sábado, maio 30, 1992

OS MAMARRACHOS


FACE OCULTA



OS MAMARRACHOS




Mamarracho é uma palavra pouco habitual mas que significa «obra mal feita / pinta-monos» e que, sobretudo, se apropria para classificar muitas construções que, cada vez mais, surgem nesta ilha.

Se é certo que o gosto é uma questão eminentemente pessoal e que deve ser respeitada como parte da liberdade individual, não é menos certo que o ambiente é de todos, verdadeiro património comunitário. Desse modo há que respeitar o gosto pessoal mas há, também, que condicioná-lo a regras que respeitem o ambiente.

O ambiente que deve ser entendido num sentido lato: desde os aspectos eminentemente naturais a intervenções humanas. O Pico tem uma face própria que não se resume à montanha, aos verdes ou aos mistérios. Tem também um património arquitectural com características próprias que vão desde tipologias de construção até à volumetria dos edifícios.

Basta atentar-se em certas povoações que ainda estão pouco alteradas para se perceber que o Pico tinha e tem (?) uma linguagem arquitectural própria e tipologias bem definidas. Linguagem que integrava plenamente na natureza circundante, criando valores estéticos muito interessantes.

Contudo o grande surto de construção dos últimos dez anos tem vindo a fazer-se, quer a nível oficial quer privado, de forma caótica e desordenada acarretando grandes agressões da unidade arquitectural e paisagística da ilha.

Os maus exemplos, infelizmente, abundam. E tantas vezes da responsabilidade do Estado que, antes de todos, deveria velar pela manutenção e enriquecimento do Património.

E, assim, a face do Pico tem vindo, perigosamente, a transformar-se – perdendo identidade.

O progresso é necessário, mesmo imprescindível, mas pode fazer-se de forma a valorizar o património existente. Para isso há que respeitar a matriz arquitectónica tradicional da ilha condicionando as construções a regras que terão de ser definidas por critérios culturais, técnicos e políticos devidamente amadurecidos. Papel que cabe, em primeira linha, às autarquias que devem impedir as agressões que diariamente, surgem na paisagem picoense. O exercício do gosto pessoal deverá ter balizas bem definidas e uma eficaz fiscalização terá que ser exercida.

Finalmente chegaram os planos gerais de urbanização e os planos directores municipais. Ainda bem, sejam bem-vindos, mas que sejam instrumentos vivos da transformação criteriosa que a Ilha tem, necessariamente, que sofrer e não se transformem em resmas de papel nas gavetas.

Para isso é importante que haja a maior participação possível de toda a gente que tem uma palavra a dizer sobre o futuro do Pico. Porque só assim esses planos atingirão os seus objectivos e os picoenses serão co-autores na definição das linhas de força que a todos nós irão condicionar.

Sendo o ambiente o património colectivo por excelência, maior é a nossa responsabilidade na sua defesa. Defesa que bem pode começar pelo refrear e impulsos de gosto mais do que duvidoso que tanto abundam!

Abaixo os mamarrachos.




P E D R O  D A M A S C E N O


 

            

sexta-feira, maio 15, 1992

OPORTUNISMO OU SURREALISMO POLÍTICO?


FACE OCULTA



OPORTUNISMO OU SURREALISMO POLÍTICO?



Quando, calmamente, os partidos aqueciam os motores para a disputa de Outubro para a Assembleia Regional e tudo parecia no seu lugar (Mota Amaral e PSD de um lado, Martins Goulart e PS do outro) estoura a novidade política (?) do ano: afinal de contas o PS muda de ideias e parece decidido a apresentar Mário Machado como adversário de Mota Amaral. 

Num ápice o Partido Socialista manda às malvas as sua liderança e a sua estratégia, decididas em congresso, e decide optar por uma coligação pré-eleitoral com o CDS e por uma candidato a Presidente do Governo estranho ao partido!...

Assim mesmo.

De repente o Eng. Martins Goulart passa de líder regional do PS e de candidato, como é lógico e sempre foi afirmado, a Presidente do Governo Regional para o limbo, Para tanto terá bastado uma sondagem efectuada em S. Miguel e que parece ter demonstrado um melhor perfil eleitoral para Mário Machado, actual presidente da Câmara de Ponta Delgada.

Situação que é, no mínimo, estapafúrdia e surrealista.

Um partido com grandes responsabilidades na vida politica regional passa, na maior das calmas, um estatuto de parvo ao seu líder e de verbo encher ao seu congresso regional. Que se danem as pessoas e os princípios: o que importa é ganhar.

O partido Socialista que, ao longo destes anos de autonomia, sempre se afirmou como uma alternativa ao PSD, quer a nível de projecto político quer de pessoas, vem ao fim e ao cabo, confirmar aquilo que já muita gente pensava: que os partidos e os políticos são todos parecidos e o que querem é poder.

Só assim se percebe que alguma vez o PS possa sequer ter encarado semelhante hipótese a sério. Só assim faz sentido que um partido com as suas responsabilidades se tenha deixado segar pela obsessão de derrubar Mota Amaral.

Porque não é indiferente a forma como se chega ao poder. E essa sempre foi uma das bandeiras do PS.

Que autoridade passará a ter o PS, agora, para acusar o PSD de se querer manter no poder de qualquer modo quando, ele próprio, quer lá chegar a qualquer preço.

Situação que configura, mesmo, logro.

E em política o que parece é.

E mais. Suponhamos que a coligação ganha e que Mário Machado se torna Presidente do Governo Regional. Que vai acontecer então? Vai ele inscrever-se no PS e disputar a liderança do partido ou vai este passar a ter uma chefia bicéfala: Martins Goulart para constar e Mário Machado para mandar? Na primeira hipótese estar-se-á perante um claro oportunismo, na segunda perante puro surrealismo político.

Na política como na vida tem que haver uma componente ética sob pena de tudo se reduzir a competição desenfreada e implacável. Embora esteja sobejamente provado que a competição é a grande mola da vida – desde o nível pessoal ao social – não pode permitir que ela se transforme em objectivo último e único.

Ainda que seja verdade que a recta final do século vinte tenha trazido consigo perspectivas mais pragmáticas em detrimento das ideologias, não se pode fazer tábua rasa dos princípios bob pena de se dar origem a perversidades sociais graves como é o caso do «fenómeno» Le Pen em França ou dos neo-nazis na Alemanha.

Essas perversidades surgiram e, possivelmente, agravar-se-ão, em grande parte, devido à competição selvagem e amoral que ganha raízes na sociedade moderna. Situação que frequentemente leva ao saudosismo simplório de autoritarismo como forma de repor a ordem e a justiça num sistema que se mostra demasiado vulnerável à corrupção e ao oportunismo.

O Partido Socialista se vier a confirmar a troca da sua posição ideológica e ética por um prato de lentilhas estará a contribuir, também e fortemente, para a descrença e a apatia que grassam na sociedade açoriana e o mesmo é dizer para a descaracterização e abandalhamento do regime democrático e autonómico.

Oportunismo ou surrealismo político?



P E D R O  D A M A S C E N O