sexta-feira, março 25, 2011

JAPÃO E KADHAFI

JAPÃO E KADHAFI

Aparentemente sem qualquer relação entre elas, duas realidades tão distantes e, no entanto, tão próximas nos seus respectivos dramas. Um feito pela mão da natureza e o outro pela mão do homem.

Uns sobrevivendo a uma catástrofe natural de proporções gigantescas outros sucumbindo aos ditames sanguinários de um ditador psicopata. Tudo quase em directo nossas televisões.

Enquanto no Japão os sobreviventes juntam em improvisadas casas de cartão os pouco haveres que lhes restaram e, ordeira e agradecidamente, aguardam ao auxílio que lhes chega; outros são chacinados numa luta desigual.

Assim vai o nosso mundo.

A forma heróica como os japoneses encararam o terramoto/tsunami e encaram agora a ameaça nuclear encontra um denominador comum com a forma determinada como os resistentes líbios enfrentam, com armas rudimentares, o poder de fogo do seu demente líder.

Os acontecimentos do Japão vieram provar, para quem ainda tivesse dúvidas, a nossa impotência perante as forças naturais em fúria. Não há tecnologia nem prevenção que nos valha e o País do Sol Nascente é, certamente, um exemplo do estado da arte da tecnologia e da disciplina.

Séculos passados sobre a instauração do regime democrático em Inglaterra ainda se morre por delitos de opinião e a liberdade cívica (que tomamos completamente de barato) é uma miragem reprimida sem apelo nem agravo. Perante uma comunidade internacional de mãos atadas e que, só agora, tomou uma posição.

A situação de perigo nuclear em Fukushima veio colocar a questão da energia nuclear noutro patamar. A sua inocuidade ficou completamente em causa e os futuros debates sobre essa questão serão certamente diferentes. Nunca esquecendo que a energia emitida pelo Sol é milhares de vezes superior às nossas necessidades globais.

Mais uma vez a ONU veio provar ser um órgão burocrático e dilacerado por contradições internas que o tornam um peso quase morto no que diz respeito à mediação de conflitos. A Costa do Marfim continua sem solução à vista sendo a situação humanitária muito séria e tendo número de pessoas deslocadas aumentado 10 vezes desde Dezembro. A Líbia é o que se vê.

O comportamento do japoneses perante a adversidade constitui um exemplo para todos nós, minimizando os terríveis impactos de uma destruição maciça e mostrando o que a cultura e educação cívica podem fazer. Sobretudo para nós latinos, especialistas em fazer tempestades em copos de água.

A total falta de respeito pelos mais elementares direitos humanos na Líbia vem chamar a atenção para os perigos da chamada política realista que sacrifica quase tudo em nome do “sacrossanto” petróleo tendo colocado Kadhafi na qualidade de chefe de estado respeitado e a respeitar!

Possivelmente o paradigma dos grandes centros urbanos e a da concentração de milhões de pessoas em cidades terá que ser posto em causa. Ontem o Rio de Janeiro hoje Miyagi. Números astronómicos: 24.000 desaparecidos com 270.000 desalojados, dados que questionam o modelo de ocupação do solo.

Depois dos insucessos do Iraque, do Afeganistão, da Costa do Marfim e da atabalhoada “intervenção” na Líbia será necessário repensar o modelo de actuação da ONU perante países que, escudados por uma putativa nacionalidade, cometem as maiores atrocidades. Encontrando consensos que efectivamente resolvam os problemas e abolindo as hipocrisias em que as Nações Unidas são useiras e vezeiras.

Muito para reflectir no rescaldo de tudo isto.


P E D R O D A M A S C E N O