quinta-feira, junho 30, 1994

IRONIAS DA JUSTIÇA


  FACE OCULTA

“Cada vez que um patife não é punido, um homem honesto é troçado”
George Saville


IRONIAS DE JUSTIÇA



Quando há bem pouco tempo, um pacato cidadão britânico, em fase terminal de uma doença maligna, foi preso por se ter insurgido contra uma sentença injusta, era dada mais uma prova pública da farsa em que a justiça ocidental tantas vezes se transforma.

A história é simples: um jovem londrino é atacado por um grupo de marginais e é espancado quase até à morte. Dois dos autores do assalto são presos e julgados e o resultado final é a libertação com uma pena levíssima de prestação de serviços cívicos (?). 

Indignado o pai da vítima insurge-se em pleno tribunal, dirigindo algumas palavras duras ao juiz (provavelmente as mesmas que qualquer pai normal e corajoso dirigiria face a um tal disparate). O juiz exige desculpas que o pai não dá e este é imediato condenado a pena de prisão efectiva e encarcerado apesar do seu estado de saúde muito frágil.

Conclusão inevitável: é mais grave, em Inglaterra, insultar um juiz – mesmo com razão – do que agredir muito gravemente um cidadão. E falamos do país europeu com mais antigo curriculum democrático e com um sistema judicial com muitos pergaminhos.

 Como pode, então, uma perversão tão evidente? Pelo simples mas preocupante facto de que a justiça do nosso mundo ocidental se ter tornado num intricado mundo de burocracia em que tudo joga a favor do delinquente habitual e contra o pacato cidadão comum que tenha a pouca sorte de eventualmente meter “o pé na poça”. O complexo mundo judiciário tornou-se um terreno extremamente favorável ao mundo do crime e aos delinquentes habituais que sabem, como ninguém, tirar partido das deficiências do sistema e mesmo dos direitos e liberdades constitucionais que existem com a preocupação essencial de defender cidadão comum mas que tantas vezes permitem lacunas legais e expedientes de todas a ordem que são aproveitadas por quem não tem escrúpulos de qualquer ordem.

O sistema na sua preocupação meritória de defender os direitos, liberdades e garantias criou um figurino de justiça que, no dia-a-dia, se mostra incapaz de assegurar aquilo que deveria ser a sua essência: a punição rápida e eficaz dos prevaricadores e a defesa real da segurança e bem-estar do cidadão comum. O sistema persiste em tratar com paninhos quentes e com cortesia quem deliberadamente e de forma sistemática o utiliza para a prática impune de crimes.

E de tal modo isto se tornou um dos aspectos da nossa vida que já ninguém acredita, a sério, na justiça. Ninguém acredita nem na política nem na justiça. Toda a gente sente, de forma mais ou menos evidente, que o cidadão normal e cumpridor tem a maior dificuldade em fazer valer, sem sede de tribunal, os seus direitos – levar-lhe-á anos a fio e quando a justiça chega (se chega) vem tarde e a más horas não servindo já para nada. Em contrapartida toda a gente sente que o prevaricador “espertinho” acaba sempre por se safar porque joga com as debilidades do sistema e com direitos que foram assegurados a pensar nos cidadãos honestos e bem intencionados.

A justiça para cumprir os seus fins tem de ter duas componentes essenciais: ser rápida e eficaz. O patife tem de sentir na pele, de forma rápida, uma punição que lhe dê claramente a noção de que o crime não compensou.

Os armazéns de presos em que se transformaram as nossas cidades são um peso morto nas nossas sociedades com enormes encargos para a comunidade e constituem, geralmente, verdadeiros viveiros de criminosos graves que pululam à sombra do ócio. Não pode ser a sociedade a pagar o castigo aos que prevaricaram. São eles próprios que terão de assegurar o pagamento do sistema de punições que lhe é infligido

Uma sociedade civilizada tem que saber defender os direitos e liberdades dos seus cidadão mas também tem que saber garantir a sua segurança de forma eficaz e assegurar que o lobo vestido na pele de cordeiro não seja confundido com este. Deve ser aberta e tolerante para com o cidadão comum que cumpre de forma habitual e regular os seus deveres (mesmo prevaricando aqui e ali em coisas menores) mas firme e intransigente para o delinquente habitual e grave.

As sociedades modernas têm que perder de forma rápida alguns complexos e actuar de forma eficaz sob pena de se transformarem em sítios aonde não é possível viver com um mínimo de qualidade de vida. Democracia nunca deve ser sinónimo de fraqueza: tolerância sim, debilidade nunca. O primado das liberdades individuais não pode ser levado ao extremo de se transformar no parteiro da opressão das liberdades colectivas.

O estado de direito para ganhar credibilidade rem que assegurar um sistema judicial que a generalidade dos cidadãos respeite e a quem reconheça um papel crucial na defesa da sua liberdade e qualidade de vida e que seja visto e sentido pelos criminosos como um obstáculo temível às suas actividades.

Só assim se poderão separar as águas e garantir sociedades aonde valha a pena ser cumpridor e honesto.


   P E D R O  D A M A S C E N O