Meu caro Veríssimo
Soube há dias do teu passamento. Não sabia, sequer, que estavas doente. Embora soubesse seres um homem de saúde precária.
Deixas uma marca e um vazio, como todos nós. Eras um homem muito inteligente e com um grande coração – coisas que não te serviram de muito. Tiveste tudo e tiveste pouco. Abraçaste grandes causas mas não fizeste da tua vida uma causa.
Possivelmente foste feliz à tua maneira. Mas eras um cometa apetrechado para voos muito mais altos. E tiveste na mão um jogo quase só de trunfos que desbarataste, a torto e a direito. Um homem de oportunidades perdidas.
Abraçaste, com unhas e dentes, a causa maior do planeta – nossa casa comum. Foste um ambientalista convicto e esclarecido num tempo em que isso não era moda e o ambiente uma disciplina menor da política.
Mas quando decidi escrever-te esta carta não estava a pensar num daqueles panegíricos delicodoces que não fazem bem nem mal. Sei que não gostarias, sobretudo vindo de mim. Sempre cultivámos uma relação crítica e mordaz.
Por isso esta minha carta acaba por ser mais para todos os veríssimos-deste-mundo do que, propriamente, para ti.
Tu és o mote, mas destina-se a toda a gente de muita valia e grandes recursos que, pelas voltas e contravoltas que a vida dá, de tudo isso não tirou ou tira grande proveito. Os muito capazes que da vida pouco tiram.
A vida – esse bem precioso, pessoal e intransmissível – que desbaratámos como se de artigo descartável se tratasse. Essa seiva e energia que adulterámos sem olhar para trás, como se ao virar da esquina houvesse mais.
Sem pensar – no princípio de cada novo dia que nos é dado – que tanto pode ser o último, como apenas mais um ou uma nova oportunidade para começarmos a ser aquilo que sempre pensamos poder ser e que nunca fomos.
Foi assim contigo, Veríssimo? Os projectos, os sonhos, os afectos que ficaram pelo caminho? A morte colheu-te quando colheu. Não há tarde nem há cedo. Há, apenas, que estar vivo ou não estar.
A vida devia ser trabalhada como um ourives trabalha o oiro. Com mil e um cuidados, de pinças e lupa. Vivendo com intensidade mas com igual cuidado. Distinguindo o trigo do joio.
Até prova em contrário só se vive uma vida, pelos menos como a conhecemos. Os depois-da-vida até podem ser verdade mas – sendo o que sejam – nunca serão esta vida de carne e osso que agora vivemos e, tantas vezes, sofremos.
Por mim, cada vez mais, uso a pinça e a lupa. O que não me livrando da morte me dá o conforto de saber que não me vou render de barato.
Um grande abraço.
P E D R O D A M A S C E N O
FACE OCULTA é um blogue de compilação da coluna quinzenal, com o mesmo nome,assinada por PEDRO DAMASCENO no Jornal Ilha Maior que se publica semanalmente na Ilha do Pico, nos Açores. Comentários, sejam eles quais forem, são muito bem vindos!
terça-feira, outubro 14, 2008
sexta-feira, outubro 10, 2008
O estado da crise ou a crise do estado?
O estado da crise
ou a crise do Estado?
Não há muito tempo tivemos oportunidade de abordar, nesta coluna, a crise da banca. Tendo sublinhado a política virada para o umbigo que o sector vinha fazendo, centrando-se – essencialmente – em lucros altamente especulativos.
Um modelo sem sustentabilidade que as recentes falências da banca nos USA e as dificuldades da banca portuguesa vieram, infelizmente, comprovar. Um modelo criado sob a batuta de gestores ambiciosos sem escrúpulos, num cenário de neo-liberalismo desenfreado.
O circo da especulação financeira tentando gerar dinheiro apenas com dinheiro esquecendo a máxima fundamental de que o dinheiro é um bom servente mas um mau amo. Tornando o investimento não produtivo a pedra de toque.
Como escrevi então: os bancos criaram as condições para a festa do consumo desenfreado na área da habitação e dos equipamentos como se não fosse possível saber que, mais menos dia, os juros iriam disparar. Quantos bancos não incentivaram o consumo sugerindo mobílias, carros e etc. debaixo do guarda-chuva da habitação?
Sendo bem irónico que tenha sido a administração Bush, conservadora e ultra-liberal, a ver-se obrigada a injectar dinheiro dos contribuintes num sector financeiro que viveu, essencialmente, do desrespeito por esses mesmos contribuintes.
Depois da falência do modelo soviético e do colapso dos regimes comunistas ficou claro que o estado não tem vocação nem competência para dirigir a economia, num modelo centralista e totalitário. Sendo necessário passar para o sector privado as capacidade de iniciativas e criatividade.
O estado é, tipicamente, um mau gerador de riqueza. Não tem esse talento nem precisa de ter. Precisa, isso sim, de criar as oportunidades e definir, com clareza, as regras do jogo. O estado não deve tentar anular o privado como este não deve tentar anular o estado.
O estado deve ser o garante do cumprimento das regras e o responsável pela definição dos sectores prioritários e das grandes opções de desenvolvimento. O estado tem que ser responsável por todos nós e cada um de nós responsável por si próprio.
O actual estado de coisas é fruto de uma situação mundial complexa. Reduzir tudo às questões da economia é errado e redutor. Mas colapso da economia é um factor de instabilidade que vem ajudar a deflagrar o barril de pólvora em que nos tornamos.
O estado e o modelo capitalista têm que ser repensados. Precisamos de melhor estado e de melhores investidores. De um estado mais regulador e de um sector privado mais responsável. E precisamos, acima de tudo, de não esquecer os mais carenciados, sejam eles nações ou indivíduos.
Sem esquecer a punição dos responsáveis. O crime económico, sobretudo desta gravidade, não pode ser isentado.
O ultra neo liberalismo está morto e enterrado e vai nos custar os olhos da cara. Sendo por conseguinte necessário que para alem do tratamento de choque se estabeleça um diagnóstico e se trate a doença de fundo.
Um sistema sem competência, rigor e eficácia não funciona. Mas um sistema sem coração também não.
P E D R O D A M A S C E N O
ou a crise do Estado?
Não há muito tempo tivemos oportunidade de abordar, nesta coluna, a crise da banca. Tendo sublinhado a política virada para o umbigo que o sector vinha fazendo, centrando-se – essencialmente – em lucros altamente especulativos.
Um modelo sem sustentabilidade que as recentes falências da banca nos USA e as dificuldades da banca portuguesa vieram, infelizmente, comprovar. Um modelo criado sob a batuta de gestores ambiciosos sem escrúpulos, num cenário de neo-liberalismo desenfreado.
O circo da especulação financeira tentando gerar dinheiro apenas com dinheiro esquecendo a máxima fundamental de que o dinheiro é um bom servente mas um mau amo. Tornando o investimento não produtivo a pedra de toque.
Como escrevi então: os bancos criaram as condições para a festa do consumo desenfreado na área da habitação e dos equipamentos como se não fosse possível saber que, mais menos dia, os juros iriam disparar. Quantos bancos não incentivaram o consumo sugerindo mobílias, carros e etc. debaixo do guarda-chuva da habitação?
Sendo bem irónico que tenha sido a administração Bush, conservadora e ultra-liberal, a ver-se obrigada a injectar dinheiro dos contribuintes num sector financeiro que viveu, essencialmente, do desrespeito por esses mesmos contribuintes.
Depois da falência do modelo soviético e do colapso dos regimes comunistas ficou claro que o estado não tem vocação nem competência para dirigir a economia, num modelo centralista e totalitário. Sendo necessário passar para o sector privado as capacidade de iniciativas e criatividade.
O estado é, tipicamente, um mau gerador de riqueza. Não tem esse talento nem precisa de ter. Precisa, isso sim, de criar as oportunidades e definir, com clareza, as regras do jogo. O estado não deve tentar anular o privado como este não deve tentar anular o estado.
O estado deve ser o garante do cumprimento das regras e o responsável pela definição dos sectores prioritários e das grandes opções de desenvolvimento. O estado tem que ser responsável por todos nós e cada um de nós responsável por si próprio.
O actual estado de coisas é fruto de uma situação mundial complexa. Reduzir tudo às questões da economia é errado e redutor. Mas colapso da economia é um factor de instabilidade que vem ajudar a deflagrar o barril de pólvora em que nos tornamos.
O estado e o modelo capitalista têm que ser repensados. Precisamos de melhor estado e de melhores investidores. De um estado mais regulador e de um sector privado mais responsável. E precisamos, acima de tudo, de não esquecer os mais carenciados, sejam eles nações ou indivíduos.
Sem esquecer a punição dos responsáveis. O crime económico, sobretudo desta gravidade, não pode ser isentado.
O ultra neo liberalismo está morto e enterrado e vai nos custar os olhos da cara. Sendo por conseguinte necessário que para alem do tratamento de choque se estabeleça um diagnóstico e se trate a doença de fundo.
Um sistema sem competência, rigor e eficácia não funciona. Mas um sistema sem coração também não.
P E D R O D A M A S C E N O
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