domingo, dezembro 28, 2003

O Aborto no País-Para-Inglês-Ver

O Aborto
no País-Para-Inglês-Ver


É perfeitamente fascinante assistir a alguns debates sobre o aborto que ocorrem neste País-Para-Inglês-Ver aonde as aparências continuam a contar mais do que tudo. Num misto de hipocrisia e de intelectualismo barroco centra-se o debate nas altas questões da biologia e nos conceitos de memória celular. Num país, ainda, fortemente rural e com níveis de escolaridade abaixo da média europeia transforma-se uma questão eminentemente social e de caracter prático no debate último sobre a essência da vida e no seu valor supremo!

Num país aonde, semanalmente, morrem pessoas na estrada integrado num mundo aonde, todos os dias, morrem milhares de seres humanos de fome, de sida e em conseqüência dos mais variados conflitos militares e políticos; numa realidade, à escala mundial, em que a vida humana vale tão pouco; não deixa de ser irónico que percamos horas de intermináveis debates que não passam, em grande parte dos casos, de uma mescla de interesses religioso-institucionais e político-eleitoralistas.

Com ou sem lei despenalizadora, o aborto ou a interrupção voluntária da gravidez (IVG), como se preferir, é em Portugal uma prática extremamente difundida. Situação que transitou do tempo da “antiga senhora” e que mantem acutilante actualidade apesar da proliferação de meios anti-conceptivos e das ditas políticas (?) de planeamento familiar. Medidas que, em 30 anos de democracia, foram insuficientes para resolver o problema.

A questão da legislação sobre a IVG não é, por conseguinte, uma questão religiosa ou moral. É uma questão eminentemente social e política que tem lugar num estado laico e de direito. O Estado Português não pode nem deve deixar que toda esta questão se centre em debates de natureza religiosa ou moral. Portugal não é um estado religioso e não representa nem pode representar orientações de caracter confessional e, muito menos, consagra-las na lei.

O debate religioso e moral cabe, com toda a legitimidade, às várias confissões religiosas e/ou morais com preponderância especial da Igreja Católica que continua a representar, pelo menos teoricamente, um elevado número de portugueses. Mas, como é sabido, a questão da despenalização do aborto não passa por o tornar obrigatório!.. E, certamente, essas instituições/organizações saberão como manter a ordem no seu seio através de todos os debates e/ou campanhas que entendam promover.

O que não é legítimo nem aceitável é essas instituições interfiram, com base em conceitos morais ou confessionais, numa área que é de caracter estritamente jurídico e social já que se trata de decidir sobre uma norma que visa enfrentar, de forma realista e socialmente justa, uma questão maior de saúde pública e de defesa dos mais desprotegidos/vulneráveis. Uma área que embora - reconheça-se - tendo implicações religiosa e/ou morais tem que ser tratada com bom senso e equilíbrio sob pena de se questionar a própria democracia.

Uma área que é, também, do foro íntimo e pessoal. Porque se o problema da IVG fosse apenas uma questão moral então não faria sentido, também, qualquer tipo de excepção como as que já estão consagradas na lei: violação, deformações graves do feto, perigo de vida eminente para a mãe. Hipótese totalmente absurda num estado democrático que visa promover e defender os seus cidadãos. E se é verdade que as situações de excepção que a lei já consagra são casos limites há, contudo, um interminável conjunto de situações intermédias de índole pessoal e social que ninguém pode, antecipadamente, julgar.

Há, pois, que investir a sério no planeamento familiar e no acesso, universal e gratuito, aos métodos anticoncepcionais bem como nas áreas educacionais susceptíveis de elevar o nosso nível cívico e o nosso sentido de responsabilidade no contexto de uma sensibilização e informação na área sexual e dos comportamentos de risco.

Quer queiramos quer não, o nosso país continua a manter défices sociais, culturais e, mesmo, de iletracia muito elevados. Somos um país em que as classes mais desprotegidas têm um peso muito significativo e em que as desigualdades sociais são, ainda, muito marcadas. Situação que, por si só, implica evidentes défices democráticos que só poderão ser supridos mediante o investimento sistemático e profundo na educação, quer seja nas escolas quer seja fora delas.

Está totalmente provado que a penalização do aborto não tem efeitos visíveis no controle da sua prática tendo, antes, efeitos indiscutíveis a nível da penalização da saúde das portuguesas em conseqüência de uma florescente actividade ilegal e incompetente de abortamentos. Único grupo que lucra, objectivamente, com a presente situação.

E verdadeira democracia é aquela que diagnostica os seus défices e os procura corrigir e não aquela que os procura ocultar. E o combate ao aborto, prática perfeitamente evitável com os meios técnicos que dispomos, faz-se no plano do combate à exclusão social, à iletracia e ao desnorte cívico e de valores da nossa juventude. Não se faz punindo quem não encontra outra alternativa/saída.

Há, portanto, que legislar com bom senso e equilíbrio tendo em linha de conta os valores da vida humana mas em toda a sua plenitude e não apenas no sentido mais restrito. Há que pensar em tudo: no direito à vida mas também na sua qualidade e viabilidade pondo de lado chavões de qualquer tipo. Como, de resto, acontece no espaço europeu aonde nos integramos.

Temos, em definitivo, que deixar de ser apenas o País-Para-Inglês-Ver.



P E D R O D A M A S C E N O

quinta-feira, outubro 23, 2003

Os noticiários do nosso descontentamento

Os noticiários do nosso descontentamento
ou os arautos da desgraça


Quase (inversamente) proporcional ao avanço das tecnologias multimédias e de telecomunicações decresce a nossa vontade de ver noticiários televisivos, quer das privadas quer das públicas. Ou porque são chatos (entrevistas intermináveis sobre assuntos desprovidos de interesse com pessoas que nem falar sabem) ou porque se limitam a dois ou três temas da moda (Médio Oriente, Iraque, Casa Pia) que repetem até à exaustão como este mundo multifacetado e, tantas vezes, fascinante não passasse disso.

Os noticiários que deveriam ser uma oportunidade de oiro para trazer junto do grande público um sentido positivo da vida e do que de relevante acontece em termos do nosso progresso a todos os níveis, não passam – na generalidade – de palco de disputa de audiências e, o mesmo é dizer, de procura de sensacionalismo que passa por escândalos, política barata, violência e mesmo por pura ordinarice.

Se não andássemos por este mundo de olhos abertos (quem anda!) seríamos tentados a pensar que o Juízo Final se aproxima a passos de gigante porque pouco ou nada de puro, positivo ou, simplesmente, interessante acontece. E assim, a nossa percepção colectiva vai sendo inquinada de um pessimismo/derrotismo que vai minando a nossa vontade de participar na vida comunitária remetendo-nos para um individualismo feroz, tantas vezes, perto de verdadeiro autismo.

É importante que haja rigor e verdade na informação e que não se escamoteiem matérias que, embora deprimentes e dolorosas, devem ser conhecidas das pessoas porque este mundo não é um mar de rosas e é importante que haja consciência colectiva dos atropelos, injustiças e crimes que se cometem neste planeta. Mas não faz sentido que, simultaneamente, não se faça, sistematicamente, eco das coisas extremamente positivas que podem ser exemplos importantes para sociedades que, em crise aberta de valores, procuram um caminho.

Sobretudo não se entende que as próprias televisões públicas, que deveriam ter um papel pedagógico inestimável, caiam precisamente no mesmo rol de desgraças e se prestem a um papel que em nada dignifica um serviço que deveria estar do lado de uma apresentação equilibrada do que acontece no país e no mundo sem receio de conquista de audiências a qualquer preço. Não se tratar de tentar infantilizar as pessoas através de lupas cor de rosa mas tão somente de fazer o trabalho de casa, em condições, de modo a poder apresentar diariamente aos cidadãos deste país informação digerida e global que represente aquilo que, efectivamente, acontece cá e no mundo.

Suspeito bem que é mais fácil e barato apresentar os “enlatados” noticiosos que estão na moda do que fazer o trabalho de pesquiza e de campo que uma informação verdadeiramente consistente e rigorosa exige. Vamos todos para aqui e para ali, aos bandos de câmaras e repórteres, e deixemos de mão aquilo que é considerado pouco ou nada mediático (?) embora possa ser da maior importância e qualidade. Não há escândalo, não há crime, não há sexo, não há violência, então que chatisse! Já viram a chatisse que os noticiários seriam se não houvesse a Casa Pia, o Carlos Cruz e o Paulo Pedroso? E que seria de nós que assim não poderíamos armar em juízes e dar “doutas” sentenças à mesa do café?

A chatisse que seria se tivéssemos que falar da poluição, do ambiente, da falta de valores e referencias que, cada vez mais, se fazem sentir na nossa sociedade?! A sensaboria que seria se tivéssemos reflectir sobre as perpectivas do nosso desenvolvimento e da necessidade imperiosa de mais educação e formação para podermos enfrentar os desafios do alargamento da Europa aos países de leste ou então que tivéssemos que começar a pagar impostos para assegurar as receitas indispensáveis ao investimento público que falta por todo lado?!

E a desgraça que não seria se nos tirassem as horas e horas de intermináveis de debates sobre o futebol? Iríamos falar de quê? O que poderia substituir aquelas imagens que nos permitem chamar cego e burro, entre outros mimos, aos árbitros que não viu aquilo que todos nós vimos? É bem verdade que vida não pode ser só de coisas sérias ou “intelectuais” mas não pode também ser também apenas futebol, fado e circo.

Os nossos noticiários (sobretudos os públicos) deveriam ser, por excelência, momentos de informação, reflexão e formação. Oportunidades de trazer à colação temas e assuntos que apenas uma câmara de televisão e jornalistas competentes e com talento podem fazer. Sobretudo num país em que as assimetrias sociais e culturais ainda são tão vincadas.

É bem pena que se limitem a ser apenas os arautos da nossa desgraça e do nosso descontentamento





P E D R O D A M A S C E N O

segunda-feira, setembro 22, 2003

Consumir até onde?

Consumir até onde?



Uma vez satisfeitas as necessidade básicas, dinheiro não tem nada a ver com felicidade
Oliver James



Saudando todas as manifestações de progresso económico – enquanto formas saudáveis e sustentáveis de assegurar o progresso social e cultural – parece ser da maior importância reflectir um pouco sobre a “fome” de consumo que começou, visIvelmente, a tomar conta das nossa vidas de ilhéus.

A chegada à nossas terras da cultura do excesso que nos está a atirar, também, para um espiral interminável de compras deve suscitar algumas perguntas quase ingénuas. Quantos pares de sapatos e trapos precisa, realmente, uma pessoa? Quantos carros? Quantas televisões? Perguntas, talvez ingénuas, mas que ninguém se atreve a perguntar numa cultura que estimula o consumo desenfreado e a satisfação imediata dos desejos individuais, por mais disparatados ou fúteis que possam ser.

Atitudes e práticas comunitárias, partilha, sentido de poupança e reciclagem são conceitos que não aumentam a procura de bens de consumo nem tão pouco estimulam o designado “crescimento económico”. Pelo que preferimos ignorar os sinais de aviso – aumento da violência, das depressões, dos suicídios, dos comprtamentos compulsivos – que nos chegam dos “paraísos” de consumo. Ficando-nos por questões bem mais comezinhas como assegurar uma televisão em cada quarto de cada criancinha ou comprar mais um electrodoméstico desnecessário.

O que leva à aparente contradição que afecta, crescentemente as nossas sociedades ocidentais: uma probreza espiritual aguda no meio de prosperidade material inaudita. Enquanto que a nossa qualidade de vida se degrada em virtude de um insaciável apetite por bens materiais, bem aguçado pela publicidade que nos assalta por todo lado (agora até nas casa de banho?) e nos cria novas insatisfações que nos levam a comprar mais.

Levando a situações caricatas como a da existência de um programa de televisão inglês que se propõe ajudar os espectadores a desembaraçarem-se das coisas desnecessárias acumuladas em casa! Obviamente escamoteando a questão de fundo: não comprar desmedidamente coisas desnecessárias apenas por causa dum anúncio ou de manter a paridade com o vizinho do lado! Daí que a aquisição demesurada de bens materiais não faz parte da solução que vise assegurar o crescimento económico, sustentável e socialmente, justo mas sim parte do problema.

Levando a que um dos grandes dilemas da “prosperidade” seja o que de que quanto mais tens mais queres não tendo sido possível encontrar consenso, mesmo em países bem mais ricos que o nosso, para encontrar patamares de conforto e bem estar e que, simultaneamente, satisfaçam as pessoas e permitam parar com a exploração desenfreada do planeta – nossa única e verdadeira casa. Mas que, pelo contrário, que o “virus” do consumismo do nosso estilo de vida ocidental se esteja e espalhar pelo mundo a ponto do presidente chinês ter apontado como meta para 2020 quadriplicar o PIB da China, obviamente através do aumento do consumo dos cidadãos!

Talvez que uma das vacinas possíveis para esse virús seja alimentar a nossa espiritualidade e, por aí, redefinir os nossos conceitos de qualidade de vida, medindo a prosperidade não apenas pelo crescimento contínuo do PIB mas por outros parametros nada menos importantes: ar e água puros, boa saúde, biodiversidade assegurada, paz e tranquilidade, etc, etc. Pelo que seria importante retomar velhos hábitos que, na nossa terra, ainda não estão tão distantes: deixar de nos preocuparmos tanto com o que não temos para nos preocuparmos mais com o que podemos partilhar.

Deixando no ar não a pergunta sacramental de quanto temos e até onde podemos consumir mas aquela que é, efectivamente, crucial: até onde vão o planeta e as comunidades que nele vivem aguentar?

P E D R O D A M A S C E N O

Para uma Secretaria Regional do Ambiente e turismo



Para uma Secretaria Regional do Ambiente e Turismo
Passar das palavras aos actos


A cerca de um ano de eleições legislativas regionais começa a ser necessário “aquecer os motores” e, o mesmo é dizer, que novas propostas políticas surjam e que os partidos que as vão disputar se mostrem inovadores. Para além das pessoas que teremos que escolher para nos governar há que optar pelas políticas e objectivos estratégicos que melhor sirvam os interesses do nosso desenvolvimento integral.

E falar em desenvolvimento integral (económico, social e cultural) no Açores é quase sinónimo de falar em Ambiente e Turismo. Ambiente porque é o nosso grande património, a nossa verdadeira galinha de ovos de ouro e Turismo porque é o sector que poderá ser a chave do nosso crescimento económico sustentável.

Depois dos ciclos da laranja e da vaca (com os impactos florestais e hídricos negativos que se conhecem) o caminho para a Região é o turismo que deverá ser o motor da economia bem como o grande defensor do ambiente e dos nossos recursos naturais. Porque turismo pode e deve ser uma actividade catalisadora de um ordenamento cuidado e de intervenções que venham melhorar inúmeras zonas abandonadas e/ou descuidadas que existem por todos os Açores.

O discurso do ambiente e da defesa da natureza tem de passar das palavras aos actos. A criação da Secretaria Regional do Ambiente foi, sem dúvida, um passo importante, mas não suficiente. Não suficiente pela falta de meios e por não pesar ainda, como devia, na vida económica da Região. O Ambiente já faz parte do discurso politicamente correcto mas continua a ser um sector marginal em vez de ser, como devia, uma área perfeitamente central na vida económica dos Açores.

O grande potencial da Região é, indiscutivelmente, a qualidade do nossa natureza (infelizmente já com “feridas” lamentáveis aqui e ali). Nisso toda a gente parece estar de acordo. E é, precisamente, essa a grande mais valia que nos poderá pôr no mapa do turismo europeu e americano (mercado, a nosso ver, com grandes potencialidades). O que implica uma política ambiental e de ordenamento extremamente rigorosa para além de conceitos hoteleiros e turísticos virados para o turismo de natureza e de usufruto do mar.


Por outro lado, o turismo não é, necessariamente, uma sentença de morte para o ambiente e qualidade de vida. Se é certo que em muitos casos o foi – veja-se o exemplo paradigmático do Algarve que em pouco mais de 30 anos rebentou pelas costuras – em muitos outros (por exemplo a Patagônia, a Bolívia e Lanzarote ) foi a maneira de financiar um melhor ordenamento e dar vocação financeira a zonas que, à partida, se apresentavam problemáticas em termos de desenvolvimento.

Mas é sabido que a natureza e o ambiente não são actividades que sejam, por si só, rentáveis. Daqui que caiba um papel fundamental ao Estado que terá que dispor de recursos financeiros apreciáveis para esse fim. Preservar e ordenar o ambiente tem custos elevados. E para que isso não passe de uma utopia é indispensável perceber que aquelas áreas podem gerar receitas muito significativas a jusante. Como é o caso do turismo que dependerá para o seu pleno sucesso, cada vez mais, do ambiente e dos recursos naturais. Relação e dependência que, a nosso ver, implica um casamento perfeito!

Embora tratando-se de um sector económico que, teoricamente, deveria estar no âmbito de uma secretaria da economia, o turismo tem, e cada vez terá mais, uma importância que lhe confere a necessidade de ter uma grande autonomia e de estar organicamente ligado ao ambiente. Não deve continuar a ser apenas mais uma área debaixo do grande guarda chuva da economia.

Há anos o PSD encetou uma relação entre turismo e ambiente tendo criado a Secretaria Regional do Turismo e Ambiente. Embora tendo percebido a relação natural entre os dois sectores subalternizou o ambiente ao turismo dando àquele um caracter subsidiário e de segunda linha. Mas entendeu, contudo, essa ligação atribuindo ao sector do turismo uma importância de grande relevância. Faltou-lhe perceber que ao leme devia estar o Ambiente.

Constatações que, a nosso ver, fundamentam a necessidade imperiosa da criação da Secretaria Regional do Ambiente e Turismo.

Criação que irá unir, institucionalmente, dois sectores que estão efectivamente ligados por uma espécie de cordão umbilical, mas dando ao Ambiente a relevância que ele terá que ter de modo a poder assegurar uma política de turismo de sucesso. A inclusão do Turismo no Ambiente irá trazer a este uma importância decisiva no plano económico e àquele uma sensibilidade e um rigor decisivos para a sua sustentabilidade. Embora podendo parecer uma união heterodoxa trata-se de uma simbiose eventualmente perfeita embora, talvez, não politicamente correcta.

Sendo mais caros em termos de acesso que os nossos concorrentes directos (Madeira e Canárias), não oferecendo uma hotelaria e uma organização turística com os mesmos níveis de profissionalismo, não sendo um destino de sol e praia teremos necessariamente, que oferecer alguma mais valia que nos diferencie e justifique os preços mais elevados. Mais valia e diferença que, apenas, poderão ser encontrados na qualidade superior do nosso ambiente e dos recursos naturais. E esses patamares de qualidade, único passaporte válido para um futuro promissor, só poderão ser atingidos com uma política de plena integração entre ambiente e turismo. Resposta que, apenas, a nova secretaria poderá assegurar. Assim não sendo será o continuar doloroso da política das capelinhas, com sectores fundamentais de costas, uns para os outros.

Secretaria que deverá ter como responsável alguém com o indispensável peso político para poder impor medidas eminentemente transversais que afectarão toda a actividade governativa e que consiga fazer a síntese entre a consistência ideológica e de convicções de que o Ambiente necessita e o sentido pragmático e criativo que o Turismo impõe. Secretaria que consiga tirar os Açores da cauda do investimento no Ambiente a nível nacional, como aconteceu na última década!... Se assim não for arriscamo-nos a ter um Ambiente olhado de soslaio por quem quer, apenas, o lucro fácil e rápido e um Turismo contestado por quem luta por um desenvolvimento sustentável e pela qualidade de vida.

Tudo isto numa perspectiva, moderna e inovadora, que responda aos desafios e necessidade de um mundo incerto e inseguro que procura, cada vez mais, a paz e a tranquilidade aonde ainda são possíveis. Um verdadeiro desafio para os partidos que irão disputar as próximas eleições e para os políticos que aspiram dirigir os nossos destinos.

P E D R O D A M A S C E N O

terça-feira, agosto 26, 2003

Tempos de come-come e bebe-bebe



Tempos de come-come e bebe-bebe



Nestes tempos de “come-come e bebe-bebe” em que se perde, cada vez mais, a noção de refeição é oportuno reflectir um pouco sobre essa actividade imemorial que é o comer e beber.

Comer e beber são, antes de tudo, necessidades fundamentais da vida. Tão fundamentais que no advento do homem geravam, mesmo, a sua actividade principal. Os nossos antepassados mais longínquos passavam, possivelmente, a maior parte do seu tempo à procura dos imprescindíveis alimentos.

De lá até hoje - sociedade de consumo – passamos por muitas fases: pela fome pura e simples, pela escassez, pelos ciclos das estações e, sobretudo, pela alimentação remediada, fruto de muita criatividade e improvisação.

Até chegarmos a hoje, a sociedade da super abundância sem ciclos, com as “alternativas permanentemente oferecidas”!. As novidades próprias das diferentes estações desapareceram, havendo sempre de tudo, todo o ano.

Os produtos caseiros, rústicos, desiguais são, obsessivamente substituídos pela norma, pela estandardização, pela embalagem estanque, pela assepsia. Exige-se “pureza”, certificado de origem, rótulo, etc. Pede-se pão branco, arroz branco e açúcar branco – perde-se a broa, o pão caseiro, o arroz com cascas e impurezas à mistura mas mais perto da realidade.

Solitário, stressado e inseguro o homem moderno devora e não come. Consome produtos alimentares inventados para lhe captarem o apetite desmesurado que surge como válvula compensadora das suas frustrações diárias.

Como disse um médico ilustre “o come-come e o bebe-bebe triunfam enquanto morre a refeição”!

O prazer da comunhão à mesa, saboreando refeições confeccionadas com autenticidade e cuidado são substituídas por actos solitários de devorar “hamburgers”, pizzas, batatas pré-fritas, croissants etc., possivelmente acompanhados com música de furar os tímpanos. Comer, condição indispensável de vida, transforma-se, assim, em comer como factor de risco de vida com a obesidade a crescer em flecha. Enterrou-se a “slow food” (comida lenta) e deu-se lugar à “fast food”Comida rápida).

A obesidade já atingiu, “graças” aos seus estonteantes números, o estatuto de doença de direito próprio e causa de morte. Em Portugal cerca de 50% da população é obesa. Os mais jovens e os mais velhos, são cada vez mais gordos mais cedo. Ao contrário do que seria de esperar a abundância gera pobreza: come-se mais e pior. A falta de tempo da vida moderna e as modas levam a que, progressivamente, se cozinhe menos em casa dependendo das refeições pré-cozinhadas e dos anúncios da TV que nos dizem, a toda hora do dia e da noite, o que devemos comer.

Corrida inevitável para a doença e para uma morte precoce que nós açorianos – porque ainda estamos a tempo – poderemos evitar, retomando os nossos hábitos ainda bem próximos da refeição comungada e caseira, geradora de saúde e bem estar. Havendo para isso que tirar tempo para cozinhar e para comer, retomado tantas práticas que perdemos quando nos deparamos com as ofertas estonteantes dos super e hipermercados que nos modelam os nossos próprios desejos a uma lógica de mercado.

Que vivam as nossas “velhas” refeições em torno de uma mesa de família confeccionadas com produtos da terra, menos lindos, mas certamente muito mais nutritivos e autênticos. Refeições que integrem os conhecimentos e “segredos” passados de geração em geração, de avó para neta. Evitando a obsessão de comer e voltando à alegria das tradicionais e simples refeições mediterrânicas regadas, moderadamente, por autêntico vinho de uvas.

Hábitos que a ciência, agora, se não cansa de elogiar. Afinal antigamente não se comia assim tão mal em Portugal.

Tudo isto à mistura com o culto da magreza excessiva que, tantas vezes, mais não é que uma reacção neurótica às disfunções sociais e humanas de que, progressivamente, padecem as nossas sociedades ocidentais da superabundância. O que leva – suprema ironia - que à medida que as pessoas se tornam mais gordas por força de uma indústria alimentar mediática e super poderosa, gerem sentimentos de culpa que, quase sempre, conduzem a novos excessos alimentares!

Estamos, indubitavelmente, em tempos de come-come e bebe-bebe e não há festa, entre nós, que seja festa se não tiver comes e bebes.




P E D R O D A M A S C E N O

terça-feira, agosto 12, 2003

A lição dos incêndios em Portugal

A lição dos incêndios em Portugal


A tragédia que tem varrido o país – para além de devastadores prejuízos pessoais e materiais - não poderá passar sem uma reflexão minimamente profunda. A não ser assim correremos o risco de deixar a porta aberta para todos os outros desastres naturais que poderão seguir-se (inundações, ventos ciclónicos, derrames de crude, etc.) nos venham, também, fustigar impiedosamente.

E a primeira lição é, sem dúvida, a confirmação das alterações climatéricas que estão a ocorrer no globo e para cuja possibilidade temos sido sobejamente alertados. Os incêndios de Portugal são uma das facetas do que está a passar a nível global: desde a seca profunda da Europa Central até a temperatura de Londres a ultrapassar a do Cairo! Pretender que desvios tão profundos do padrão habitual como os presentes são mera coincidência ou ocorrência cíclica será de uma temeridade e insensibilidade inaceitáveis.

Até ao eventual aparecimento de provas científicas inabaláveis em contrário, a presente situação só deve ser entendida como mais um seriíssimo aviso de que estamos a assistir, em tempo real, a uma degradação grave do ambiente como conseqüência da exploração desenfreada dos nossos recursos naturais e um aumento exponencial da poluição atmosférica. Só assim estaremos em condições de procurar e encontrar soluções alternativas.

Nunca é de mais recordar a cimeira do Rio de Janeiro que lançou as bases para o acordo de Quioto (sintomaticamente não subscrito pela Administração Bush – sendo que os USA são, como toda a gente sabe, os maiores poluidores a nível mundial) que visava, precisamente, reduzir a emissão de gases para atmosfera. E como a generalidade das pessoas só se lembra de Santa Bárbara quando troveja, não consegue estabelecer uma relação causa-efeito entre o seu consumo destemperado e as suas conseqüências inevitáveis como a degradação galopante do ambiente e da qualidade de vida que trazem consigo o desequilíbrio e a doença.

E o que se tem passado no nosso país tem como primeira causa esse fenômeno global que tem atingido milhões de pessoas. Nós somos apenas mais um dos pico desse imenso icebergue, que à semelhança do Titanic, teimamos em fingir não ver. A causa maior tem sido, de facto, a onda de calor que varre o país mas, pergunta-se, porque razão ultrapassamos, nalguns dias, as temperaturas do Médio Oriente?

E depois é que vêm as grandes mazelas de Portugal: a falta de meios e organização, a falta de planeamento, o improviso, a falta de iniciativa do estado, etc, etc. Mazelas que temos que assumir colectivamente e que vêm de muito longe não procurando bodes expiatórios para, mais uma vez, tentar a esconder a nossa realidade de parente afastado da comunidade européia.

Ser da Europa não é, ou pelo menos não devia ser, exibir apenas um passaporte da comunidade.

Por entre os bombeiros exaustos e os populares que combatem, denodadamente e sem descanso, as chamas pode ver-se, nitidamente, um país que arde não apenas pelo fogo que o consome as nossas florestas mas pelo fogo que consome a nossa vida colectiva deixando-nos quase indefesos perante fenômenos naturais que temos obrigação de prever e prevenir. Não baste apenas dizer que estão acionados todos os meios disponíveis e ... bom, que seja o que Deus quiser.

É, também, preciso ver e perceber e ver as nossas debilidades e a nossa falta de sentido de segurança real. Muito mais importante que Forças Armadas (FA) para combater guerras serão FA capazes de actuar com eficácia e rapidez em cenários de catástrofes naturais complementando os meios civis disponíveis. As nossas FA terão ter logística e capacidade para assegurar a nossa real segurança e dos nosso bens e não apenas para hipotéticos conflitos armados. Não se pretende que o país se desarme mas apenas que assuma as nossas reais prioridades.

E da parte de qualquer de nós, individualmente, terá que haver a noção que são os pequenos gestos do dia a dia que mais contam: o papel e outros materiais inflamáveis que se deitam fora em qualquer lugar, o cigarro mal apagado que se atira pela janela do carro, a utilização de fontes de calor (fogueiras, fogões, etc) no exterior, a falta de limpeza das florestas e espaços públicos, etc. Não basta apenas chorar em frente da TV por causa de imagens angustiantes nem depositar uma nota, para pacificar consciência, em qualquer das contas abertas para sinistrados.

Não podemos continuar a ser um país de caridadesinhas. Hoje foi ele amanhã posso ser eu. Há que assumir, colectivamente,as responsabilidades e participar activamente na nossa vida cívica e política de modo a que possamos atingir patamares de segurança aceitáveis. Vamos pagar impostos mas vamos exigir do estado as contrapartidas adequadas para assegurar a nossa segurança, seja na estrada seja perante uma calamidade natural.

Temos que acabar com o Xico Esperto que não paga impostos par dar lugar ao cidadão que cumpre as suas obrigações fiscais (dando de barato que terão de ser equilibradas e socialmente justas) mas que depois estará em condições de exigir, com firmeza, um estado responsável, eficiente e solidário.

P E D R O D A M A S C E N O

terça-feira, julho 15, 2003

E S T Ó R I A S D E T U R I S M O


I

Aeroporto de Lisboa – Ano da Graça de 2003 – principal porta de entrada de turistas em Portugal com os carros de bagagem, impecavelmente alinhados em fila indiana. À frente da cada fila, um reluzente caça níqueis, ou melhor caça euros, única via para conseguir um desses inestimáveis poupadores das nossas colunas. Pouco ou nada interessando se proveniente de Singapura ou de Katmandou ou se, pura e simplesmente, exausto. Ou o euro ou nada e malas às costas que se faz tarde!
Apesar das taxas de aeroporto e das proverbiais faltas de conforto com que os passageiros que permaneçam no aeroporto de Lisboa, por algum tempo, têm de se confrontar ainda havia mais um empecilho a criar! Porque não se tratar de pagar mais um euro ou menos um euro. Trata-se, simplesmente, de uma intolerável exigência pelos incômodos que causa: ter ou não ter euros trocados, ter ou não essa moeda, etc, etc. Imagine-se a confusão que tal iria criar em aeroportos super movimentados como o de Heathrow em Londres.
Se a as taxas não chegam para prestar esse serviço aos passageiros que se subam as ditas ou, então, que se recorra à instituição nacional que é o subsídio. Ao fim e ao cabo serve para tanta coisa. Mas que se libertem os carros dos seus reluzentes carris e que se devolva a quem chega o usufruto de um bem indispensável e que, ao fim e ao cabo, poderá ser a chave para uma boa primeira impressão para quem chega a um país que pretende aumentar a sua quota do turismo mundial de qualidade.

II

Que pensar de listas de espera na TAP para fazer uma simples viagem Londres-Lisboa-Londres que se arrastam por meses? Mais concretamente, reservas em feitas em fins de Abril que até esta data não foi possível, ainda, confirmar e que se destinam a uma viagem para os fins de Julho! Será possível nos tempos rápidos que correm planear umas férias com mais de dois meses e meio de antecedência?
É dos livros – toda a gente sabe – que o segundo passo depois de atrair a atenção de um potencial cliente é manter esse interesse e transforma-lo numa opção de compra. Como será possível manter o interesse de um potencial visitante dos Açores se, depois de todo este tempo, ainda não sabe se vai poder fazer a viagem?! É liminarmente impossível a menos que exista um interesse muito específico e forte. O cliente irá, de outro modo, desistir e escolher outro destino.
Sabendo que esta época é a nossa oportunidade de ouro de fazer negócios e tendo em conta o ano de recessão que se vive no sector é escandaloso que existam situações destas. Afinal de contas não existem turistas ou será que é tão difícil cá chegar que metade desiste pelo caminho? São estas “pequenas” coisas que podem fazer um destino ou destruí-lo. Sobretudo quando nos vemos a braços com concorrências implacáveis que não brincam em serviço e que sabem quanto custa, a prazo, defraudar potenciais clientes/visitantes.

III

Bem, mas imaginemos que tudo correu bem, que os visitantes acabaram por conseguir confirmar as reservas, mantiveram o interesse na viagem e que cá chegaram, sãos e salvos. Para, finalmente, usufruírem das nossas belezas naturais e tranquilidade, principais razões da sua visita.
E eis que eles aí vão à conquista da ilha, no seu carro sem condutor e entregues a si mesmo, depois de não terem conseguido adquirir um mapa, minimamente detalhado e preciso. Tendo que confiar num pequeno mapa desactualizado, parco em detalhes e numa escala de consulta difícil.
Apenas, para em breve, descobrirem que a sinaléctica ou não existe ou é extremamente confusa para quem não conhece bem a ilha. Que apesar do Pico aspirar a um lugar ao sol no turismo açoriano ainda não houve engenho, arte e, possivelmente, vontade para o dotar de um conjunto de sinais inteligíveis, visíveis e, já agora, em mais de uma língua. Sobretudo no interior/planalto da ilha. Terá que ser tudo por tentativa e erro com a ajuda de alguns passantes de boa vontade.
E também para descobrirem que o que nos vale a todos nós é que o trânsito viário é escasso. Porque se não fosse teríamos que enfrentar a morte a cada curva ou a cada cruzamento. Isso de prioridades, condução sensata, respeito pelo código da estrada é letra morta. Polícia existe mas, invariavelmente, aonde não é preciso. Por isso se estaciona em qualquer lugar, incluindo curvas ou lombas, ou se fazem manobras perigosas a torto e a direito na maior impunidade.

Estórias do dia a dia do nosso turismo que teima em não acertar o passo com as incontornáveis necessidades de qualidade e eficiência para um mercado, crescentemente, exigente.




P E D R O D A M A S C E N O

domingo, junho 01, 2003

Chegaram ao Pico os Patos Bravos?

Chegaram ao Pico os Patos Bravos ?


Desde há algum tempo, têm surgido notícias sobre súbitas e avultadas intenções de investimento no turismo, sobretudo no concelho das Lajes do Pico.

Quase de surpresa a nossa pacata urbe é surpreendida por “esmolas” de vultuosas centenas de novos quartos em grandes unidades hoteleiras convencionais. Como por mágica o nosso desenvolvimento, em banho maria, é, de súbito, atordoado por uma chuva literal de projectos de grandes dimensões que, por junto, ultrapassam os quartos, presentemente, existentes na ilha!

Coisa que, para algumas cabeças excessivamente optimistas, tem a ver como o novo aeroporto. Como se o novo aeroporto, cuja importância fundamental não se contesta de todo em todo, fosse uma varinha mágica. Bem que o Faial o possui há tantos anos e que, por si só, não foi capaz proporcionar o salto qualitativo no turismo daquela ilha.

Mas que para outras, porventura mais avisadas, pode querer dizer que o Pico se tornou num alvo apetecível de quem se quer colocar numa boa posição na grelha de partida da possível explosão turística do Pico para apanhar, ainda, o comboio dos subsídios e das benesses autárquicas. Sem outras preocupações e, muito menos, de desenvolvimento sustentável.

Desenvolvimento sustentável que implica, necessariamente, equilíbrio entre os benefícios económicos e os custos ambientais e socioculturais. E que, por outro lado, assegure o aumento da qualidade de vida das populações residentes e os efeitos multiplicadores do turismo. Ou seja as antípodas dos Algarves, das Madeiras e dos Benidormes.

A riqueza do Pico consiste na associação da sua esplendorosa natureza com uma ruralidade cativante. Não somos, e ainda bem, um destino de sol e praia. Somos um diamante em bruto que terá de burilado com todo o cuidado e perícia. Teremos que ser um destino de pequenas coisas, bem pensadas e bem feitas. O nosso mercado terá de ser o dos conhecedores dos pequenos sítios simpáticos que ainda, poucos, existem por esse mundo fora.

O nosso crescimento turístico terá que ser lento e progressivo para ganhar sustentabilidade. Jamais fruto da gula desenfreada de quem apenas pensa nos ganhos, a curto prazo e a qualquer preço.

Não devemos ser velhos-do- restelo mas, ainda menos, parvos.

Chegaram ao Pico os patos bravos?


P E D R O D A M A S C E N O