O Aborto
no País-Para-Inglês-Ver
É perfeitamente fascinante assistir a alguns debates sobre o aborto que ocorrem neste País-Para-Inglês-Ver aonde as aparências continuam a contar mais do que tudo. Num misto de hipocrisia e de intelectualismo barroco centra-se o debate nas altas questões da biologia e nos conceitos de memória celular. Num país, ainda, fortemente rural e com níveis de escolaridade abaixo da média europeia transforma-se uma questão eminentemente social e de caracter prático no debate último sobre a essência da vida e no seu valor supremo!
Num país aonde, semanalmente, morrem pessoas na estrada integrado num mundo aonde, todos os dias, morrem milhares de seres humanos de fome, de sida e em conseqüência dos mais variados conflitos militares e políticos; numa realidade, à escala mundial, em que a vida humana vale tão pouco; não deixa de ser irónico que percamos horas de intermináveis debates que não passam, em grande parte dos casos, de uma mescla de interesses religioso-institucionais e político-eleitoralistas.
Com ou sem lei despenalizadora, o aborto ou a interrupção voluntária da gravidez (IVG), como se preferir, é em Portugal uma prática extremamente difundida. Situação que transitou do tempo da “antiga senhora” e que mantem acutilante actualidade apesar da proliferação de meios anti-conceptivos e das ditas políticas (?) de planeamento familiar. Medidas que, em 30 anos de democracia, foram insuficientes para resolver o problema.
A questão da legislação sobre a IVG não é, por conseguinte, uma questão religiosa ou moral. É uma questão eminentemente social e política que tem lugar num estado laico e de direito. O Estado Português não pode nem deve deixar que toda esta questão se centre em debates de natureza religiosa ou moral. Portugal não é um estado religioso e não representa nem pode representar orientações de caracter confessional e, muito menos, consagra-las na lei.
O debate religioso e moral cabe, com toda a legitimidade, às várias confissões religiosas e/ou morais com preponderância especial da Igreja Católica que continua a representar, pelo menos teoricamente, um elevado número de portugueses. Mas, como é sabido, a questão da despenalização do aborto não passa por o tornar obrigatório!.. E, certamente, essas instituições/organizações saberão como manter a ordem no seu seio através de todos os debates e/ou campanhas que entendam promover.
O que não é legítimo nem aceitável é essas instituições interfiram, com base em conceitos morais ou confessionais, numa área que é de caracter estritamente jurídico e social já que se trata de decidir sobre uma norma que visa enfrentar, de forma realista e socialmente justa, uma questão maior de saúde pública e de defesa dos mais desprotegidos/vulneráveis. Uma área que embora - reconheça-se - tendo implicações religiosa e/ou morais tem que ser tratada com bom senso e equilíbrio sob pena de se questionar a própria democracia.
Uma área que é, também, do foro íntimo e pessoal. Porque se o problema da IVG fosse apenas uma questão moral então não faria sentido, também, qualquer tipo de excepção como as que já estão consagradas na lei: violação, deformações graves do feto, perigo de vida eminente para a mãe. Hipótese totalmente absurda num estado democrático que visa promover e defender os seus cidadãos. E se é verdade que as situações de excepção que a lei já consagra são casos limites há, contudo, um interminável conjunto de situações intermédias de índole pessoal e social que ninguém pode, antecipadamente, julgar.
Há, pois, que investir a sério no planeamento familiar e no acesso, universal e gratuito, aos métodos anticoncepcionais bem como nas áreas educacionais susceptíveis de elevar o nosso nível cívico e o nosso sentido de responsabilidade no contexto de uma sensibilização e informação na área sexual e dos comportamentos de risco.
Quer queiramos quer não, o nosso país continua a manter défices sociais, culturais e, mesmo, de iletracia muito elevados. Somos um país em que as classes mais desprotegidas têm um peso muito significativo e em que as desigualdades sociais são, ainda, muito marcadas. Situação que, por si só, implica evidentes défices democráticos que só poderão ser supridos mediante o investimento sistemático e profundo na educação, quer seja nas escolas quer seja fora delas.
Está totalmente provado que a penalização do aborto não tem efeitos visíveis no controle da sua prática tendo, antes, efeitos indiscutíveis a nível da penalização da saúde das portuguesas em conseqüência de uma florescente actividade ilegal e incompetente de abortamentos. Único grupo que lucra, objectivamente, com a presente situação.
E verdadeira democracia é aquela que diagnostica os seus défices e os procura corrigir e não aquela que os procura ocultar. E o combate ao aborto, prática perfeitamente evitável com os meios técnicos que dispomos, faz-se no plano do combate à exclusão social, à iletracia e ao desnorte cívico e de valores da nossa juventude. Não se faz punindo quem não encontra outra alternativa/saída.
Há, portanto, que legislar com bom senso e equilíbrio tendo em linha de conta os valores da vida humana mas em toda a sua plenitude e não apenas no sentido mais restrito. Há que pensar em tudo: no direito à vida mas também na sua qualidade e viabilidade pondo de lado chavões de qualquer tipo. Como, de resto, acontece no espaço europeu aonde nos integramos.
Temos, em definitivo, que deixar de ser apenas o País-Para-Inglês-Ver.
P E D R O D A M A S C E N O
no País-Para-Inglês-Ver
É perfeitamente fascinante assistir a alguns debates sobre o aborto que ocorrem neste País-Para-Inglês-Ver aonde as aparências continuam a contar mais do que tudo. Num misto de hipocrisia e de intelectualismo barroco centra-se o debate nas altas questões da biologia e nos conceitos de memória celular. Num país, ainda, fortemente rural e com níveis de escolaridade abaixo da média europeia transforma-se uma questão eminentemente social e de caracter prático no debate último sobre a essência da vida e no seu valor supremo!
Num país aonde, semanalmente, morrem pessoas na estrada integrado num mundo aonde, todos os dias, morrem milhares de seres humanos de fome, de sida e em conseqüência dos mais variados conflitos militares e políticos; numa realidade, à escala mundial, em que a vida humana vale tão pouco; não deixa de ser irónico que percamos horas de intermináveis debates que não passam, em grande parte dos casos, de uma mescla de interesses religioso-institucionais e político-eleitoralistas.
Com ou sem lei despenalizadora, o aborto ou a interrupção voluntária da gravidez (IVG), como se preferir, é em Portugal uma prática extremamente difundida. Situação que transitou do tempo da “antiga senhora” e que mantem acutilante actualidade apesar da proliferação de meios anti-conceptivos e das ditas políticas (?) de planeamento familiar. Medidas que, em 30 anos de democracia, foram insuficientes para resolver o problema.
A questão da legislação sobre a IVG não é, por conseguinte, uma questão religiosa ou moral. É uma questão eminentemente social e política que tem lugar num estado laico e de direito. O Estado Português não pode nem deve deixar que toda esta questão se centre em debates de natureza religiosa ou moral. Portugal não é um estado religioso e não representa nem pode representar orientações de caracter confessional e, muito menos, consagra-las na lei.
O debate religioso e moral cabe, com toda a legitimidade, às várias confissões religiosas e/ou morais com preponderância especial da Igreja Católica que continua a representar, pelo menos teoricamente, um elevado número de portugueses. Mas, como é sabido, a questão da despenalização do aborto não passa por o tornar obrigatório!.. E, certamente, essas instituições/organizações saberão como manter a ordem no seu seio através de todos os debates e/ou campanhas que entendam promover.
O que não é legítimo nem aceitável é essas instituições interfiram, com base em conceitos morais ou confessionais, numa área que é de caracter estritamente jurídico e social já que se trata de decidir sobre uma norma que visa enfrentar, de forma realista e socialmente justa, uma questão maior de saúde pública e de defesa dos mais desprotegidos/vulneráveis. Uma área que embora - reconheça-se - tendo implicações religiosa e/ou morais tem que ser tratada com bom senso e equilíbrio sob pena de se questionar a própria democracia.
Uma área que é, também, do foro íntimo e pessoal. Porque se o problema da IVG fosse apenas uma questão moral então não faria sentido, também, qualquer tipo de excepção como as que já estão consagradas na lei: violação, deformações graves do feto, perigo de vida eminente para a mãe. Hipótese totalmente absurda num estado democrático que visa promover e defender os seus cidadãos. E se é verdade que as situações de excepção que a lei já consagra são casos limites há, contudo, um interminável conjunto de situações intermédias de índole pessoal e social que ninguém pode, antecipadamente, julgar.
Há, pois, que investir a sério no planeamento familiar e no acesso, universal e gratuito, aos métodos anticoncepcionais bem como nas áreas educacionais susceptíveis de elevar o nosso nível cívico e o nosso sentido de responsabilidade no contexto de uma sensibilização e informação na área sexual e dos comportamentos de risco.
Quer queiramos quer não, o nosso país continua a manter défices sociais, culturais e, mesmo, de iletracia muito elevados. Somos um país em que as classes mais desprotegidas têm um peso muito significativo e em que as desigualdades sociais são, ainda, muito marcadas. Situação que, por si só, implica evidentes défices democráticos que só poderão ser supridos mediante o investimento sistemático e profundo na educação, quer seja nas escolas quer seja fora delas.
Está totalmente provado que a penalização do aborto não tem efeitos visíveis no controle da sua prática tendo, antes, efeitos indiscutíveis a nível da penalização da saúde das portuguesas em conseqüência de uma florescente actividade ilegal e incompetente de abortamentos. Único grupo que lucra, objectivamente, com a presente situação.
E verdadeira democracia é aquela que diagnostica os seus défices e os procura corrigir e não aquela que os procura ocultar. E o combate ao aborto, prática perfeitamente evitável com os meios técnicos que dispomos, faz-se no plano do combate à exclusão social, à iletracia e ao desnorte cívico e de valores da nossa juventude. Não se faz punindo quem não encontra outra alternativa/saída.
Há, portanto, que legislar com bom senso e equilíbrio tendo em linha de conta os valores da vida humana mas em toda a sua plenitude e não apenas no sentido mais restrito. Há que pensar em tudo: no direito à vida mas também na sua qualidade e viabilidade pondo de lado chavões de qualquer tipo. Como, de resto, acontece no espaço europeu aonde nos integramos.
Temos, em definitivo, que deixar de ser apenas o País-Para-Inglês-Ver.
P E D R O D A M A S C E N O
1 comentário:
Sou simplesmente a favor da VIDA!
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