sexta-feira, dezembro 26, 2008

As dores da informação/comunicação

Agora estamos no início do furacão da revolução da informação
Comcascaetudo



As dores da informação/comunicação



De facto poderemos estar no início do furacão da informação, mas nem tanto para estes lados do mundo. Não tanto os media que esses vivem disso mas tudo que seja empresa que supostamente deve informar o publico é uma dor de alma.

Satas, Taps, Transmaçores, Edas, Postos de turismo, etc. etc…

Ou se fica tempos sem fim à espera que atendam, ou não sabem dar a informação e não fazem qualquer esforço para descobrir ou desembocamos numa fatídica mensagem gravada. E, cúmulo, às vezes não atendem de todo, horas e vezes seguidas.

Todos nós temos essa experiência desgastante, stressante e, totalmente, frustrante. O que sendo mau para todos nós é, certamente, muito pior para um turista com expectativas de informação minimamente sólidas e atempadas.

A um aumento da sofisticação das telecomunicações e da informática parece corresponder um decréscimo da qualidade e celeridade da informação. O que só explicável pela falta de treino para atendimento do público de grande parte do pessoal dessas empresas e, cumulativamente, por falta de controlo dessas empresas sobre as políticas de informação.

Para o exercício de qualquer função minimamente sofisticada é necessário ter o perfil adequado e dá impressão que as competências de comunicação com o público não são consideradas decisivas para pôr alguém nessas funções.

Percebe-se que haja muita gente que não tem perfil e, porventura, ainda menos vontade para lidar com o público, situação perfeitamente compreensível e aceitável. O que não se percebe é que esse tipo de pessoas continue a atender telefones e a “prestar” informações.

O turismo é, por excelência, uma indústria de simpatia. Simpatia que não pode restringida aos hotéis, aos restaurantes e às empresas directamente ligadas ao sector. Tem que ser transversal e estar presente no comércio local, nos transportes, nas repartições oficiais, nos hospitais e, mesmo, no público em geral.

A maneira como um povo recebe os seus turistas pode fazer a diferença no destino. Mas, pelo menos, que as pessoas ligadas ao serviços tenham uma postura adequada, mesmo que não directamente ligadas á actividade turística.

Sendo tão vultuosas as verbas dispendidas na promoção do destino Açores e nos apoios concedidos aos investidores faria todo o sentido que fossem aplicadas verbas significativas na educação para o turismo.

Educação para o turismo entendida como uma acção destinada a sensibilizar, de forma genérica, os agentes económicos (do turismo ou não), os serviços públicos e entidades prestadoras de serviços para o fenómeno do turismo enquanto actividade fortemente condicionada pela informação e pela simpatia.

Nem sempre tudo pode correr bem com os turistas. As falhas são inevitáveis. Mas o modo como essas falhas forem colmatadas e aligeiradas por uma boa comunicação/informação pode tornar o turista num nosso embaixador de excelência ou no maior detractor.

E não há nada que chegue à palavra de boca.



P E D R O D A M A S C E N O

sexta-feira, dezembro 12, 2008

Declaração Universal dos Direitos do Homem

Declaração Universal dos Direitos do Homem
60 Anos de vida



Faz hoje 60 anos – 10 de Dezembro de 1948 – que foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos do Homem, no rescaldo da II Guerra Mundial. Os horrores da guerra que terminava tinham legado um documento que visava construir um futuro em que tudo isso fosse banido.

Eleanor Roosevelt foi a grande impulsionadora do documento e um dos direitos consagrados punha o papel o conceito do direito à felicidade, porventura o mais ambicioso de todos. Um direito que é, também, a nossa maior ambição.

Mas infelizmente esse direito, quase utópico, continua como um miragem enquanto outros bem mais comezinhos como os simples e elementares direitos de liberdade e de integridade física continuam bem afastados de muitos áreas deste nosso conturbado planeta.

Nesta altura a Índia ainda tenta alcançar as consequências dos ataques terroristas de Bombaim; no Darfur continua-se a morrer de fome ou violência; a Somália abeira-se de uma tragédia igual; a birmanesa Aung San Suu Kyi continua presa na Birmânia; e não foram libertados milhares de reféns na Colômbia. O campo de Guantánamo ainda não foi fechado.

No Zimbabué, o tenebroso criminoso Robert Mugabe continua agarrado ao poder enquanto o seu povo morre de cólera e de fome e a inflação duplica todos os dias. Um cenário dantesco perante o qual a comunidade mundial se mostra impotente.

Na grande e impenetrável China – essa mesma dos milagres económicos – os direitos humanos, com declaração e tudo, continuam a ser letra morta. O tranquilo Tibete do Dalai Lama que o diga. A potência mundial de maior crescimento económico continua com o papel na gaveta.

Por cá os direitos, liberdades e garantias vão andando e, felizmente, vão longe estão os tempos do austero ditador de Santa Comba Dão. Mas as diferenças sociais continuam a aumentar e já há quem mande avisos à navegação, elegendo Salazar com o maior português!

O ambiente – condição essencial ao bem-estar e à felicidade – está como se sabe. Com muita gente que duvida ainda do aquecimento global e o acha um exagero dos ambientalistas, mesmo perante provas crescentes que algo vai muito mal com o nosso clima.

A droga, sobretudo as ditas pesadas, tornou-se um flagelo do dito mundo civilizado atingindo mesmo as nossas bucólicas e longínquas ilhas. Mesmo neste Pico que não é das ilhas de coesão mas que também não é das outras. Este mesmo Pico que continua com um miserável voo semanal no Natal enquanto outros tem duas mãos cheias.

Enfim, Eleanor Roosevelt tinha razão mas está visto que 60 anos foram bem poucos….

A nota final não pode ser negativa porque os níveis de conforto e de liberdade de muita gente melhorou dramaticamente. Mas, para muitos mais, este nosso mundo continua a ser um vale de lágrimas.

Os recursos aumentaram exponencialmente, as tecnologias evoluíram quase à velocidade da luz mas parece faltar-nos a alma para o resto que é muito, muito mais do que já se fez.





PEDRO DAMASCENO

sexta-feira, novembro 21, 2008

Razões que a razão desconhece

Razões que a razão desconhece




A Ilha do Pico tem uma área total de 447 Km2 e uma área protegida de 143,74 Km2 que representa, por conseguinte, 32% da área total da ilha. Área protegida esta que representa 34% da área protegida total dos Açores que se cifra em 418, 2 Km2!

No Pico situa-se a Vinho do Pico – Património Mundial da Humanidade. Área que pela sua beleza e carácter é objecto de intensa pressão imobiliária quer por parte de particulares quer por parte de investidores turísticos.

O Pico é uma das três ilhas dos Açores que tem a flora endémica – laurassilva – preservada na sua totalidade. Sendo as outras a Caldeira de Santa Bárbara na Terceira e as Flores.

Finalmente tem a montanha – indiscutivelmente o mais imponente monumento natural da Região – e o ícone mais usado na promoção dos Açores e que é um símbolo mágico do turismo ecológico.

A Ilha do Faial tem uma área total de 172,43 Km2 e uma área protegida de 23,47 Km2 que representa, por conseguinte 11,36 % da área total da ilha. Área protegida esta que representa sensivelmente 5,6 % da área protegida total dos Açores.

De notar que com a implementação do Parque Natural da Ilha do Pico a área protegida vai aumentar ainda mais. O que vai reforçar o seu estatuto do Pico como ilha maior do ambiente.

Tal estatuto e, sobretudo, tal área protegida colocam um grande desafio aos responsáveis pelo ambiente que terão que assegurar que a protecção é efectiva e num apenas uma intenção expressa no papel.


Questão central quando se percebe que o futuro do turismo açoriano irá depender da nossa qualidade ambiental. Como uma recente avaliação levada a cabo pela prestigiada National Geographic demonstrou. Os Açores ficaram em segundo lugar, exactamente pela qualidade ambiental que ainda apresentam.

Sendo óbvio que o nosso grande desafio consiste em manter e, se possível melhorar o score ambiental. Dado que essa é a nossa galinha de ovos de ouro para o negócio do turismo para não falar da manutenção da nossa qualidade de vida.

Mas protecção implica esclarecimento, pedagogia e fiscalização. Desiderato inatingível sem adequados meios humanos e materiais e sem uma fortíssima vontade política.

Assim sendo pergunta-se: como é possível explicar que a Ilha do Faial com os 23, 47 Km2 de área protegida tenha 4 vigilantes da natureza e o Pico com os seus volumosos 143,74 Km2 tenha um?! Ou que a orgânica futura para o Pico preveja apenas três?

E os meus amigos do Faial que não se preocupem. Ninguém lhes quer tirar nada. Os quatro vigilantes do Faial estão bem. O que está mal é um único vigilante no Pico! O retrocesso do Faial nunca fará bem ao Pico do mesmo modo que a castração deste nunca será uma mais valia para aquele.

Não se exigindo os 24 vigilantes a que uma regra de proporcionalidade daria direito, teremos que falar num mínimo de seis que permitiria fazer 3 equipas de 2 pessoas e, assim, assegurar um patrulhamento minimamente sério. Tudo que seja menos do que isso é mandar o Património Mundial e o futuro Parque Natural às urtigas.

Há, de facto, razões que a razão desconhece.



P E D R O D A M A S C E N O

sexta-feira, novembro 07, 2008

God Bless América

Que viva agora uma América esclarecida que saiba abraçar as grandes causas da paz, do combate à pobreza e à exclusão e da defesa do ambiente.
Pedro Damasceno in Ilha Maior 08.07.2007


God Bless América


A vitória esmagadora de Barack Hussein Obama nas eleições presidenciais dos Estados Unidos foi muito mais do que o resultado do engenho, arte e brilhantismo de um só homem. E o presidente eleito é, sem dúvida, um homem de excepção.

Mais uma vez a América veio surpreender tudo e todos demonstrando uma vitalidade e uma extraordinária capacidade de mudança. Uma capacidade que só um regime democrático pode permitir.

O país da abundância e do esbanjamento mas também de situações de grande pobreza e exclusão. O país dos prémios nobeis e de Holywood mas também o pai da fast-food e da obesidade – a grande pandemia do século XXI.

América.

A terra da Ku Klux Klan mas também dos hippies das flores, do amor livre e da não-violência. Pátria do McCarthy da caça às bruxas mas também de Luther King e John F Kennedy.

Today I am an American.

Hoje, mais do que nunca, sinto que faço parte desse admirável mundo novo, desse caldo efervescente de culturas e etnias que mais não é do que um microcosmos integrado nesse macrocosmos que é o planeta.

Há esperança.

Há esperança de uma ordem mundial que ponha o homem no centro das coisas e não as coisas no centro do homem. A mesma América que, ontem, nos fez empalidecer de humilhação com um Bush, patético e teleguiado, vem hoje pôr-nos no sapato o presente antecipado do Natal.

Esta eleição não foi, essencialmente, centrada em Barack Obama e John McCain. Esta eleição foi, antes, centrada num profundo desejo de mudança, mesmo que para tal fosse necessário eleger o primeiro presidente negro dos Estados Unidos.

Sendo certo que muito poucos países europeus (dois ou três?) fossem capazes de eleger um presidente ou primeiro-ministro de cor. Esta nossa Europa, culta e civilizada, que tantas vezes tem feito chacota do país dos cowboys.

A grande lição que todos temos que tirar é a de assumir, com humildade essa mesma lição. Uma lição de pujança democrática e de participação cívica que se cifrou numa das maiores afluências de sempre à urnas.

Os grandes temas da paz, da pobreza e do ambiente voltam ao centro da agenda política.

A Obama competirá, agora, unir a grande nação americana e estabelecer um plano de transição para um capitalismo com coração e causas. A todos nós competira acreditar, também, que a mudança é possível.

Há males que vêm por bem, diz o povo. E tem razão. Que esta crise financeira e económica mundial seja a grande oportunidade para parar, pensar e agir.

God Bless América.

I love you.



P E D R O D A M A S C E N O

terça-feira, outubro 14, 2008

Meu caro Veríssimo

Meu caro Veríssimo



Soube há dias do teu passamento. Não sabia, sequer, que estavas doente. Embora soubesse seres um homem de saúde precária.

Deixas uma marca e um vazio, como todos nós. Eras um homem muito inteligente e com um grande coração – coisas que não te serviram de muito. Tiveste tudo e tiveste pouco. Abraçaste grandes causas mas não fizeste da tua vida uma causa.

Possivelmente foste feliz à tua maneira. Mas eras um cometa apetrechado para voos muito mais altos. E tiveste na mão um jogo quase só de trunfos que desbarataste, a torto e a direito. Um homem de oportunidades perdidas.

Abraçaste, com unhas e dentes, a causa maior do planeta – nossa casa comum. Foste um ambientalista convicto e esclarecido num tempo em que isso não era moda e o ambiente uma disciplina menor da política.

Mas quando decidi escrever-te esta carta não estava a pensar num daqueles panegíricos delicodoces que não fazem bem nem mal. Sei que não gostarias, sobretudo vindo de mim. Sempre cultivámos uma relação crítica e mordaz.

Por isso esta minha carta acaba por ser mais para todos os veríssimos-deste-mundo do que, propriamente, para ti.

Tu és o mote, mas destina-se a toda a gente de muita valia e grandes recursos que, pelas voltas e contravoltas que a vida dá, de tudo isso não tirou ou tira grande proveito. Os muito capazes que da vida pouco tiram.

A vida – esse bem precioso, pessoal e intransmissível – que desbaratámos como se de artigo descartável se tratasse. Essa seiva e energia que adulterámos sem olhar para trás, como se ao virar da esquina houvesse mais.

Sem pensar – no princípio de cada novo dia que nos é dado – que tanto pode ser o último, como apenas mais um ou uma nova oportunidade para começarmos a ser aquilo que sempre pensamos poder ser e que nunca fomos.

Foi assim contigo, Veríssimo? Os projectos, os sonhos, os afectos que ficaram pelo caminho? A morte colheu-te quando colheu. Não há tarde nem há cedo. Há, apenas, que estar vivo ou não estar.

A vida devia ser trabalhada como um ourives trabalha o oiro. Com mil e um cuidados, de pinças e lupa. Vivendo com intensidade mas com igual cuidado. Distinguindo o trigo do joio.

Até prova em contrário só se vive uma vida, pelos menos como a conhecemos. Os depois-da-vida até podem ser verdade mas – sendo o que sejam – nunca serão esta vida de carne e osso que agora vivemos e, tantas vezes, sofremos.

Por mim, cada vez mais, uso a pinça e a lupa. O que não me livrando da morte me dá o conforto de saber que não me vou render de barato.

Um grande abraço.


P E D R O D A M A S C E N O

sexta-feira, outubro 10, 2008

O estado da crise ou a crise do estado?

O estado da crise
ou a crise do Estado?



Não há muito tempo tivemos oportunidade de abordar, nesta coluna, a crise da banca. Tendo sublinhado a política virada para o umbigo que o sector vinha fazendo, centrando-se – essencialmente – em lucros altamente especulativos.

Um modelo sem sustentabilidade que as recentes falências da banca nos USA e as dificuldades da banca portuguesa vieram, infelizmente, comprovar. Um modelo criado sob a batuta de gestores ambiciosos sem escrúpulos, num cenário de neo-liberalismo desenfreado.

O circo da especulação financeira tentando gerar dinheiro apenas com dinheiro esquecendo a máxima fundamental de que o dinheiro é um bom servente mas um mau amo. Tornando o investimento não produtivo a pedra de toque.

Como escrevi então: os bancos criaram as condições para a festa do consumo desenfreado na área da habitação e dos equipamentos como se não fosse possível saber que, mais menos dia, os juros iriam disparar. Quantos bancos não incentivaram o consumo sugerindo mobílias, carros e etc. debaixo do guarda-chuva da habitação?

Sendo bem irónico que tenha sido a administração Bush, conservadora e ultra-liberal, a ver-se obrigada a injectar dinheiro dos contribuintes num sector financeiro que viveu, essencialmente, do desrespeito por esses mesmos contribuintes.

Depois da falência do modelo soviético e do colapso dos regimes comunistas ficou claro que o estado não tem vocação nem competência para dirigir a economia, num modelo centralista e totalitário. Sendo necessário passar para o sector privado as capacidade de iniciativas e criatividade.

O estado é, tipicamente, um mau gerador de riqueza. Não tem esse talento nem precisa de ter. Precisa, isso sim, de criar as oportunidades e definir, com clareza, as regras do jogo. O estado não deve tentar anular o privado como este não deve tentar anular o estado.

O estado deve ser o garante do cumprimento das regras e o responsável pela definição dos sectores prioritários e das grandes opções de desenvolvimento. O estado tem que ser responsável por todos nós e cada um de nós responsável por si próprio.

O actual estado de coisas é fruto de uma situação mundial complexa. Reduzir tudo às questões da economia é errado e redutor. Mas colapso da economia é um factor de instabilidade que vem ajudar a deflagrar o barril de pólvora em que nos tornamos.

O estado e o modelo capitalista têm que ser repensados. Precisamos de melhor estado e de melhores investidores. De um estado mais regulador e de um sector privado mais responsável. E precisamos, acima de tudo, de não esquecer os mais carenciados, sejam eles nações ou indivíduos.

Sem esquecer a punição dos responsáveis. O crime económico, sobretudo desta gravidade, não pode ser isentado.

O ultra neo liberalismo está morto e enterrado e vai nos custar os olhos da cara. Sendo por conseguinte necessário que para alem do tratamento de choque se estabeleça um diagnóstico e se trate a doença de fundo.

Um sistema sem competência, rigor e eficácia não funciona. Mas um sistema sem coração também não.



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sexta-feira, setembro 26, 2008

SER AÇORIANO

Que bom é ser açoriano
Carlos Cesar




SER AÇORIANO


A frase “que bom é ser açoriano”- embora slogan político - só nos pode fazer bem à alma. Sobretudo depois de um povoamento que foi tão difícil e doloroso. Um passado duro bem atestado por tantas paredes de pedra e maroiços.

Mas como diz Dias de Melo: Já quando os homens chegaram pela primeira vez à Ilha, a encontraram rasa de pedra, que fora fogo vomitado pelos vulcões:pedras colossais, amontoadas a esmo,[...] - mas combatento, braços entesados e mãos crispadas, a grande batalha contra as pedras negras da Ilha.Estarraçaram, escavaram, removeram, abriram caminho - e a terra começou a surgir!

Ser açoriano é, antes de tudo, ser herdeiro dessa saga de suor e sangue. Desse batalhar de sol a sol e de tantos anos de esquecimento e abandono, apenas amenizados pelos dias esparsos de São Navio.

Ser açoriano é ser filho desse casamento entre as terras de lava e o mar. Amamentado por um céu infinito e por ares pouco navegados e criado num berço verde, espesso e a perder de vista.

É poder estar sentado, num dia soalheiro, a olhar do Pico para o Faial, com os ilhéus em frente. Ouvir o suave barulho das ondas de um mar calmo que vem brincar com as rochas e nos devolve a paz de um mundo que ainda não está perdido.

É ser capaz de partilhar, em pleno, com os socalcos que vão por aí acima até à montanha (sobranceira e distante) a energia que imana desse testemunho da força do ventre que lhe deu origem.

Ser açoriano é saber amar a natureza, a tranquilidade e pureza do ar e do mar. É saber sentir esse privégio único que é estar (quase) a salvo desse vale de lágrimas em que grandes zonas do nosso planeta se estão a transformar.


É perceber e sentir que o que foi o nosso calcanhar de Aquiles – a distância e o isolamento – se transformou num ganho. O que é ampliado por não termos, felizmente, auto-estradas de três ou quatro pistas que aqui desemboquem e nos tragam mais carros e garrafões.

E interiorizar, portanto, que o essencial é conseguirmos preservar aquilo que veio – via adversidade – a transformar-se num património invejável: a natureza, a tranquilidade, a segurança e a paz. Bens que, hoje no mercado mundial, ultrapassam – de longe – o valor do barril de petróleo.

Não tendo óleo, temos o melhor óleo do mundo.

“Óleo”que, essencialmente, vale por não ser “extraído”. Sendo o desenvolvimento indispensável e desejável é necessário que não mexa com aquilo que é a essência dos Açores: a ruralidade e casamento, para a vida e para morte, com a natureza.

Ser açoriano é perceber bem isso e não ceder às tentações do consumismo desenfreado e ao dourado plastificado do betão. É sim melhorar o conforto, a segurança e a qualidade de vida sem pôr em causa a matriz que nos identifica e nos faz sentir no topo do mundo.

“Que bom que é ser açoriano” é, por isso, um empolgante desafio que deverá ir muito para lá da acção política para se transformar num bom dia de todos nós quando perdermos a vista no horizonte longínquo do nosso mar azul sem fim.



P E D R O D A M A S C E N O

sexta-feira, setembro 12, 2008

As voltas que o lixo dá!

As voltas que o lixo dá!


Claro que os aterros sanitários são imprescindíveis e incontornáveis e a crescente quantidade de lixo impõe a sua separação e tratamento adequado nomeadamente a reciclagem.

As poucas lixeiras tradicionais que ainda existem pela ilha vão desaparecer, em breve. É a vida. Assim o impõem os novos desafios da preservação do ambiente e as quantidades astronómicas de lixo que os próprios agregados familiares geram.

Mas, perdoem-me a nostalgia, o desaparecimento dessas lixeiras tradicionais vão deixar triste um público próprio. Um público que vai desde os sucateiros aos angariadores de objectos para uso ou divertimento próprio mas, sobretudo, a pessoas que no lixo procuram e encontram verdadeiras preciosidades.

Preciosidades que tanto podem ser um velho baú da América cheio de autocolantes como uma imagem sacra ou um velho brinquedo de madeira ou porcelana. Como podem ser pratos antigos rachados ou cadeiras desengonçadas ou objectos pessoais como cartas ou roupas.

As lixeiras tradicionais sempre foram um manancial para quem nelas consegue (ou conseguia) descortinar vidas através dos despojos que lá vão/iam parar. Verdadeiros repositórios de vidas mudadas ou, simplesmente, acabadas. Sítios fascinantes para quem para tal tem sensibilidade e paciência.

Porque se a vida dá muitas voltas, o lixo acompanha-as e ilustra – como verdadeiros epitáfios – essas cambalhotas e reviravoltas. Permitindo trilhos e pistas que quase nos levam a sentir as vidas que já lá vão.

A prima Gestrudes foi criada com uma gota de água numa couve. Filha única e dotada para as artes nunca logrou, contudo, casar. Idos os pais e longe os pouco parentes directos lá foi fazendo o resto da sua vida, ponteada de solidão e bastante amargura.

Da menina de seus pais passou a velha e doente vivendo, sempre, na mesma casa modesta em que fora criada e aonde convivia com os objectos que, no fundo, eram também a história e o testemunho da sua vida.

E morreu, como todos nós vamos ter que fazer. Depois de uma longa agonia que não lhe permitiu usufruir a “sorte grande” que o terramoto lhe trouxera. Na forma de uma casa novinha em folha que, embora no mesmo sítio e do mesmo tamanho, lhe poderia ter proporcionado maior conforto.

Nem nisso a prima teve sorte. Ou melhor nem para gozar a sorte teve sorte. Decapitada, há muito anos, a árvore que lhe dava sombra, aí ficou, triste e solitária como a dona-que-não-chegou-a-ser, a casa que foi cenário de muito talento e sabedoria.

E da casa triste resultou também um trilho subtil na lixeira. Primeiro uns camelos de madeira de oliveira da Terra Santa. Depois um livro com marcas e cartas ainda com notas pessoais. E lá, bem mais longe, jaz o passaporte já caducado da prima. Ainda com os caracóis bem presentes na fotografia a cores.

Um trilho subtil mas que ainda assim deixou, aberta ao público, um pouco da exposição de uma vida. Que, como tantas outras que lá também foram parar, teve de tudo mas acabou em nada.

As voltas que o lixo dá! Ou dava?

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sexta-feira, agosto 29, 2008

Extinção das lagoas do Pico - um crime público

Extinção das lagoas do Pico
Um crime público


Não tendo o Pico a riqueza das lagoas de S. Miguel tem, contudo, um conjunto de lagoas lindíssimo. Com realce especial para as Lagoas do Capitão e do Caiado que, com a montanha, são um lugar obrigatório de visita para quem demanda a ilha.

A da Capitão pelo enquadramento vegetal das suas margens e pela presença constante do Pico. A do Caiado pela visão ímpar sobre o canal e São Jorge. E todas as outras, como a do Peixinho e do Paúl.

Infelizmente as Lagoas do Pico estão muito doentes. Por eutrofização como consequência do uso excessivo de adubos na vizinhança e pela utilização da sua água quer para uso agrícola quer, mesmo, para uso público.

Mas enquanto que as lagoas de S. Miguel têm sido objecto de grande preocupação nas do Pico pouco gente parece reparar. E, contudo, todas elas definham a olhos vistos. Sendo o seu desaparecimento uma questão de pouco anos.

Todos sabemos que a lavoura luta com falta de água para o gado no verão mas a sua utilização a partir das lagoas é uma situação totalmente intolerável em termos ambientais. E certamente, ainda mais, para outros fins.

A luta pela preservação de tão valioso património natural tem que ser de todos. O seu custo não poder ser apenas imputado a quem vive de uma actividade para qual é indispensável o uso de água e a utilização do solo.

De modo que é necessário a assegurar que o abastecimento de água à lavoura não passe pela sua extracção das lagoas e que quando esta for dispensável os prevaricadores sejam devidamente punidos.

Sendo também imperativo que seja suspensa a utilização da água da Lagoa do Caiado para fins públicos. Situação anómala que nunca deveria ter, alias, acontecido e que estabeleceu um precedente inaceitável.

Da mesma forma que é necessário encontrar formas de indemnização para quem tem explorações agrícolas nas imediações das lagoas. A protecção de um bem público tem que ser suportada pelo erário público.

O que não podemos é ficar, todos ou quase todos, indiferentes à deterioração galopante das nossas lagoas. Pesem, embora, planos de ordenamento e declarações públicas de defesa do ambiente. As lagoas do Pico estão a morrer, muito rapidamente

Ainda recentemente tive a acesso a um projecto de protecção da biodiversidade da Paisagem Protegida das Lagoas de Bertiandos e S Pedro de Arcos, uma área situada entre Ponte de Lima e Viana do Castelo. Um projecto designado “Biodiversidade” e destinado a alunos das Escolas do 2.º e 3.º Ciclo do Concelho de Ponte de Lima.

Projecto detalhado com objectivos bem definidos. Promover a educação e o respeito pelo meio ambiente. Sensibilizar a população escolar para a biodiversidade do nosso Planeta. Desenvolver o sentido de responsabilidade. Alertar para a importância da preservação da Natureza e das espécies.

Um exemplo que nos chega do norte e que bem ilustra a importância que é posta em valores ambientais idênticos aos nossos. Continuar a não fazer nada que se veja e se traduza na melhoria efectiva, urgente e visível das nossas lagoas será um crime público que o futuro não perdoará.

Aqui fica o desafio a todos.




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sexta-feira, agosto 15, 2008

Parabéns, Nelson Mandela

….nada de humano pode ser construído sobre o ressentimento, o ódio e a vingança
Jornal Publico



Parabéns, Nelson Mandela


Nelson Rolihlahla Mandela completou, há pouco dias, 90 anos. Uma longa vida ao serviço de um ideal e um exemplo único de coragem cívica e intransigência de princípios, mesclado de grande realismo político.

Após um longo cativeiro de 27 anos conseguiu vencer a apartheid e impedir a guerra civil – desiderato que nos parecia impossível – na Africa do Sul. Um exemplo único de tenacidade e estatura moral.

O homem que gosta de apreciar o pôr-do-sol ao som da música de Handel ou Tchaikovsky. O Prémio Nobel que dedicou a honraria que lhe foi concedida a todos os que lutam pela paz e contra o racismo.

Tomou posse como primeiro presidente, democraticamente eleito, da África do Sul em 10 de Maio de 1994 tendo abandonado a vida pública em 1999, apesar de todas as pressões para que continuasse. Assim demonstrando desapego ao poder e às honrarias.

Voltando para Qun, seu lugar de nascimento, aonde vive uma vida frugal e disciplinada. Não prescindindo do seu exercício diário e da militância em prol da paz e da tolerância.

Mandela foi uma pessoa para quem o sofrimento – e sofreu muito, durante muito tempo – foi uma oportunidade de crescimento. O seu longo encarceramento e as humilhações que sofreu poliram a sua têmpera e carácter ao invés de o tornarem um indivíduo revoltado e violento.

Certamente por isso Mandela sempre considerou Gandhi como seu mentor, quer pela filosofia da não-violência como também pela postura de dignidade face à adversidade.

Sendo, também por isso, um exemplo.

Numa África dilacerada por conflitos tribais e liderada por um vasto conjunto de tiranos corruptos, Mandela foi um verdadeiro farol. Sobretudo se pensarmos na outrora opulenta Rodésia que por via de um ditador demente e sanguinário se transformou no miserável Zimbabué de hoje.

O seu país está, ainda longe, daquilo que Mandela imaginou: uma democracia multiracial, próspera e em paz. Mas foi evitada a grande tragédia da guerra civil e da vingança e foram lançados os alicerces para o futuro, assim o queiram os actuais dirigentes sul-africanos.

A imagem de serenidade e confiança que construiu são o seu grande legado. Pois apenas líderes assim serão capazes de vencer os preconceitos raciais – ainda tão espalhados – e dar à África a dignidade de que tanto precisa.

Talvez Mandela tenha, mesmo, tido alguma responsabilidade no fenómeno Barack Hussein Obama. Talvez tenha despoletado parte do impulso que tornou possível a um negro com nome muçulmano ser um candidato credível à Casa Branca.

Parabéns Nelson Mandela, pelos noventa anos e pelo exemplo que nos deste.



P E D R O D A M A S C E N O

sexta-feira, agosto 01, 2008

Novos tempos,novos desafios

Quem trabalha assume responsabilidade
Manuel Tomás





Novos tempos, novos desafios



Ao dobrar os vinte anos, Ilha Maior ganha um novo director. Desta feita um jornalista, homem da casa, que tem a difícil tarefa de prosseguir o trabalho iniciado por Manuel Tomás, que deu ao jornal o timbre de qualidade que o impediu de se quedar por ser mais uma folha de couve da província.

Ilha Maior conheceu grandes momentos de jornalismo esclarecido, erudito e, sobretudo, descomprometido. Sem se tornar num mero entretenimento de elites conseguiu criar um quinzenário e, depois, um semanário de referência na imprensa regional.

Tive o privilégio de colaborar, praticamente, desde a primeira hora. Sempre com a maior liberdade e com os indispensáveis estímulos para prosseguir. Por isso e porque acredito, também, no futuro do jornal aqui me encontro com o entusiasmo do princípio.

A Manuel Tomás coube o lançamento dos alicerces e a consolidação do sonho do poeta. Cabe, agora, a David Borges vencer os desafios de confirmar o rumo, em plena liberdade e pluralismo, para tempos de crise.

Liberdade e pluralismo que são a base da democracia. Pilares que o próprio poder político, se esclarecido, tem todo o interesse em fomentar. Sob pena de os jornais se poderem tornar, apenas, em correias de transmissão que – ao fim e ao cabo – ninguém acaba por ler.

E que não servem, por isso, qualquer causa. Nem a dos políticos porque elogio sem isenção acaba por ser ratoeira a prazo, nem a dos leitores porque informação louva-minha e condicionada não fomenta cidadania nem promove dignidade.

Terras pequenas, em que todos se conhecem, tornam difícil a crítica, por muito correcta e justa que seja. Mas não há outro caminho. Já que, somente, este pode proporcionar pedagogia democrática e uma cultura de frontalidade amigável.

Ferramentas indispensáveis ao progresso.

Tenho orgulho de ao longo de todos estes anos ter escrito sempre o que pensava sem ter dado origem a qualquer polémica, panfletária e corriqueira. Talvez porque sempre procurei trabalhar a palavra – um instrumento da maior importância – com elevação e isenção.


Como dizia na primeira crónica que redigi para o Ilha Maior apenas pretendo ser um grão de areia. Fazendo desta coluna um espaço de reflexão, tentando intervir de forma crítica e criativa no nosso dia a dia. Procurando sempre as faces ocultas das pessoas, das ideias e dos acontecimentos.

A aventura humana é um autêntico caleidoscópio que nos revela, constantemente, uma riquíssima multiplicidade de imagens e emoções. Sendo necessária humildade e generosidade na procura dos nossos caminhos colectivos. O futuro é, necessariamente, um salto para o desconhecido que, no fundo, é o nosso destino.

Questionar o presente com coragem e determinação é a chave para um futuro mais sólido. Aceitar um quotidiano baço e cinzento por via da intimidação e da chantagem não é, portanto, caminho aceitável para quem quer o progresso e o bem-estar.

A imprensa tem, hoje, um grande peso. Que lhe confere grandes responsabilidades e lhe exige ponderação, correcção e exactidão – num contexto profundamente livre, independente e pluralista.

Acredito que seja este o rumo do novo director a quem desejo os maiores êxitos. Os novos tempos que se avizinham vão exigir novos caminhos. A Ilha Maior que deu, por via do poeta, o nome a este jornal disso bem precisa.


PEDRO DAMASCENO

sexta-feira, julho 18, 2008

POBRE ONU!

POBRE ONU!



Para quem ainda tivesse dúvidas, a incapacidade da ONU para decidir aplicar sanções severas ao regime totalitário, torcionário e sanguinário de Robert Mugabe e ao “seu” Zimbabué é sinónimo da sua nulidade.

A ONU não serve, no presente figurino, para nada. Ou melhor serve para fingir que a comunidade internacional tem um organismo que defende o direito internacional e assegura o respeito pelos direitos humanos.

Quando na prática acaba por sancionar as maiores iniquidades e ser, ela própria, agente de atrocidades como os mais recentes casos de violações e abusos perpetrados pelos seus soldados – os capacetes azuis.

A intervenção no Kosovo e a ocupação do Iraque são, por razões diferentes, dois falhanços clássicos que bem se inserem no rol de incapacidades e falhanços da comunidade internacional na Somália, no Ruanda, na Chechénia. Juntando a impotência geral perante o Darfour, o Tibete, a Birmânia e, agora, o Zimbabué.

A ONU não serve, nem sequer, para tapar o sol com a peneira.

Acaba por ser pior manter uma farsa colossal, que custa à comunidade internacional verbas colossais, do que assumir que a ONU como organização destinada a promover a concórdia e a paz, está morta e enterrada.

Embora os Estados Unidos tenham perdido a hegemonia indiscutível de que dispunham na arena internacional, a eleição do próximo presidente poderá mostrar-se crucial para o futuro daquela organização.

Se dessa eleição sair Presidente que assuma uma liderança pró activa no sentido de iniciar um processo de reforma profunda e valorização de um órgão que se pode mostrar crucial nos novos equilíbrios internacionais.

Uma ONU que tenha em linha de conta o bloco das democracias consolidadas mas que assuma o papel emergente da China, da Índia, da Rússia e do bloco islamista liderado pelo Irão e que não se esqueça da África e da América do Sul.

O mundo hoje está diferente, muito diferente. Com um declínio claro dos Estados Unidos e a ameaça silenciosa do fundamentalismo islâmico que se pode vir a mostrar o grande perigo do século. E uma China que já domina no mundo financeiro e se expande incessantemente.

O veto da China e da Rússia às sanções ao Zimbabué não surpreendeu dados os antecedentes conhecidos daqueles países. Mas veio por a nu, mais uma vez, a total incapacidade da comunidade internacional para lidar com os mais elementares arremedos de estado e as mais brutais ditaduras.

O Zimbabué passou de um país rico a um país miserável aonde se morre ou de fome ou de tiros, capitaneado por um desviante tirano octogenário acompanhado de uma esposa que esbanja ostensivamente nas capitais da moda o que o país não tem.

Uma opereta do pior gosto que se mantêm como prova de vida da impotência de uma organização que deveria ser justamente o garante das liberdades e dos direitos desde o cume dos Himalaias até às cordilheiras do Peru, passando por tudo o resto.

Pobre ONU!


P E D R O D A M A S C E N O

sexta-feira, julho 04, 2008

Discriminação positiva da pobreza. Utopia?

Discriminação positiva da pobreza
Utopia?



Parece ser hoje facto assente que países, ditos desenvolvidos, em que se incluem os Estados Unidos têm no seu seio pessoas que vivem em pobreza. Portugal, por maioria de razões, não é excepção.

Facto que decorre do agravamento dos desníveis sociais, com ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres. E que se agrava com o envelhecimento da população e a diminuição do número de trabalhadores activos.

O estado, cujas receitas não têm vindo a aumentar, tem progressiva dificuldade em manter-se como estado providência. Circunstância que penaliza, em primeira linha, os cidadãos mais vulneráveis: seja ao nível do ensino, das pensões ou da assistência médica.

Estando provado e tornado a provar que uma perspectiva de total igualitarismo dos cidadãos não é exequível nem justa seria, contudo, de esperar que sociedades democráticas e desenvolvidas garantissem padrões mínimos de qualidade de vida.

A cada um de acordo com as suas capacidades e desempenho. Mas com condições de partida semelhantes entre as quais avulta o ensino que deveria saber atenuar as diferenças de berço. Só a escola pode repor défices educacionais e culturais de origem familiar.

A maturidade de uma sociedade deveria ser avaliada pela forma como lida com o seus cidadãos mais vulneráveis: crianças, idosos, deficientes, doentes e excluídos sociais. Nunca pelo seu PIB ou pelo rendimento per capita.

O que custa muito dinheiro e implica muito rigor. Sobretudo em países como o nosso em que a avaliação dos realmente necessitados e carentes sofre de uma crónica miopia e de compadrios e fraudes sem fim.

Só assim se explica que um conceito, tão bem intencionado e necessário, como rendimento mínimo nacional se tenha tornado num tema recorrente do anedotário nacional. Porque as fraudes e a falta de rigor lhe retiraram a credibilidade.

Sabe-se lá as voltas que tanto dinheiro deu mas que não foram, decisivamente, aquelas que deveria ter dado. Vindo demonstrar que não há em Portugal uma rede de assistência que saiba identificar e acompanhar, como deve ser, as situações reais – e são muitas – de exclusão e pobreza grave.

Dá-se a quem não precisa e não se dá como deveria ser a quem precisa.

Persiste ainda a mentalidade de esmolinha e de arranjar uma coisinha em detrimento da procura de formas de integração e de contrapartidas por parte de quem recebe. Continua a dar-se o peixe (tantas vezes a quem não tem fome) e não se ensina a pescar.

A actual crise mundial que já se sente bem Portugal veio pintar de cores mais escuras os problema da pobreza e da exclusão. E não será o mero crescimento do PIB (quando e se chegar) que os irá resolver.

Terão que ser criados mecanismos eficazes e devidamente monitorizados que consigam compensar (e progressivamente anular) as profundas desigualdades e carências que ainda existem na sociedade portuguesa.

Desigualdades e carências que não servem a ninguém: nem a quem as sofre nem aos outros. Apenas uma sociedade com elevados padrões de justiça e de igualdade de oportunidades é genuinamente democrática e propiciadora de paz e bem estar.

Ou será a discriminação positiva da pobreza apenas uma utopia?





P E D R O D A M A S C E N O

sexta-feira, junho 20, 2008

A crise e nós

…a nossa cultura é que está à beira do colapso.
Simon Dolon



A crise e nós


O país tem assistido às mais variadas manifestações contra a alta dos combustíveis e as dificuldades daí derivadas. Tendo o mesmo acontecido na França, na Grã-bretanha ou na Índia.

A alta dos preços do óleo é global e os “nossos” preços reflectem essa realidade. Quaisquer medidas que o governo português possa vir a tomar não irão resolver o problema de fundo – uma séria crise energética mundial.

Apesar das anteriores crises e de subidas vertiginosas dos preços do crude, pouco ou nada, aprendemos. Após o pânico inicial voltamos ao cenário de laxismo energético.

O consumo desenfreado não abrandou e o parque automóvel tem crescido incessantemente. Os sucessivos governos não conseguiram pôr de pé nem uma política energética inovadora/alternativa com pés e cabeça nem, muito menos, implementar transportes públicos, eficazes e baratos.

As filas intermináveis de carros, com apenas uma pessoa, continuam a ser o pão-nosso de cada dia. Num esbanjamento cego e totalmente insustentável. Mesmo, entre nós, o número de carros por agregado familiar continua a crescer.

As tentavas tímidas de pôr no mercado veículos movidos a energias alternativas não tem passado disso mesmo: tentativas tímidas e sem impacto visível. E quem tivesse dúvidas ficou, certamente, esclarecido como se passou há dias em Lisboa. O caos esteve a um passo.

E, como sempre, todos se viram para ou contra o governo (seja este ou outro qualquer) como se houvesse uma solução mágica ou como se não fossemos, nós próprios, também parte do problema.

A grande dependência que as sociedades de consumo têm da energia proveniente dos combustíveis fósseis tem a ver com uma cultura de desperdício e desresponsabilização que se baseia na ideia que os recursos do planeta são infinitos e que tudo o resto são tretas de ambientalistas.

Naturalmente tendo como pano de fundo os interesses multi-multi-milionários das indústrias petrolífera e do automóvel. Que estão aí para crescer, se possível exponencialmente. Nem que isso implique custos ambientais astronómicos que todos nós já sentimos na pele.

O nosso ADN (ácido desoxirribonucleico!), um sensível conjunto de moléculas que contém as instruções genéticas que coordenam o nosso desenvolvimento e funcionamento, foi formado, ao longo de milhões de anos, em contacto com uma natureza muito diferente daquela hoje existe (urbana, poluída e violenta).

Não está, de todo, preparado para os impactos exteriores a que agora é submetido ficando abertas, por conseguinte, as portas à doença e ao sofrimento. Crescendo, assustadoramente, o número e variedade de cancros e tantas outras doenças civilizacionais.

Realidade pela qual todos nós somos, em maior ou menor medida, responsáveis. Todos nós consumimos, esbanjamos e votámos. Seja através de banhos excessivamente longos, de uma luz acesa esquecida ou de voltas e mais voltas desnecessárias de carro. Ou seja votando em políticos sem sensibilidade e/ou respeito pelo ambiente.

A crise energética que hoje se vive bem pode ser o último aviso sério para que passemos, todos nós, a ter outra atitude perante o consumo e assumir um papel mais activo na redução da dependência gravíssima que desenvolvemos em relação aos combustíveis fosseis.

Uma nova cultura e um novo estilo de vida são as chaves indispensáveis. Uma cultura que se centre na nossa condição de seres vivos inteiramente dependentes da natureza e um estilo de vida que respeite e pacifique este nosso – tão mal tratado – ADN.



PEDRO DAMASCENO

sexta-feira, junho 06, 2008

IDOSO - Um novo paradigma

IDOSO
Um novo paradigma



Longe vão os tempos em que o ser humano tinha uma esperança de vida ao nascer de 25 anos. Neste lado do mundo, nomeadamente no nosso país, essa expectativa já ultrapassou os 80 anos para as mulheres e os 75 (78 na Islândia) para os homens.

Sendo que a ideia do velhota/e de 50 e tal anos está totalmente ultrapassada e, consequentemente, aceite a ideia de que há vida para além da menopausa/andropausa. Os velhotes de há 30 anos atrás são, hoje, um grupo etário activo e cheio de vida.

E as expectativas de maior longevidade não param de crescer. No mundo científico pensa-se que o crescimento exponencial dos conhecimentos médicos sobretudo nos campos molecular e da genética irá possibilitar a vida acima da barreira dos 150 anos e mesmo mais!

Sendo os centenários – cada vez mais frequentes – uma realidade que já não espanta ninguém não surpreende, também, que as pessoas tenham progressivas expectativas de longa vida.

Sendo o envelhecimento e a morte inevitabilidades da condição de seres vivos todos temos, contudo, o sonho da juventude eterna. Que perseguimos através de sofisticados meios técnicos de rejuvenescimento e do culto de uma aparência que nos retire o rótulo de velhos.

E, realmente, um bem conservado cidadão de 70 anos de hoje nada tem a ver com um cinquentão de há 100 anos atrás. Sobretudo se aquele tiver os adequados cuidados com o diagnóstico precoce, prevenção e tratamento das doenças relacionadas com o envelhecimento.

O estado de arte da medicina do anti-envelhecimento, uma especialidade em crescimento extremamente rápido, já permite acrescentar à longevidade uma grande qualidade de vida.

O cérebro humano, ao contrário do que se pensava ainda há pouco tempo, mantém a sua vitalidade ao longo dos anos. Sendo apenas indispensável que seja protegido e mantenha uma boa actividade. A neurogénese – o aparecimento de novos neurónios (células cerebrais) – em idades avançadas é um facto estabelecido.

E o cérebro, director executivo do nosso corpo, é o responsável pela sinfonia da consciência – o bem mais precioso do Homen Sapiens e que lhe possibilita aquilo que o separa de todos outros seres vivos: o livre arbítrio.

O que vem pôr em causa o velho paradigma do idoso reformado e de pantufas aguardando, com resignação, a morte.

É hoje possível atingir idades avançadas com grande qualidade de vida e com capacidade de participação e envolvimento social. O sofisticado cérebro de um idoso em boa condição tem capacidades cognitivas e de conhecimento que levam, facilmente, a melhor com um jovem.

As velhas ideias da idade da reforma para ir para o seu cantinho estão em vias de extinção. O idoso quer participar e sentir-se útil e activo tendo todas as condições para isso. Sendo, simultaneamente, essa postura a única que lhe poderá conferir qualidade aos anos.

A sociedade precisa dos cidadãos seniores como de pão para a boca. A pujança da juventude tem que ser temperada com a sabedoria da idade e sabedoria da idade tem que ser estimulada com a pujança da juventude.

Aí está o novo paradigma. Velhos – como diz o povo – são os trapos.


PEDRO DAMASCENO

sexta-feira, maio 23, 2008

Gateway Virtual

Gateway Virtual


A confirmação de que a Ilha do Pico continuará a ter apenas uma ligação semanal com Lisboa – ainda por cima ao sábado à tarde e com escala na Terceira – vem dar consistência à ideia de que estamos perante uma gateway virtual.

Um voo por semana, ao sábado à tarde, não é uma oferta minimamente consistente e que possa estimular qualquer tipo de resposta significativa do lado da procura. Basicamente sair ou entrar ao sábado não serve para nada.

Nem para turistas nem para quem se desloque por motivos profissionais, de doença ou desportivos. É um horário que servirá, apenas, aqueles que se deslocam ao Pico em férias de saudade e a quem tanto faz. Para além de uma ou outra situação, perfeitamente esporádica.

Sabemos que a nova obrigação de transporte público prevê um aumento de lugares para o Pico, que o Governo conseguiu um bónus financeiro para os passageiros do Pico e que apenas o seu empenhamento político possibilitou a continuação da existência da gateway do Pico, que chegou a estar em causa.

O que não sendo pouco, de pouco serve.

Não partilhando a opinião de que tudo isto se deve, exclusivamente, à falta de empenhamento do governo, à manipulação sinistra por parte de um qualquer lóbi ou à má vontade da SATA e TAP; partilhamos a ideia de que de tudo isso tem um pouco. E também de alguma anemia do Pico.

O Governo, logicamente, deverá ter interesse em viabilizar o vultuoso investimento que fez e continua a fazer. Desconhecemos a existência de um lóbi que, por si só, tenha tanta força. E pensamos que as transportadoras de bandeira devem estar empenhadas em fazer os melhores negócios possíveis.

Mas o Governo podia e devia fazer mais. Não havendo lóbis sinistros e todo-poderosos há, conhecidamente, pressões e inúmeras más vontades de quem não quer o aeroporto do Pico no mapa. A TAP e a SATA continuam a mostrar défices de agressividade comercial, incompreensíveis num sector altamente competitivo como é o transporte aéreo.


O que torna tudo isto, desconcertantemente, português. Ou, como diria o Dr. Alberto João Jardim, uma grande trapalhada.

De um lado temos uma estrutura aeroportuária de grande qualidade e que ficará, a curto prazo, superiormente equipada. Do outro temos um potencial de negócio interessante constituído pelo Pico, uma ilha em perfeita expansão e consolidação turística, e por São Jorge que anseia por poder ir a e regressar de Lisboa, de forma expedita e cómoda. Sem contar com o papel de complementaridade e alternativa ao Faial.

E terá sido, também, por tudo isto que o governo fez o investimento e considerou a gateway do Pico como uma obra estruturante. Não foi, certamente, pelos lindos olhos de quem quer que seja.

O que falta, então?

Falta pegar em todos os dados e escrever uma página nova na política de transporte aéreo para as ilhas do Faial, Pico e São Jorge. Com coragem mas sem atavismos ou preconceitos, somente tendo em linha de conta que os distritos morreram há mais de 30 anos e que chegou a hora de lhes fazer o enterro, com pompa e circunstância, rumo a uma vida nova.

Se assim não for a gateway do Pico jamais deixara de ser virtual e estas ilhas serão, progressivamente, uma miragem de progresso.




P E D R O D A M A S C E N O

sexta-feira, maio 09, 2008

A fulanização da política

“A fulanização da nossa política encontra as suas raízes no nosso baixo civismo e desconhecimento geral da Política”



A fulanização da política

Os recentes acontecimentos da vida política nacional, nomeadamente as eleições directas para a liderança do PSD, têm vindo a trazer ao rubro a fulanização da nossa política.

Do que se fala é da Ferreira Leite, do Santana Lopes, do Passos Coelho, do Menezes, do Alberto João Jardim. E depois qual deles poderá vencer o Sócrates ou “ajudá-lo” a ganhar nova maioria absoluta. E de quem tem ou não o apoio do Cavaco.

De Política zero, ou muito próximo disso.

E que o Costa está chateado com o Sócrates e que o Jardim foi traído pelo Santana Lopes. Que o PSD vive de guerras de barões, baronetes e bases e que o que o pode salvar são as bases e os dirigentes patriotas – que será que patriota neste contexto quererá dizer? -.

De Política nada.

Ou seja quando o país for a votos vai decidir que pessoa vai ser primeiro-ministra/o não tendo grande relevância a questão dos partidos e, ainda menos, a dos respectivos programas. E nenhuma importância os graves problemas estruturais que o País atravessa.

No fundo irá discutir-se o Pinto da Costa é mesmo o maior ou se o Filipe Vieira não é tão mau ou se o Seabra fala melhor na televisão que o António Pedro de Vasconcelos. Ou se será desta vez que o Jardel vai entrar nos eixos.

Tudo isto com elevados níveis de adrenalina, de cerveja com tremoços e de murros em cima da mesa. Porque a maior parte destas merdas, pá, resolvia-se com uns tabefes. O que os gajos todos querem, pá, é tacho.

Ou então – nas antípodas – perora-se, em registo intelectual, horas a fio sobre os meandros dos bas-fond partidários e dos perfis psicológicos dos parceiros em contenda e dos respectivos objectivos a longo prazo. E das facaditas nas costas de uns e de outros.

Uns choram porque lhe invadiram a privacidade. Outros acotovelam-se para entrar na corrida que os poderá levar a perder a dita ou mesmo a dignidade. Uns fogem e outros transpiram.

Jardim está disponível, Santana está a ficar sem tropas e Cavaco tem um problema. A Ferreira Leite não é a “santa da ladeira” e Cavaco pode vir a ser uma força de bloqueio.

De Política zero.

Do excesso de ideologia do post 25 de Abril desceu-se às catacumbas do pragmatismo e do fulanismo deixando a falar sozinho quem ainda acha que a Política é um dos exercícios mais nobres e necessários em qualquer sociedade que se preze.

Embora as pessoas contem (e muito) porque quem faz pode ser decisivo para a eficácia e o sucesso é indispensável saber o que fazer. O embuste do conceito do fim das ideologias e dos princípios só serve a pescadores de águas turvas.

Mais do que nunca é indispensável pensar e escolher o caminho que queremos seguir. Os actores não podem sobrepor-se ao guião.



P E D R O D A M A S C E N O

sexta-feira, abril 25, 2008

A banca, as vacas e a crise

Só um louco esperaria que as taxas de juro se mantivessem a pouco mais de 2 por cento
Sarsfield Cabral

A banca, as vacas e a crise

Dizia, alguém com piada, que os bancos estão como um agricultor que, reduzido a três vacas leiteiras, as ordenha desenfreadamente de manha, à tarde e a noite com a obsessão de aumentar o seu pecúlio, ainda mais.

Escusado será dizer que o inevitável aconteceu e as vacas acabaram por morrer deixando o desventurado agricultor sem qualquer provento. Já que não tinha tido a preocupação de assegurar – se quer ao menos – o nascimento de uns bezerritos!

Foram-se o pau e a bola.

Assim anda, mutatis mutandis, a banca. Depois do tempo das vacas gordas do crédito da habitação e da venda de dinheiro a retalho amarrados a cómodas garantias chegou o tempo dos incumprimentos e dos créditos malparados.

Os bancos criaram as condições para a festa do consumo desenfreado na área da habitação e dos equipamentos como se não fosse possível saber que, mais menos dia, os juros iriam disparar. Quantos bancos não incentivaram o consumo sugerindo mobílias, carros e etc. debaixo do guarda-chuva da habitação?

A concorrência na conquista do mercado do crédito à habitação tornou-se numa luta renhida porque eram empréstimos quase desprovidos de risco. Nos últimos anos era muito mais simples conseguir crédito para habitação, quase instantâneo, do que crédito para investimento.

Fomentou-se até limites absurdos a aquisição de casa própria (tantas vezes excessiva para as reais necessidades das famílias) enquanto se deixavam as pequenas e médias empresas entregues a grandes dificuldades de tesouraria.

Arriscou-se muito pouco no crescimento económico por via do investimento e muito por via do consumo. Sendo certo que se tem sobrestimado a importância das taxas de juro no crescimento económico por via do investimento estas não deixaram de ser um factor importante.

A banca portuguesa que sempre teve uma vocação para a actividade comercial e para o retalho não tem por tradição o estabelecimento de parcerias financeiras sobretudo em áreas de inovação que são sempre acompanhadas por um maior risco.

E a economia não vai crescer essencialmente com base nos sectores tradicionais mas descobrindo áreas de negócio de valor acrescentado mas cuja previsão de sucesso/garantia de lucros é sempre muito mais difícil de contabilizar.

Os bancos escancararam as portas ao consumo em Portugal e agora, assustados com as consequências do crédito fácil que concederam, entraram numa fase de contracção e encarecimento do mesmo procurando, simultaneamente, manter os crescimentos a que se tinham habituado. Nem que seja através da prática de taxas de serviços perfeitamente especulativas.

Fechar as portas depois da casa assaltada faz lembrar a história do agricultor com as três vaquinhas. Os bancos terão – se quiseram evitar ainda maiores problemas – que prescindir dos fabulosos resultados que vinham conseguindo e terão que se contentar com outros patamares mais baixos.

E não vale a pena definirem objectivos de crescimento perfeitamente irrealistas no cenário de estagnação de economia que se vive em Portugal e na própria Europa obrigando os seus colaboradores a um permanente exercício de frustração.

Não deverá ser, apenas, o governo a tentar manter lucros baixos por via política ou com recurso ao erário público, terá que ser a própria banca que terá que aprender a lidar com o monstro que criou.

Ordenhar a vaca até esta morrer não adianta mesmo.

P E D R O D A M A S C E N O

sexta-feira, abril 11, 2008

Governo ateu ou Igreja fraca?

a Igreja prevaleceu, produziu Salazar e gozou meio século de uma quase absoluta hegemonia
Vasco Pulido Valente


Governo ateu ou Igreja fraca?

A recente afirmação do Arcebispo de Braga e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa de que o “o Governo não pode ser militantemente ateu” não pode deixar de ficar toda a gente – minimamente informada – de boca aberta.

Sendo Portugal um estado de direito não confessional é completamente absurdo que alguém com tais responsabilidades na hierarquia da Igreja Católica produza semelhante disparate.

O Estado apenas tem de assegurar, de acordo a Constituição, a total liberdade de culto religioso e prevenir que alguém possa ser prejudicada por um “delito de culto”. Devendo, simultâneamente, manter uma rigorosa neutralidade em matérias de credo.

Por outro lado o Estado deve saber interpretar as alterações de hábitos e práticas que os cidadãos tem vindo a assumir como são o caso das relações de facto, das relações homossexuais, do aborto, da contracepção, etc. e saber conduzir discussões políticas sobre estas matérias com vista a legislar.

Sendo totalmente impertinente esquecer o peso que a Igreja Católica (IC) ainda mantêm em Portugal e que a suas opiniões, mesmo as políticas, devem ser ouvidas e tidas em linha de conta é, seguramente, inaceitável que essa mesma IC confunda laicismo (que deve ser o do Estado) com ateísmo.

Sobretudo não esquecendo que a fé não começa nem acaba com a religião católica. Começa bem antes com o budismo e o judaísmo e continua, depois, com o islamismo e o protestantismo e acaba com a miríade de novas seitas que nascem quase todos os dias.

É, aliás, fantástico que seja a mesma IC que criou a Inquisição e que beneficiou de um estatuto especial especial ao longo da monarquia e durante o meio século do Salazarismo que se venha agora queixar de discriminação.

Essa acusação de ateísmo do Governo lembra, flagrantemente, a velha máxima do antigamente de que quem não é por nós é contra nós. Ateísmo é uma atitude filosófica que questiona a existência de Deus, pura e simplesmente. E que na sua versão mais recente considera mesmo perniciosa essa existência!

Ninguém tem dúvidas que na hierarquia do Estado há muito boa gente que perfilha credos religiosos e não consta que mais nenhuma das outras confissões religiosas existentes no país se tenha vindo a queixar do ateísmo do governo. Sendo que muitas se têm queixado do estatuto privilegiado da IC.

A IC atravessa, de facto, uma grave crise em Portugal essencialmente por ter vindo a deixar cair o seu papel de liderança espiritual. Começando pelo declínio evidente do sua capacidade evangélica e acabando na dificuldade crescente em perceber os sinais dos tempos e os novos desafios da sociedade de consumo em que vivemos.

As igrejas estão cada vez mais vazias e há cada vez menos padres não por causa do alegado ateísmo militante de um qualquer governo mas porque a IC se institucionalizou e passou a viver muito à sombra da bananeira, presumindo que o catolicismo dos portugueses era quase uma coisa genética.

A sociedade de consumo não tem trazido só coisas más. Tem trazido, também, grande acesso à informação e à cultura e gerou outras formas de espiritualismo que extravasam as religiões e que afirmam, mesmo, que Deus é demasiado grande para caber apenas numa delas.

Os grandes desafios da IC não estão no combate ao governo (a este ou outro qualquer) nem na procura de um bode expiatório, mas dentro de si própria: na procura de um outro caminho que a abra aos novos paradigmas sociais e lhe permita encontrar as soluções mais adequadas e uma militância evangélica apropriada para um mundo eminentemente carente de espiritualidade. Só assim poderá conhecer, novamente, a pujança.

Governo ateu ou Igreja fraca?

PEDRO DAMASCENO

sexta-feira, março 28, 2008

Educação e bom senso

Educação e bom senso


O recente episódio do filme de telemóvel em que uma professora e uma aluna se engalfinhavam numa aula e que fez o pleno da imprensa nacional, ilustra bem o ponto caricato a que chegou a situação nas nossas escolas.

Tendo despoletado uma controvérsia que teve, essencialmente, como pano de fundo a luta partidária com o PP, por exemplo, a querer ouvir a Ministra da Educação na comissão parlamentar a propósito do assunto.

Sem prejuízo de todo os debates parlamentares que possam vir a ter lugar, é surpreendente perceber que os telemóveis são permitidos nas salas de aulas e que a sua utilização em pleno trabalho escolar é possível.

Mandariam as regras do mais elementar bom senso e básica educação que tais aparelhos estivessem desligados nas salas de aulas, sem que para tal fosse necessário um decreto-lei ou uma decisão de um conselho directivo.

Como, também, é surpreendente constatar a incapacidade de uma professora para controlar uma aula, uma turma e uma aluna e a audácia do comportamento desta, revelador de uma sensação de total impunidade.

Situações e comportamentos que demonstram eloquentemente a situação de falta de autoridade democrática que se vive na sociedade portuguesa e o défice cívico gravíssimo que a falta daquela gera.

Episódios como este são consequência de um mal que atinge transversalmente o país e não apenas, nem essencialmente, consequência de uma política de educação, melhor ou pior, deste ou daquele governo.

O problema vem de trás e o que se passou na Escola Carolina Michaelis não passa da ponta do enorme icebergue da iliteracia, da irresponsabilidade e da falta de competências cívicas que mina Portugal.

Um icebergue que se instalou nas famílias, nas escolas, nos locais de trabalho e, sobretudo, na rua. Um mal pelo qual somos todos, colectivamente, responsáveis. Uma hidra colossal que nenhum Hércules parece conseguir matar.


Monstro que abre a porta a todo tipo de nostalgias da autoridade perdida do salazarismo como se um cancro fosse tratável à paulada e não com uma terapêutica devidamente programada.

Não existe em Portugal autoridade democrática porque o complexo autoritário da velha senhora ainda persiste nas nossas cabeças e acabamos por meter no mesmo saco tudo aquilo que não seja, liminarmente, licencioso.

Autoridade é fundamental para a saúde cívica de qualquer sociedade. O que importa distinguir é entre autoridade arbitrária e autoridade democrática, tendo esta por base uma interpretação do colectivo fundada no diálogo e na participação.

A sociedade portuguesa está profundamente doente porque o mal é sistémico e não será com uns caldinhos quentes e umas aspirinas que lá iremos. É indispensável abrir um amplo debate nacional em que que o pano de fundo seja o bom senso e a ponderação.

Situações como a ocorrida na Carolina Michaelis não se resolvem, certamente, à chapada mas duvida-se que se possam resolver apenas com inquéritos, debates parlamentares ou decretos leis.





P E D R O D A M A S C E N O

sexta-feira, março 14, 2008

MORRER DESNECESSARIAMENTE

Acidentes de viação provocaram 10 mortes nas semana passada
Jornais 10.03.2008


MORRER DESNECESSÁRIAMENTE


Desde o início do ano (2008), os acidentes de viação causaram 105 mortos e 366 feridos graves. Um número astronómico para um país com uma pequena população e que já lida com graves problemas de desertificação.

Tanto assim que várias Câmaras – como por exemplo Vimioso – já atribuem subsídios por cada criança nascida no concelho. E nós a desperdiçar vidas, a torto e a direito, nas estradas!

Para além dos dramas humanos que essas mortes, súbitas e imprevistas, criam fica-se com a sensação de que de que todas leis e todos os meios estão longe de serem suficientes para resolver o problema.

Num tempo em que a medicina atinge, em muitas áreas, o estado da arte e se protesta por encerramento de urgências e maternidades fica-se perplexo perante tantas vidas desbaratadas nas estradas de Portugal.

Tirando situações, felizmente pouco frequentes, de calamidades naturais e outras anomalias afins, os acidentes decorrem por norma por culpa humana que vai desde a vulgar negligência, ao alcoolismo e a conduções completamente irresponsáveis.

O que, tudo somado, se cifra num elevado défice de sentido cívico e na incapacidade crónica de entender que o acidente não acontece apenas aos outros. Mas que resulta, habitualmente, de um conjunto complexo de azelhices, distracções, abusos, etc.

Pelo que fazer mais leis e pôr mais polícias na estrada ajuda mas não resolve o problema de fundo que é, eminentemente, cultural e civilizacional. Sendo a falta de boas maneiras e práticas sociais – que têm vindo sempre a decrescer – os grandes responsáveis.

Enquanto as pessoas se comportarem na estrada como se comportam na vida vamos continuar a ser vitimados em holocaustos de chapas esfaceladas. Tudo por causa de uma pressa absurda, de um ego ferido ou de uma falta de elementar bom senso.

Recentemente esteve exposta em Lisboa Bodies (Corpos), uma polémica colecção de corpos humanos mumificados e tratados com técnicas especiais que permitem ver, de forma muito explícita, quer a extraordinária complexidade do ser humano quer a sua fragilidade.

Devia ser obrigatória (e subsidiada pelo Estado) a visita a essa exposição – e o mesmo é dizer a visita ao nosso corpo – porque, talvez assim, viéssemos a despertar para o facto de estar, essencialmente, nas nossas mãos a sua preservação.

Não há Neurocirurgia ou Cirurgia Cardíaca que nos valha perante a irresponsabilidade com que usamos os nossos corpos e os riscos levianos a que os submetemos. Tudo em nome de um gozo imediato, de uma vaidade incontrolável ou de uma falta de sentido comunitário.

Hoje fui eu, amanhã poderás ser tu. Sem excepções.

É pena que se continue a morrer desnecessariamente quando tanto se investe na saúde e na qualidade de vida e quando tanto se luta para salvar vidas humanas atingidas por doenças terríveis e inevitáveis.



P E D R O D A M A S C E N O

sexta-feira, fevereiro 29, 2008

Consumismo e animais de estimação

Consumismo e animais de estimação


A obsessão do consumo, como é sabido, já atinge as nossas ilhas, mesmo as mais rurais. Sendo o consumismo uma forma de gratificação sensorial imediata (leia-se básica), tem alastrado por todo o mundo de forma estonteante.

Tendo como base a aquisição de “bens” - com caracter eminentemente descartável - cuja posse tem a ver, sobretudo, com capacidade económica e a existência de um mercado com produtos em constante mutação/moda.

O consumismo vive da produção, em larga escala, de produtos que se torna “indispensável” adquirir para se estar na moda. Sendo irrelevante que se sejam ou não necessários para quem os compra.

Consumismo que usa, o forte apelo aos sentidos e ao imediatismo e o estar ou não na moda, como iscos. Seja vestuário, carros, telemóveis e toda uma panóplia de equipamentos e acessórios.

Não vestir à moda ou não ter isto ou aquilo que é suposto ter – mesmo que não seja de todo necessário – tornou-se uma anátema social que leva as pessoas a endividamentos e a sacrifícios pessoais que poderiam perfeitamente evitar.

Em vez de usufruir o que podem ter e disso fazerem o melhor uso, correm atrás de coisas que acabam por pouco ou nada usar. Apenas porque fazem parte das fantasias de ostentação do grupo social a que julgam pertencer.

Mas, infelizmente, a moda não se cinge a objectos. Tem vindo a atingir os chamados animais de estimação que, pela mesma lógica, são adquiridos em função do que se estima ser uma forma de importância social.

Não importando que se tratem de animais vivos que, ao fim e ao cabo, são os nossos companheiros nesta aventura que é a vida e cuja essência reside na biodiversidade. Eles próprios são, grande parte das vezes, adquiridos em função da raça/marca e do preço.

Sendo os cães o caso mais paradigmático.

Porque só gente sem imperativos sociais adopta um dos muitos rafeiros que por aí andam abandonados. Rafeiros que não dão estatuto social e, ainda por cima, são a consequência frequente dos devaneios dos animais de raça que obedecem mais aos seus instintos do que à sua casta...

De modo que há que os abandonar por aí como quem atira um objecto indesejável para o baldo do lixo. Mesmo que já mutilados (rabos e orelhas) em virtude da moda que nada se preocupa com o animal em si mas apenas com os caprichos dos donos.

O número de cães abandonados no Pico tem vindo a crescer sendo esse fenómeno consequência directa do consumismo que se aproveita da incapacidade dos animais para se defenderem para os tornar, também, em objectos descartáveis.

Um ser vivo não deveria, jamais, ser um objecto de moda. Ter um animal de estimação deveria, sempre, implicar uma grande sentido responsabilidade e respeito. Afinal não consta que algum animal tenha jamais pedido para ser de estimação de quem quer que seja.




P E D R O D A M A S C E N O

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Lei e "leises"

Lei e “leises”
Como um estado de direito se põe em causa a si próprio


O Arcebispo de Canterbury (Reino Unido) foi, recentemente, centro de uma polémica que se gerou em torno de declarações que proferiu a propósito da sharia – a lei islâmica.

Disse o citado sacerdote, Dr Rowan Williams, que há cidadãos da Grã-bretanha que não se revêem no sistema legal britânico em virtude das suas convicções religiosas. Como é o caso dos muçulmanos.

Considera, por isso, que será inevitável adoptar naquele país medidas que reconheçam a sharia como forma de resolver certas disputas – maritais, financeiras, etc. – em detrimento do sistema legal do país!

Ou seja os muçulmanos a viver em Inglaterra poderiam, nessa perspectiva, optar pela respectiva lei religiosa – a sharia – para resolveram alguns dos seus problemas. O que levado ao absurdo iria conduzir o país, bastião das democracias europeias, a um sistema de lei e “leises” completamente surrealista e iníquo.

Retomando um dos exemplos citados pelo Arcebispo de Canterbury – as disputas maritais – fica sem saber como tal regime de excepção poderia ser invocado. Naturalmente apenas pelo marido porque, como é sabido, a mulher nas sociedades islâmicas tem um estatuto marginal e secundário.

A base de qualquer estado de direito é, em primeiro lugar, um sistema judicial independente de qualquer tipo de pressões ou influências que trate os cidadãos exactamente da mesma forma.

Em segundo lugar esse sistema tem que aplicar as leis imanadas de um órgão de representação democrática, livremente eleito. Não havendo nem podendo haver modificação dessa leis em virtude de qualquer factor de ordem ideológica ou religiosa.

Os juízes nos tribunais, os políticos nos órgãos de governo, os soldados nos quartéis e os religiosos nos templos. Todos devidamente respeitados mas estando cada “macaco” no seu respectivo galho.
Da mesma forma que é impensável que um cidadão de origem espanhola a viver num país islâmico venha aludir à lei dos casamentos de homossexuais a vigorar em Espanha para poder contrair matrimónio naquele país é, igualmente, impensável que um marido de confissão islâmica queira decidir legalmente em Inglaterra o destino do seu casamento com base na sharia.

As declarações do religioso britânico são um bom exemplo das perversões a que a democracia e a tolerância, levadas ao extremo, podem conduzir. Sobretudo na mesma altura em que foi desmontada uma operação de radicais islâmicos que pretendia executar o autor dinamarquês das caricaturas de Maomé.

A total liberdade de confissão religiosa é outro dos pilares fundamentais de um estado de direito. Mas uma coisa é a liberdade de prática religiosa e outra, bem diferente, é a “liberdade” de imposição religiosa.

Nada disto teria grande importância se tudo tivesse sido dito por um mullah a viver em Inglaterra. O grave é terem sido proferidas por uma figura alta da hierarquia religiosa inglesa que, obviamente, não sabe discernir entre liberdade e licenciosidade.


P E D R O D A M A S C E N O

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

AÇORIANICES


AÇORIANICES


Ficar retido em S. Jorge, por mau tempo no canal, sendo proveniente do Pico e não conseguir fazer prova de residência nos Açores para poder beneficiar da tarifa de residente na SATA é obra. Mas acontece. Tudo entre as duas margens do canal.

Basta sair do Pico de manhã e não conseguir regressar à tarde, como previsto, por causa da intempérie. Não interessa a carta de condução emitida nos Açores e indicando morada na ilha, não interessa a carteira profissional, não interessa as comprováveis causas da deslocação, o conhecimento pessoal. Não interessam, mesmo, os números dos documentos. Nada.
Ou tens o BI e Contribuinte ou pagas tudo, mesmo que por motivos perfeitamente imprevistos e dentro de portas, no âmbito pequenino do Triângulo que queríamos que fosse maior...

A mesma burocracia pesada e desligada da realidade apesar do cartão único, do simplex, etc. Um dificuldade quase congénita de distinguir entre o essencial e o acessório.
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Mas falando do Triângulo que queremos maior. Para voar do Pico para Lisboa só à terça-feira e viva o velho. Mesmo que voar nesse dia seja o mais inconveniente possível. E é!

Então a “alternativa” é o aeroporto da Horta. Mas se for nos dias em que voo sai de tarde só é possível apanhar o dito utilizando a lanchas das 10,45 e ficar horas perdidas de seca no Faial.
Chegando de Lisboa ao aeroporto de Castelo Branco de manhã só com muita sorte é possível apanhar a lancha que parte da Horta às 10,00 horas. O que significa, inexoravelmente, outra seca.

Não sendo apologista da ideia de que essas anomalias acontecem propositadamente não deixa de ser espantoso que ninguém (desde as transportadoras aéreas à Transmaçor e ao próprio Governo Regional) se tenha preocupado com o assunto.

Não é preciso fazer nenhum inquérito no aeroporto da Horta – como algumas pessoas advogam – para saber que o tráfego com origem e/ou destino no Pico, que se destina ou vem de Lisboa e que passa por Castelo Branco é extremamente significativo para não dizer que é, pelo menos, metade.

Só não vê quem não quer ver. E já agora é fantástico que os voos de manhã da TAP de Lisboa para a Horta partam a uma hora que inviabiliza, de todo, qualquer ligação a voos provenientes da Europa. Presumindo-se que se trata de mais uma ajuda no combate à sazonalidade do nosso turismo...
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Como alguém dizia, com muita piada, os carros no Pico podiam ser mais baratos dado que não carecem de pisca-piscas. Quase ninguém os usa. E não é preciso porque a PSP está demasiado ocupada com a caça aos papeis e a montar controles/armadilhas de velocidade à beira de sinais de 30 km e outros que tais.

Para o resto – as manobras perigosas, os excessos de velocidade de pesados que nada respeitam, os estacionamentos em contravenção, a falta de civismo, a droga, etc – não têm tempo. Com as desculpas de sempre: falta de efectivos e de meios e os tribunais que lhes tiram a autoridade.

E não vale a pena insistir porque é pregar no deserto tanto mais que os efectivos são na sua maioria de origem local o que lhes limita, à partida, o exercício de um actividade que tem de reprimir e punir para ser eficaz. E as chefias principais são de “fora” e temporárias o que só vem ajudar à festa.

E esse bem precioso (direito constitucional) tão típico das ilhas - a segurança de pessoas e bens - lá se vai esfumando mercê de uma combinação de brandos costumes, receio de confrontar amigos/vizinhos/família e vontade de fazer pouco.

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sexta-feira, janeiro 04, 2008

A barbárie "goes on"

A barbárie “goes on”

O brutal assassínio de Benazir Bhutto (a primeira mulher a chefiar um governo num país islámico) veio ilustrar - se ainda fosse preciso – a barbárie que se vive no Paquistão, o aliado de George W. Bush no continente indiano na luta contra o terror e o eixo do mal!

Paquistão, um estado que não existe enquanto tal, seria o grande trunfo para travar Bin Laden e as sua hostes. E o presidente Pervez Musharraf, que nem nas “suas” tropas tem mão, seria a melhor aposta do ocidente para travar a jihad islâmica.

Poderá dizer-se que não havia outras hipóteses e que Musharraf seria o menor dos males mas a verdade é que foi um aliado tão mau como Saddam Hussein foi um mau inimigo. Derrubar Saddam com uma invasão militar foi um erro tão crasso como apoiar em meios o presidente paquistanês.

Em ambos as situações abrimos terríveis caixas de Pandora que não nos deixaram nem a pé nem a cavalo. O Iraque é um país devastado por uma guerra civil sem fim à vista e o Paquistão é um feudo islâmico dos talibans e seus aliados.

E por cima de tudo isto paira a grande sombra que dá pelo nome de Irão. Um Irão que, por sua vez, já foi o resultado da ingenuidade do ocidente que deixou cair o Xá pro-ocidental e abriu a porta ao Ayatollah Komenei, o pai do islamismo radical e da sua luta pela tomada do poder político.

Tentar instalar regimes democráticos à europeia em países sem qualquer cultura de liberdades, direitos e garantias, por intervenções militares ou por apoios económicos a líderes corruptos e sem formação democrática são apostas perdidas à partida.

Como está provado até à saciedade.

O processo de democratização resulta sempre de um amadurecimento progressivo de elites que vão criando as condições culturais e cívicas para a sua implantação. Vejamos o caso de Portugal que, passados todos estes anos, ainda experimenta dificuldades no seu exercício pleno.

Não é derrubando tigres de papel como Saddam Hussein nem apoiando políticos de opereta como Musharraf que o Ocidente vai travar a vaga islâmica e a mais do que séria ameaça nuclear iraniana como acaba, mais uma vez, de se provar.

O Ocidente tem, mais do que tudo, é de deixar de curvar a espinha perante os desígnios e a arrogância da nomenclatura dos ayatollahs, talibans e dos assustados xeiques do petróleo.
As cenas tristes que ainda recentemente ocorreram na Europa a propósito das famigeradas caricaturas de Maomé, com os líderes políticos a meterem o rabo entre as pernas, são disso prova cabal. Como foi possível titubear eventuais pedidos de desculpa (de quê?) perante a barbárie de multidões analfabetas e miseráveis manipuladas por líderes espirituais sem escrúpulos.

Religião é um assunto muito sério porque mexe com o íntimo e as convicções profundas de todos nós mas que tem que ocorrer, por isso mesmo, na maior liberdade. Sem chantagens, sem sentimentos de culpa, sem fogueiras ou autos de fé.

A Religião é para estar nas igrejas, mesquitas, sinagogas, templos e dentro de cada um de nós. Não é para se meter na política invocando a palavra de Deus em vão e, o que é pior, para oprimir, chacinar e fomentar o ódio e a discórdia.

Essa é a barbárie que vai no Paquistão e que não tardará a cá chegar se não soubermos defender os nossos valores e a nossa cultura com unhas e dentes e sem complexos de culpa. Nós também tivemos a Santa Inquisição mas soubemos derrubá-la.

Em Roma há que ser romano. Na Europa há que ser europeu: tolerante e amante de todas as liberdades, religiosas e cívicas. Quem isso não aceitar não pode cá ter lugar e muito menos ter oportunidade para nos tentar dar lições de moral.

P E D R O D A M A S C E N O