quarta-feira, novembro 30, 1994

O TRAJE E O MODO


FACE OCULTA


«Um macaco, por muito bem vestido que esteja, não passa de um macaco bem vestido»
John Smith


O TRAJE E O MODO


O 25 de Abril trouxe para o Pico, como para o resto do país, uma indiscutível arrancada para a modernidade e para o desenvolvimento.

Acordando de uma modorra centenária, a ilha começou a conhecer outros horizontes, evoluindo de uma situação em que quase todos não tinham nada para se tornar numa comunidade que já experimenta apreciáveis níveis de conforto e bem-estar.

Com o aumento exponencial de empregos na função pública e na banca e com a melhoria substancial em sectores da população. Recursos que inicialmente se reflectiram em bens essenciais como casas de banho e melhores condições de habitualidade.

Contudo, após uma fase inicial de euforia democrática e equalitária, começou a surgir uma nova classe social marcada por uma capacidade financeira apreciável para o meio e que encontrou numa euforia consumista já mais preocupada com as aparências e o status.
Evolução que naturalmente não foi acompanhada por correspondente melhoria escolar, civilizacional e cultural.

O carro, o vestuário, a parabólica, etc., vieram, cada vez mais, a impor-se como sinais externos desse novo status que passou a depender, por isso mesmo, essencialmente desse tipo de bens por se afirmar. As aparências passaram a constituir, de forma crescente, o fulcro das preocupações sociais em detrimento da procura de valores existenciais mais virados para o desenvolvimento pessoal e do espírito.

Circunstancia que foi deixando a tradicional e sã cortesia dos picoenses, progressivamente, confinada às pessoas de mais idade e sobretudo das freguesias. As poucas iniciativas comunitárias, quer de carácter cultural (teatros, filarmónicas, etc.) quer mesmo de carácter religioso (grupos paroquiais p.e.), decresceram de maneira extremamente preocupante dando lugar à cultura da pastilha elástica mastigada de boca aberta e ao autismo social.

Coisas, tão simples e elementares, como bom dia ou boa tarde tendem a desaparecer do nosso quotidiano, ironicamente, em pequenas comunidades como o Pico em que praticamente toda a gente se conhece, perdem-se os hábitos de convívio personalizado que há muito, infelizmente, se perderam nas grandes cidades. Situação que não reflecte evolução ou desenvolvimento mas simplesmente retrocesso.

Sem se questionar, bem antes pelo contrário, a importância do desenvolvimento e da correlativa melhoria das condições de vida das pessoas torna-se, contudo, imprescindível defender que esses avanços sejam acompanhados por um correspondente amadurecimento cívico e cultural. Combate que terá que ser, em primeiro plano, protagonizado pelas escolas que não se podem limitar a ser apenas sítios aonde se transmitem, melhor ou pior, os currículos escolares oficiais.

As escolas, para cumprirem integralmente o seu papel, terão pois que suprir os déficites educacionais e culturais dos alunos. Não basta ter apenas um nono ano ou um décimo primeiro nas escolas do Pico. É preciso que a este nível educativo corresponda um correlativo conjunto de regras cívicas e de cortesia, de nível cultural e, mesmo, de higiene pessoal.

Bem dizia o povo que o “hábito não faz o monge” mas talvez nunca tanto como hoje esse ditado singelo é ignorado. E misturam-se os conceitos de tal modo que qualquer macaco bem vestido passou a poder dispor de estatuto social enquanto que um ser humano mal vestido passou a poder ser tomado por macaco!

É bom que haja asseio pessoal e estética no vestir porque embora o hábito não faça o monge é sempre bom que o monge use o hábito.

Que viva o traje mas que não se esqueça o modo.


P E D R O  D A M A S C E N O

terça-feira, novembro 15, 1994

OS CAPADORES DA ILHA (II)


FACE OCULTA


OS CAPADORES DA ILHA (II)
OU
A MÃE DE TODAS AS CAPADELAS


Infelizmente os últimos acontecimentos confirmaram os nossos piores temores e vêm, mais uma vez, dar o nome a esta crónica.

Como se já não nos bastasse todos os nossos déficites de desenvolvimento são, agora, as próprias bases, prévias e indispensáveis, para que ele, finalmente, arranque que nos são negadas. Como se fosse possível construir qualquer edifício, minimamente estável, sem fundações.

Mas o que mais magoa e desanima é a revogação, à última hora, de compromissos formal e publicamente assumidos. Ontem foi o bloco cirúrgico do Centro de Saúde de São Roque, hoje é o alargamento da pista do Pico. E se há estrutura cujo devido e adequado dimensionamento merece consenso dos picoenses - políticos da situação e oposição, deputados, autarcas, empresários e público geral – é exactamente o alargamento da pista.

E, contradição das contradições, é precisamente essa estrutura que é retirada do Plano de Orçamento para 1995 do Governo Regional dos Açores e, o mesmo é dizer, para muitos anos. Por que ninguém se iluda: se esse objectivo for, agora conseguido não vamos ter alargamento de pista por muitos anos. E porquê? Porque essa opção não é inocente muito menos de caracter económico e transitório e vejamos porquê.

Em primeiro lugar porque na elaboração de qualquer plano a primeira coisa a ter em linha de conta é o elenco das prioridades. E não há dúvida que no topo desse, está, para o Pico, o alargamento da pista. E isto mesmo tem sido por toda a gente e nomeadamente pelos autarcas que, de forma perfeitamente unânime, o têm afirmado repetidamente em público.

Em segundo lugar terá de ter em conta o montante dessas prioridades e o alargamento da pista – no montante da ordem dos 300 mil contos – é perfeitamente comportável mesmo para um orçamento restritivo. Sobretudo se tivermos em linha de conta que a Ilha do Faial – como menos população, um terlo do tamanho e com um conjunto de estruturas muito mais alargado e valioso – vai receber neste orçamento uma verba superior à do Pico que se aproxima do valor que seria necessário para alagar a nossa pista!!...

Em último lugar, tratando-se de um orçamento de uma região insular, terá de ter em conta uma filosofia que venha diminuir e esbater as assimetrias regionais. Preocupação que fundamente o próprio regime autonómicos. Para que nos serve uma autonomia que em vez de nos defender de um poder central discriminatório e preconceituoso venha, ela própria, criar e consolidar assimetrias?

O alargamento da pista do Pico é hoje a prioridade número um para o desenvolvimento desta ilha. Doa a que doer e cause os engulhos que causar.

O canal Pico-Faial, pese embora a sua grande importância, não pode nem deve substituir um aeroporto adequado como uma pista bem dimensionada. Disso dependerá a curto, médio e longo prazo do desenvolvimento da Ilha. Sobretudo se tivermos em atenção que se trata de um investimento extremamente modesto em virtude dos enormes benefícios que vai, indiscutivelmente trazer.

Embora não podendo comparar as duas situações não deixa de ser interessante reflectir sobre os investimentos faraónicos que a Ilha da Madeira tem vindo a fazer e vai continuar a fazer para ter um aeroporto adequado às suas necessidades. Porque os madeirenses já perceberam que, para eles, se trata de uma estrutura imprescindível para o seu desenvolvimento, mesmo que tenham de construir pilares para fazer uma pista sobre o mar! Verdade que é universal dado que nenhuma ilha poderá aspirar, hoje em dia, a um desenvolvimento sustentado e consequente sem um aeroporto satisfatório.

Enquanto para a Pista do Pico se reivindica somente uns reduzidos metros de asfaltagem mas que virão a fazer diferença.

É ridículo questionar em 1995 e em sede de orçamento regional essa necessidade vital da ilha. De modo que a explicação só pode ser encontrada nos capadores da ilha que andam por aí de lâmina em riste e não desistem. Não há outra lógica que possa explicar semelhante decisão.

Cabe a palavra, agora, aos políticos nomeadamente aos deputados e presidentes de câmara da Ilha do Pico. Só eles poderão fazer inflectir o sentido da decisão tomada o que não deixará, por isso mesmo, de ser um teste decisivo sobretudo para os actuais presidentes de câmara que têm procurado pautar a sua actuação por uma perspectiva de ilha, pondo de lado as capelinha, mas que agora enfrentam um desafio realmente sério até porque terão que, de algum modo, de pôr em causa o governo que apoiam.

Mas, desde já, uma coisa é certa: a decisão de excluir do plano de 95 o alargamento da pista do Pico é a mãe de todas as capadelas a que esta ilha tem estado sujeita.


P E D R O  D A M A S C E N O