terça-feira, março 30, 1993

CRESCIMENTO ECONÓMICO E QUALIDADE DE VIDA


FACE OCULTA

                     Quando uma velha cultura agoniza, a nova cultura é criada por gente que não tem medo da insegurança
Rudolf Bahro


CRESCIMENTO ECONÓMICO E QUALIDADE DE VIDA


O colapso do consumismo à escala mundial, veio deixar o capitalismo sozinho. Sem o contraponto do velho arqui-inimigo, o capitalismo tem, agora, que se voltar para si mesmo e reflectir.

Terá que optar entre um capitalismo essencialmente individualista e de curto prazo e um capitalismo de sucesso colectivo e consenso e de longo prazo. De um lado os moneteiristas de Reagon/Tachter e do outro o norte e centro da Europa.

Reflexão que terá muitas implicações na administração Clinton que terá de encontrar o seu próprio caminho, numa América dividida entre uma reduzida classe muito possidente e uma larga maioria de trabalhadores muito proletarizados. Mais do que grande pátria das oportunidades, a América tornou-se no país do totobola – para chegar ao topo só acertando nos treze.

A lei do mais e mais, está cada vez mais condenada. Apesar do grande número de pessoas e, sobretudo, de políticos que acreditam no crescimento económico como um fim em si.

O crescimento económico sistemático e sustentado implica, necessariamente, um aumento da produção e do consumo. Quando mais coisas forem produzidas mais coisas terão de ser consumidas. Quanto mais pessoas consumirem, quanto melhor; da mesma forma que quanto menos tempo um bem de consumo durar, tanto melhor.

Para se atingirem esses objectivos, os consumidores terão que ser manipulados para um ciclo de consumo e oferta, simpático ou mesmo atraente. As pessoas deverão ser induzidas a uma compreensão, uniforme e superficial, das suas necessidades pessoais e sociais. É fundamental um mercado dócil e pouco exigente. Ao que poderá ajudar, de forma significativa, uns pós de perlimpimpim, que estimulem a competição social e a procura se status, através do consumo.

Numa sociedade massificada, de traça essencialmente competitiva e consumista, pouco interessam os valores do espírito ou da cultura. O cidadão é julgado pelo que possui e não pelo que é. O espírito e a cultura só servem para preencher metros lineares de prateleiras ou paredes vazias.

O consumo torna-se um fim, em si próprio. Mesmo quando o mercado atinge a saturação o processo não pára. O consumidor reina, mas urge perguntar quem manda nele quando a teia dourada do capitalismo se aperta. O capitalismo depende da estimulação da procura para prosperar e tem que criar novas necessidades para as poder satisfazer e, deste modo, escorraçar o espectro do desemprego.

Contudo o crescimento não pode progredir indefinidamente num planeta finito. Ou o crescimento abranda substancialmente ou rebentamos com um planeta que tem recursos limitados, ainda que grandes. As alternativas são, apenas, estas.

Os níveis de conforto ou mesmo luxo (e o mesmo é dizer consumo) não podem ser indefinidamente elevados. De contrário o nosso habitat estará irremediavelmente comprometido e com ele a nossa qualidade de vida. A ligação do homem à natureza é um facto intrínseco à própria condição humana e à paz não adianta iludi-lo. Aí estão as guerras, a criminalidade e a miséria a atestá-lo.

O capitalismo terá que saber optar por um equilíbrio entre a tecnologia e o crescimento económico e a qualidade de vida.

Se assim não for avançaremos iniludivelmente para a macro-economia da corrupção. «Quanto mais for fácil a alguns fazer fortuna sem trabalhar, mais os seus êxitos serão apresentados como altos feito e mais numerosos serão os candidatos à corrupção».

Crescimento económico e qualidade de vida apenas são compatíveis até um determinado patamar. A partir daí apenas divergem e cada vez maior será o fosso entre eles. A lógica do crescimento contínuo terá que ceder lugar à lógica do bem estar comum. Os recursos do planeta não se compadecem com a grande irresponsabilidade que ainda se vive na maior parte das nações.

Os verdes e os ecologistas tiveram a grande virtude de chamar a atenção, pela primeira vez, para estes problemas. Contudo o problema é agora, de todos nós e nomeadamente das nações mais industrializadas.

Crescer sim, mas preservar a qualidade de vida e o mesmo é dizer preservar a nossa grande casa colectiva – a natureza.



P E D R O  D A M A S C E N O

segunda-feira, março 15, 1993

A OCASIÃO FAZ O LADRÃO!


FACE OCULTA


Numa sociedade livre o Estado não administra os negócios do homem. Administra a justiça entre os homens que conduzem os seus próprios negócios.
                              Walter Lippman


A OCASIÃO FAZ O LADRÃO!


Nos últimos tempos tem vindo a público, nomeadamente num conhecido semanário, um debate sobre os vencimentos dos autarcas e as incompatibilidades para o exercício dos seus cargos. Tendo como pano de fundo, em grande parte dos casos, disputas de carácter partidário e pessoal, tal debate tem proporcionado alguma reflexão sobre o tema. Debate que, aliás, já se estendeu à Região.

É de todos conhecida a dificuldade cíclica que as várias forças partidárias experimentam para encontrar candidatos credíveis para as autarquias, sobretudo em terras pequenas. Para além dos problemas internos que normalmente estas escolhas acarretam (potenciais candidatos que que se digladiam entre si) existe invariavelmente uma acentuada penúria de alternativas. Normalmente os cidadãos mais proeminentes não estão disponíveis por um conjunto variado de razões.

Desde logo porque, frequentemente, se não querem espartilhar numa força partidária para exercer os cargos que são de índole marcadamente executiva e personalizada. E depois porque existem mil e uma leis, estatutos e regulamentos que condicionam de forma drástica o exercício das funções autárquicas. Quase como se houvesse uma intenção deliberada de esvaziar de conteúdo o poder locar e de funcionalizar cargos que, por definição, deveriam ser exercidos de forma muito flexível.

De tal modo que, em termos práticos, apenas cidadãos empregados por conta de outrem e de horário das nove às cinco podem exercer, tranquilamente, cargos autárquicos; com vantagem clara para os funcionários públicos e afins. Fica assim, liminarmente, de fora tudo o que seja empresário, profissão liberal, ou simplesmente cidadão que não se limite ao «litrito» do emprego.

Se é certo que é perfeitamente respeitável a opção do cidadão que se limita a um emprego das nove às cinco, não se percebe porque será menos recomendável a opção do cidadão com hábitos de trabalho mais substanciais. Mas, à face da lei, não é. É condição imprescindível para o exercício de um cardo autárquico em regime de permanência, no actual quadro jurídico, que o cidadão não exerça outra actividade remunerada, seja de que tipo for ou mesmo fora das horas de expediente normal!

Presumivelmente o legislador tinha a intenção louvável de, assim, obstar à construção e à utilização indevida do erário público. Só que ao fazê-lo esqueceu-se de alguns aspectos muito importantes e, deste modo, abriu a porta a perversões importantes. Teve, apena, em atenção a árvore mas esqueceu-se da floresta.

A limitação do acesso ao poder local a cidadãos que, na generalidade, sejam cinzentos e de fraca iniciativa não dá, de facto, nenhuma garantia de controle da corrupção e muito menos de eficácia. O facto de um autarca exercer em exclusivo as suas funções não é, por si só, garantia de serenidade ou competência. Poderá, quando muito, significar maior disponibilidade.

Mas, em contrapartida, o lote de cidadãos que a lei considera como potenciais autarcas a tempo inteiro poderá se mais susceptíveis no plano económico e mesmo social. Nada impede que um desses potenciais autarcas seja um homem de mão de interesses ilegítimos, um testa de ferro.  Da mesma forma que nada impede que um homem de grandes interesses pessoais exerça, de forma isenta e honesta, um cargo autárquico.

Portugal é um país de muitas leis mas pouca justiça.

O que é imprescindível é que a administração pública, local ou outras, seja competente e transparente e que o cidadão comum tenha ao seu alcance maneiras rápidas e eficazes de fazer valer os seus direitos e de denunciar abusos. Que a administração da justiça seja rápida e diligente.

O desenvolvimento equilibrado da região e do país passa por um poder local forte e prestigiado.

Quando a constituição portuguesa prescreve que todo o cidadão é inocente até a sua culpa ter sido provada, não deixa de ser estranho que a tese maniqueísta e popularucha de que a ocasião faz o ladrão é que venha a ter vencimento.

Uma clara promoção da mediocridade e do cinzentismo com evidentes prejuízos para todos. Depois de parlamentos dóceis e veneradores faltava-nos, agora, um poder local de burocratas.



P E D R O  D A M A S C E N O