sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Referendo, assimetrias e alguns disparates

Prof. Marcelo é o grande ilusionista da Nação Helena Matos


Referendo, assimetrias e alguns disparates


Numa percentagem significativa – apesar do mau tempo e do carácter delicado do assunto – os portugueses votaram e foram muito claros no que disseram.

Sendo a questão do carácter não vinculativo da consulta um detalhe essencialmente jurídico. Não me parece que alguém sensato tenha ficado com dúvidas ou que, quem está no poder, possa dar o dito por não dito.

Apesar de na RTP Açores, uma jovem jornalista, ter defendido a tese mirabolante de que à semelhança do anterior (?!) este referendo não devia ser aplicado…

Tendo o anterior sido respeitado e a lei não ter sido mudada será, apenas do mais elementar bom senso e sentido democrático, que agora a lei mude. Sob pena de desmobilizar, ainda mais, o cidadão já de si pouco crente na seriedade do sistema.

Se o resultado tivesse sido tangencial tudo mudaria de figura e seria de ponderar uma proposta de lei de compromisso entre o sim e o não. Assim não sendo é uma tese inteiramente espúria e antidemocrática.

Mas um dos aspectos que deve ser salientado é a diferença no sentido de voto entre sul/norte, litoral/interior e continente/regiões autónomas. Valores perfeitamente discrepantes nalguns casos atingido os 100% para o sim e noutros os 100% para o não.

O que, com a excepção dos Açores, corresponde às votações partidárias à esquerda e à direita. No Alentejo o sim na zona de grande influência do PCP, no Minho e nas zonas de grande influência do PSD e do CDS/PP o não.

O que significa que ainda há três Portugal: o de cima, o de baixo e o das ilhas sobretudo da Madeira que continua ser um “case study” da democracia portuguesa.

Embora esta realidade não deva ser ignorada é totalmente caricato que um desnorteado deputado regional de S. Miguel chegue ao cúmulo do ridículo de pretender apresentar uma proposta para que a lei não seja aplicável na Região Autónoma dos Açores!

Faz lembrar a história, verídica ou não, do Concílio de Trento em que um bispo português pediu a isenção do celibato, ao menos para os padres de Barroso…

Portugal é um todo e não uma manta de remendos. Uma realidade em que todos devem ser respeitados e aonde deve prevalecer a união do estado. Levado ao extremo poderíamos ter Mirandela, também a pedir a não aplicação da lei e por aí fora.

Como afirmamos antes do início da campanha a opção era, tipicamente, do foro íntimo e pessoal. Vemos, contudo, assimetrias que denunciam sistemas de valores muito diferentes que, por coincidência ou não, correspondem a opções partidárias.

O Prof. Marcelo, cidadão superiormente inteligente, foi o exemplo mais acabado de malabarismos intelectuais tentando demonstrar que o não também era sim e o inverso. Não contribuindo, assim, para a imprescindível clareza cristalina do debate.

Anular essas assimetrias parece-me ser um combate cultural e político da maior importância: aproximar os cidadãos buscando um largo denominador comum que nos faça sentir – a todos – melhor.



P E D R O D A M A S C E N O

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Negociar com firmeza

Mesmo os fanáticos mais radicais possuem instinto de sobrevivência
José Manuel Fernandes



Negociar com firmeza


A actual situação do Iraque veio demonstrar, para quem tivesse dúvidas, que o simples uso da força pode ser contraproducente criando um cenário, porventura, pior do que o previamente existente.

O estado de guerra civil instalado naquele país criou uma situação humana, social e económica bem mais negativa da que existia ao tempo do ditador Saddam Hussein.

O voluntarismo americano baseado numa mentira e apoiado por um desconhecimento profundo do terreno abriu a porta a uma situação que deixou de ter solução militar.

Como é evidente não serão mais uns milhares de soldados ianques que irão resolver o que quer que seja. Serão mais jovens a morrer, mais atentados a serem perpetrados e mais radicalismos.

Uma escalada imparável.

É lamentável que se tenha tornado tão banal a notícia diária de mais um atentado suicídio bombista em Bagdad com dezenas de mortos a que já ninguém liga. Tornou-se “normal” morrer por atentado na antiga Mesopotâmia.

Numa demonstração inequívoca de como é possível que em 2007 se assista a tamanhas barbaridades perante uma comunidade internacional castrada e bloqueada.

Com as Nações Unidas lamentando tal estado de coisas mas sem serem capazes de fazer nada. E com George W. Bush patenteando uma total incapacidade para perceber que a guerra está perdida e que, apenas, resta a via diplomática.

Negociar a paz no Iraque será uma tarefa ciclópica e que exigirá grande capacidade diplomático, conhecimento profundo do terreno e uma enorme firmeza mas será, inevitavelmente, a única saída.

Não sendo sequer necessário relembrar o conflito do Vietname que teve outros contornos mas que, também, foi uma claríssima derrota militar dos americanos. Sendo certo que a guerra do Iraque está, objectivamente, perdida.

Os Estados Unidos e os seus aliados militares não conseguem, nem ao menos, assegurar minimamente a ordem pública quanto mais assegurar a transição pacífica para uma democracia. Democracia que, alias, não é possível criar por decreto.

Compreensão que Bush e o seu núcleo duro continuam a não querer assumir: o tempo para uma solução militar está, há muito ultrapassado e para uma saída airosa também.

Apenas negociações conduzidas com base num consenso negociado entre republicanos e democratas e com as forças democráticas do resto do mundo poderão dar início a uma solução que será, mesmo assim, imperfeita.

Negociações que, por serem consensuais, poderão exercer um efeito dissuasor mesmo junto dos sectores mais radicais. Que sendo radicais tem, mesmo assim, instinto de sobrevivência e sabem distinguir muito bem entre firmeza real e radicalismo verbal inconsequente.

A diplomacia só é efectiva quando acompanhada de uma pressão forte e credível.




P E D R O D A M A S C E N O