sexta-feira, maio 12, 1995

Carta aberta ao Director

FACE OCULTA


CARTA ABERTA AO DIRECTOR DO ILHA MAIOR
(TRIÂNGULO OU MITO?)


Caro Director

Após vários anos de colaboração regular é a primeira vez que lhe dirijo uma carta. E fi-lo porque vi um repto seu, público, cair em saco roto, como se diz.

No penúltimo número do jornal tentou, em editorial, abrir um debate público sobre a momentosa questão dos transportes marítimos entre ilhas do triângulo com especial ênfase para as ligações São Jorge-Pico.

Ao contrário do que seria de esperar – dada a importância do assunto – a resposta foi nula. Facto que inspirou o subtítulo desta crónica pois a questão do triângulo ainda continua a ser muito mais um mito/fantasia do que uma realidade palpável. Nem mesmo a constituição da associação dos municípios do Faial, Pico e São Jorge conseguiu corporizar o arranque efectivo dessa ideia que continua tão longínqua como a do Pico – ilha do Futuro.

A ideia do triângulo continua, ainda, a ser sentida (a sério) apenas por um punhado de pessoas que perceberam, realmente, que o destino destas ilhas – numa perspectiva de desenvolvimento, de progresso e de qualidade de vida – passa pela união desses três pequenos universos ilhéus que separadamente pouco ou nada podem mas que, em conjunto, poderão constituir uma das mais férteis apostas da região sobretudo num sector que se postula como uma grande aposta de futuro nos Açores: o turismo.

Por isso, caro director, resolvi eu, já que mais ninguém o fez, escrever-lhe esta carta. Para o felicitar pela iniciativa e para tecer armar a seu lado.

A ideia da imprescindibilidade de boas e regulares ligações marítimas entre as três ilhas que defendeu é, também, no meu entender, crucial para que o conceito de triângulo tenha expressão prática.

Ou, sendo um pouco mais radical, nunca haverá triângulo enquanto as três ilhas não forem ligadas por transportes marítimos regulares (no mínimo diários), eficientes e económicos. Esses são os alicerces em que terá que assentar o triângulo. E, por consequência, se eles não existirem não haverá triângulo.

São Jorge e Pico tem estado afastadas, exactamente, porque não têm ligações diárias – uma de manhã e outra tarde. Ligações que, numa primeira fase, terão, necessariamente, déficites de exploração mas que, rapidamente, poderão ser rentáveis. Para tanto bastará que as populações das duas ilhas se habituem a aproveitar as mútuas potencialidades, para já não falar do turismo.

E as potencialidades de intercâmbio (industriais, comerciais, de saúde, culturais e de lazer) são inúmeras mas bastará reflectir apenas no alargamento do universo de consumidores, que a ligação entre as duas ilhas implicará. E que ficará, naturalmente ainda mais reforçado com o Faial.

A recente decisão da Associação dos Municípios do triângulo de desenvolver acções no sentido da aquisição de um barco para garantir as ligações regulares São Jorge- Pico é extremamente positiva, a nível oficial e institucional, a urgência e a importância desta questão.

Obviamente a Transmaçor, que não consegue sequer ligar, adequadamente, o Pico ao Faial não vai, por maioria de razões, ser um parceiro credível para iniciar este tipo de ligações. Essa transportadora que continua a mostrar uma completa insensibilidade para responder aos desafios do desenvolvimento e da modernidade (em pleno mês de Maio ainda não tem a lancha da tarde, senão a partir do dia 14!!) não vai certamente considerar uma linha de “risco”.

Mas, e nisso estaremos todos de acordo, os custos de exploração inicial das ligações regulares São Jorge Pico terão custos eminentemente sociais e que terão que ser suportados, em grande parte pelo menos e no início da exploração, pelo erário público. Porque é, exactamente, para esse tipo de coisas que é importante que exista autonomia: para perceber e suprir as especificidades das diferentes ilhas e áreas do arquipélago. E a especificidade máxima das ilhas do triângulo, é, justamente, a necessidade fulcral e inadiável das ligações marítimas regulares.


Caro Director

O repto está, agora, nas mãos dos políticos (sobretudo dos autarcas e dos deputados) e dos agentes económicos que, em colaboração estreita, deverão procurar os meios e exercer as pressões necessárias à concretização desse objectivo.

Penso que o seu desafio veio numa altura muito oportuna e seria óptimo que mais gente viesse dar o seu contributo para uma questão da mais alta relevância para essa área e cujo desfecho dependerá, sem dúvida, do montante do apoio e empenhamento público das mais variadas entidades e da população em geral.

Com os melhores cumprimentos,


P E D R O  DA M A S C E N O