A crise não é dura. É mole!
João César das Neves
CRISE MOLE
Como dizia há dias um elemento contestário das Forças Armadas na televisão: “querem sonegar cidadania aos cidadões....cidadães...!?.”. Ou seja: está bem que se corte nas despesas e se aperte no rigor desde que não me atinjam a mim.
Ou então a cara de pau que certos senhores afivelam quando nos dão, na televisão, severas descomposturas sobre o despesimo português enquanto abundam estatutos e reformas milionárias para alguns e benesses incompreensíveis para muitos outros.
A crise tornou-se um facto banal com que todos lidam, mais ou menos bem. Tirando aqueles que pouco ou nada tinham e que ainda ficaram pior não conseguindo, como agora se diz, dar a volta por cima.
Só assim se percebe que as medidas tímidas e cautelosas que o governo tem vindo a tomar causem tantos e tão irritados protestos, fundamentalmente, em quem sente que perde privilégios e regalias.
Protestos, essencialmente, de bem empregados – não de desempregados.
Não protestos de quem está no aparelho produtivo e que nunca usufruiu desses privilégios e regalias. Não de gente que tem a sua capacidade de sobrevivência, realmente, ameaçada.
“Portugal nunca esteve, ao mesmo tempo, tão rico nem tão pobre como hoje – nem tão corrupto.”
Realidade bem patente no ambiente de carnaval, desperdício e corrupção que se viveu nas últimas autárquicas. Qualquer observador desprevenido não teria tido a mais pequena hipótese de perceber que estamos num país em crise.
Uma crise que é muito mais de cidadania e de valores do que de raíz económica. Uma crise que muito pouca gente leva a sério, seja no seu posto de trabalho ou seja na sua intervenção cívica e política.
Estamos todos muito mais preocupados com direitos do que com obrigações. Estamos muito mais atarefados em descobrir novas formas de obter dinheiro fácil e “subir” na vida do que encontrar caminhos de responsabilidade e solidariedade.
Sendo certo que os problemas económicos existem e têm âmbito internacional não é menos certo que são, apenas, um dos aspectos que explicam os graves problemas estruturais que afectam em Portugal.
E não é lícito nem justo atribuir os males, essencialmente, aos políticos. Os políticos são portugueses como os outros, com todas as suas virtudes e defeitos. Político que não vá na onda que se vive em Portugal não tem condições para sobreviver.
Político sério, rigoroso e corajoso não pode ir muito longe. Porque toda a gente foge disso como o diabo da cruz! Interessa é o caldo do porreirismo e do laxismo, interessa é cobrirmo-nos todos com a mesma manta.
Para depois bradarmos, em uníssono, contra a tenebrosa crise que ameça tirar-nos privilégios e regalias. Terrível crise que, ao fim e ao cabo, é um excelente alibi para não crescermos e agarrarmos o toiro pelos cornos.
Pobre crise que, afinal, é bem mole!
PEDRO DAMASCENO
FACE OCULTA é um blogue de compilação da coluna quinzenal, com o mesmo nome,assinada por PEDRO DAMASCENO no Jornal Ilha Maior que se publica semanalmente na Ilha do Pico, nos Açores. Comentários, sejam eles quais forem, são muito bem vindos!
sábado, outubro 22, 2005
sábado, outubro 01, 2005
A U T Á R Q U I C A S
....precisamos de uma colectividade coesa e consistente
José Gil
A U T Á R Q U I C A S
Acabou de se iniciar a campanha eleitoral oficial para as eleições autárquicas. Um país cheio de cartazes, slogans e panfletos. E o circo mediático que também já aí está para explorar o filão dos candidatos-vedetas e as disputas de bairro e quarteirão.
Como tem vindo a ser hábito, pouco ou nada se discutirá da nossa vida colectiva profunda para nos perdermos em debates infindos e estéreis – tantas vezes falhos mesmo de, pura e simples, boa educação.
O país das fatimas, dos valentins, dos isaltinos e dos torres volta ao de cima. Fazendo tábua rasa de valores, ideologias e referências. Um país falho de autoestima, que não gosta do estado e que prefere os heróis de capa e espada e os robins do bosque de pacotilha.
Um país que aprecia os espertos não ligando muito a pessoas verticais e frontais, que não oferecem benesses nem fazem da coisa pública uma coutada política. Um país que acha de si próprio que é uma trampa mas que não se decide a mudar de vida.
Bem gostaria de acreditar que estas autárquicas venham a ser um verdadeiro momento de reflexão. Uma busca de um sentido colectivo que nos venha restituir a nossa dignidade de cidadãos de uma sociedade democrática madura e não, apenas, habitantes de um país brando e poucochinho à beira mal plantado.
Temo, contudo, que o desfecho será bem diferente e que teremos no pódio dos vencedores quem nos tem arrastado pela lama. Um branquemento popular que será tão deprimente quanto autoflagelador.
E será, se assim for, outro passo para que muitos cidadãos capazes e sérios se afastem, ainda mais, da actividade autárquica e da vida política. Pesem, embora, os autarcas competentes e de príncipios que, felizmente, também existem.
Mas o tom será para a debandada. Quem se disporá a enfrentar, no dia a dia, golpes baixos e pressões ilegítimas que corroem e desgastem? Quem se disporá a ver a sua vida pessoal devassada e sua actividade profissional comprometida a troco de um prato de lentilhas?
É hoje lugar comum dizer que o povo tem os políticos e o país que merece. Mas não deixa por isso de ser bem verdade. Como é possível que uma pessoa que anda há dois anos e meio a envergonhar a democracia e a justiça portuguesa seja candidata a uma Câmara?
E pior ainda poderá estar para vir, se for eleita. Porque nesse caso as urnas terão, essencialmente, sido uma oportunidade de révanche e de legitimidade popular que supostamente a compensará dos seus problemas com a Justiça.
E quem diz essa, diz outros.
O país precisa urgentemente de encontrar um rumo que o tire da inércia e que os portugueses comecem a gostar mais de si próprios. E nada mais urgente que encontrar os líderes que saibam criar uma dinâmica de coesão social e cívica.
O País bem precisa disso, e o Pico não fica atrás.
P E D R O D A M A S C E N O
José Gil
A U T Á R Q U I C A S
Acabou de se iniciar a campanha eleitoral oficial para as eleições autárquicas. Um país cheio de cartazes, slogans e panfletos. E o circo mediático que também já aí está para explorar o filão dos candidatos-vedetas e as disputas de bairro e quarteirão.
Como tem vindo a ser hábito, pouco ou nada se discutirá da nossa vida colectiva profunda para nos perdermos em debates infindos e estéreis – tantas vezes falhos mesmo de, pura e simples, boa educação.
O país das fatimas, dos valentins, dos isaltinos e dos torres volta ao de cima. Fazendo tábua rasa de valores, ideologias e referências. Um país falho de autoestima, que não gosta do estado e que prefere os heróis de capa e espada e os robins do bosque de pacotilha.
Um país que aprecia os espertos não ligando muito a pessoas verticais e frontais, que não oferecem benesses nem fazem da coisa pública uma coutada política. Um país que acha de si próprio que é uma trampa mas que não se decide a mudar de vida.
Bem gostaria de acreditar que estas autárquicas venham a ser um verdadeiro momento de reflexão. Uma busca de um sentido colectivo que nos venha restituir a nossa dignidade de cidadãos de uma sociedade democrática madura e não, apenas, habitantes de um país brando e poucochinho à beira mal plantado.
Temo, contudo, que o desfecho será bem diferente e que teremos no pódio dos vencedores quem nos tem arrastado pela lama. Um branquemento popular que será tão deprimente quanto autoflagelador.
E será, se assim for, outro passo para que muitos cidadãos capazes e sérios se afastem, ainda mais, da actividade autárquica e da vida política. Pesem, embora, os autarcas competentes e de príncipios que, felizmente, também existem.
Mas o tom será para a debandada. Quem se disporá a enfrentar, no dia a dia, golpes baixos e pressões ilegítimas que corroem e desgastem? Quem se disporá a ver a sua vida pessoal devassada e sua actividade profissional comprometida a troco de um prato de lentilhas?
É hoje lugar comum dizer que o povo tem os políticos e o país que merece. Mas não deixa por isso de ser bem verdade. Como é possível que uma pessoa que anda há dois anos e meio a envergonhar a democracia e a justiça portuguesa seja candidata a uma Câmara?
E pior ainda poderá estar para vir, se for eleita. Porque nesse caso as urnas terão, essencialmente, sido uma oportunidade de révanche e de legitimidade popular que supostamente a compensará dos seus problemas com a Justiça.
E quem diz essa, diz outros.
O país precisa urgentemente de encontrar um rumo que o tire da inércia e que os portugueses comecem a gostar mais de si próprios. E nada mais urgente que encontrar os líderes que saibam criar uma dinâmica de coesão social e cívica.
O País bem precisa disso, e o Pico não fica atrás.
P E D R O D A M A S C E N O
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