segunda-feira, maio 30, 1994

EUROPA POR UM CANUDO


FACE OCULTA


EUROPA POR UM CANUDO


Independentemente dos resultados obtidos por qualquer das forças partidárias em contenda o dado político mais relevantes das passadas eleições europeias foi a altíssima abstenção que rondou os 65%. Ou, por outras palavras, apenas 35 portugueses em cada 100 entenderam ser necessário ou importante votar para o Parlamento europeu. Ou seja, apenas acerca de um terço dos nossos eleitores se deu ao trabalho de se deslocar às assembleias de voto!

Descontados alguns aspectos secundários como são o facto de a votação ter ocorrido no meio de uma “ponte” que foi aproveitada por muitos portugueses para num curto período de férias, a acompanha não ter conhecido o entusiasmo e a dimensão de outros actos eleitorais e mesmo o facto de a abstenção ter sido também significativa noutros países europeus, ficam-nos números que têm de ser analisados de forma isenta e objectiva.

E a grande conclusão é evidente: a maioria esmagadora dos portugueses esteve-se nas tintas para as eleições europeias.

A partir daí os resultados obtidos pelos próprios partidos têm que ser vistos numa perspectiva altamente condicionada. Provavelmente foram apenas o resultado da votação dos respectivos eleitorados fixos, ou seja dos militantes mais activos e empenhados de cada partido e que, habitualmente, vão a todas. O que, se calhar, poderá constituir para os partidos uma oportunidade de ouro para contarem as “armas” seguras com que contam em delinearem estratégias futuras.

Porque se tratou da maior abstenção verificada em Portugal nos últimos 20 anos estamos perante um fenómeno social da maior relevância. Irando os ditos militantes activos de cada partido independente e que se caracterizam por um elevado sentido cívico de participação social e política.

O que significa que, em termos sociológicos e políticos, os resultados eleitorais têm que ser vistos no contexto de representarem, apenas e somente, o sentido do voto de uma ou duas faixas de cidadãos de características bem definidas.

Ficam os restantes que constituem a generalidade dos portugueses e que vão desde os que não quiseram ter a maçada de ir votar aos que quiseram mostrar aos partidos, de forma geral, que estão fartos de tanta política e tanta politiquice e de tantos actos eleitorais que em pouco ou nada resultam para a modificação das suas vidas quotidianas. Como também significará que, para muitos portugueses, a política que interessa não vai além da paróquia e dos seus interesses imediatos e que não tem qualquer noção de caracter mais geral, nomeadamente europeu.

Possivelmente para muitos portugueses a Europa continua a ser um slogan que pouco ou nada lhe diz. Tornou-se moda falar da Europa, dos fundos comunitários e das directivas, e entendeu-se que os portugueses estavam com ela. E, se porventura, os portugueses não estão contra a comunidade europeia – e de forma activa não estarão – também não estão minimamente empenhados na sua construção ou conscientes da sua eventual importância para as suas vidas diárias.

Doutro modo não faz sentido que a generalidade dos cidadãos se tenha abstido.

A vitória nestas eleições, de quem quer que ela seja, terá sempre um sabor amargo porque apenas representará o sentir de uma minoria muito magra dos portugueses. Os partidos apenas viram os portugueses pelo buraco da fechadura. Os hipotéticos votos de quem não votou não contam nem podem contar. O que conta foi o surgimento na sociedade portuguesa de um fenómeno sócio-político da maior importância e que não deverá ser objecto de explicações simplistas ou, o que é pior, oportunistas. Os cidadãos absentistas não nomearam, ao que se sabe, qualquer porta-voz.

Se houver empenhamento e seriedade por parte do estado apenas haverá, portanto, um caminho: a realização de um estudo de opinião a nível nacional, exaustivo e totalmente isento, que nos venha dar uma explicação cabal e objectiva do que se passou. Só assim as diferentes forças partidárias e o próprio governo estariam em condições de intervir, de forma positiva e adequada, numa sociedade que deu um berro de protesto (?) mas não se explicou.

Finalmente um facto marginal mas que tem importância para uma crónica sobre abstenção escrita nos Açores: pela primeira vez desde o 25 de Abril a abstenção na Região foi menor que a nível nacional. Fenómeno interessante e que constitui um recado claro para o Partido Socialista que, em mais uma prova da sua incapacidade de se postular como alternativa ao partido Social Democrata nos Açores, não inclui nas suas listas, em lugar ilegível, um candidato açoriano. Uma boa razão de reflexão para uma força partidária que persiste numa trajectória regional suicida.


  P E D R O  D A M A S C E N O