sexta-feira, outubro 29, 1993

ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS


FACE OCULTA

ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS



Entregues as listas de candidatos, todos se aprontam para o arranque da batalha eleitoral das eleições autárquicas.

Infelizmente tudo parece indicar que, mais uma vez, vai ser uma corrida de pé-coxinho. Fundamentalmente porque os estados-maiores dos partidos, os todo-poderosos da política em Portugal, se preparam para pôr a fasquia destas eleições em alturas que têm pouco a ver com o poder local.

Todos se preparam para tirar dos resultados, quaisquer que sejam, ilações e extrapolações para a «alta» política, quer regional quer nacional. Se o poder local eleito for favorável à oposição esta vai afirmar que as eleições legislativas já não são válidas. Se a fortuna calhar à situação esta vai tentar demonstrar que o seu poder legislativo foi, mais uma vez, legitimado.

Conclusões, à partida, perfeitamente ilegítimas.

O poder local, cerne do dia-a-dia da comunidade, não pode estar prisioneiro dos jogos partidários e das respectivas ânsias de poder. Por definição ele é um poder virado para a execução e, por consequência, dotado de baixo teor partidário.

A votação nas autárquicas e, por natureza, altamente personalizada. Os eleitores são chamados a escolher as pessoas que vão, a nível local, gerir as suas necessidades e anseios. De tal modo que se generalizam, por esse país fora, as transferências de partido e a caça aos independentes.

Por tudo isso o xadrez do poder local não coincide, frequentemente, com o xadrez do poder legislativo. E ainda bem, porque assim se evitam monopolismos que apena julgam o desenvolvimento do progresso.

É perfeitamente saudável que as maiorias autárquicas não tenham nada a ver com aas maiorias legislativas e vice-versa.

Um poder local forte e dotado de autonomia é, sem dúvidas, uma condição indispensável para o desenvolvimento das comunidades, nomeadamente das mais interiores e/ou periféricas. Só espíritos obtusos e autocráticos podem ver trevas nessa autonomia. Porque um poder locar válido e forte é um suporte precioso para a governação sensível aos problemas locais.

Não se pode ver a floresta apenas pela árvore mas o contrário também é verdadeiro.

Já sendo tarde para que as eleições autárquicas em Portugal possam ser disputadas, a todos os níveis, por independentes. Gente que se pretenda empenhar na defesa dos interesses locais e do progresso comunitário, sem assumir compromissos ou dependências partidárias. Propósito perfeitamente legítimo que só poderá manter medo a quem do poder tiver uma versão autárquica e carreirista.

Nenhum democrata contesta a importância dos partidos. Importa, apena, realçar que a vida política de um país não se pode resumir aos desígnios de dois ou três partidos. Tem que ter um carácter muito mais lato com a participação activa da sociedade civil.

Apenas assim se impedirá a total partidarização da vida política do país e, o mesmo é dizer, a total dependência das direcções partidárias que, em muitos casos, dependem quase exclusivamente de um homem.

Pelo que é fundamental que se altere a lei eleitoral das autarquias locais e que as respectivas eleições sirvam para legitimar os autarcas mais capazes e empenhados e não apenas para, como frequentemente acontece, justificar jogos de poder dos partidos e respectivas direcções.

A Região Autónoma dos Açores tem um parlamento e um governo perfeitamente legítimo com duração prevista na lei. Factos que não têm nada a ver com o poder local que também tem a sua legitimidade inquestionável. São níveis de poder diferentes, com competências diversas.

Tentar metê-los no mesmo saco é um profundo erro que só instala e beneficia a confusão no espírito das pessoas e as leva a acreditarem, cada vez menos, na política e nos políticos. Que eleições legislativas sejam legislativas e que autárquicas sejam autárquicas.

Oxalá que estas eleições, que agora se avizinham, sejam uma manifestação de maturidade cívica e política, quer por parte dos eleitores quer por parte dos partidos e respectivos estados-maiores.


P E D R O  D A M A S C E N O