestar - de forma bem enfática
- o seu desacordo. Numa prática de cidadania que demonstre que a democracia não
começa nem acaba em eleições/parlamento/governo. A democracia constrói-se no
dia-a-dia e o cidadão deverá ser o actor principal.
Sem pretender diminuir a
política e a legitimidade do voto mas chamando a atenção para que a democracia
não é um mero exercício de opinião a fazer de quatro em quatro anos. Não
podendo governo/maioria fazer simplesmente o que quer e lhe apetece nem o
cidadão ultrapassar os limites da correcção/respeito.
O populismo e demagogia
germinam bem em casas em que não há pão mas é difícil não perder a compostura
perante a arrogância de quem devia dar o exemplo mas, antes, utiliza o poder
político discricionariamente e sem a mínima preocupação de diálogo.
Portugal vive dias muito
difíceis com um exército crescente de desempregados (uma negação do direito à
vida, como diria Ortega y Gasset) e preocupantes níveis de pobreza. Portugal
resmunga e protesta mas ainda sofre muito em silêncio.
Não é tempo para
brincarmos aos polícias e ladrões.
P E D R O D A M A S C E N O
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