quarta-feira, setembro 29, 2004

Eleições

A credulidade dos tolos é o património dos velhacos
Ditado Popular


E L E I Ç Õ E S


Aí estão – as eleições. Já se sente o cheiro e já se vêem os cartazes, sobretudo aqueles de não sei quantos metros que nem a nossa paisagem poupam e que vieram, pelos vistos, para ficar. E que vamos ter que gramar quer chova quer troveje.

Chegou o circo e as tendas já estão a ser montadas. O circo mediático aí está e não faltam, sequer, palhaços, acrobatas e mágicos! Virão, também, os artistas convidados, a música, os confetis e os balões. E as televisões farão directos e as habituais fofocas.

E bem lá por trás, num plano bem secundário, haverá conversas e promessas. Mas que serão muito abafadas pelas pancadinhas nas costas, pelos beijinhos e pelos porta a porta que quase cheiram a visitas de seitas que disso fazem vida e missão.

E, quase com toda a certeza, os assuntos verdadeiramente importantes ficarão, mais uma vez, por discutir. Tentar-se-á fazer num mês o diálogo e comunicação que se deveria ter feito em quatro anos. Todos procurarão o melhor sorriso e o charme adequado e muitos fugirão, como o diabo da cruz, do debate frontal e fundamentado.

O que sendo verdade cá, é verdade por todo lado aonde se vive este menor dos males a que chamamos democracia que até consegue pôr no poder quem teve menos votos! Democracia dos votos manipulados, comprados e oportunistas que põe, em pé de igualdade, com os votos sérios, esclarecidos e comprometidos.

Como em tudo na vida, há gente séria e capaz na política como há, também, os profissionais da demagogia e do oportunismo que aí encontram refúgio para a sua mediocridade e para a incapacidade de terem uma vida própria. Um bom paleio misturado com uma boa dose de desfaçatez e velhacaria ainda consegue fazer, nas nossa terras, um “bom” político.

Por tudo isto a política perde popularidade. Por tudo isto é crescente a abstenção sobretudo entre os jovens que, não tendo grandes convicções, não se sentem motivados para participar em actos que pouco lhe dizem, em termos práticos. A um excesso de “afecto” e proximidade das campanhas eleitorais sucede o afastamento e o alheamento, com as devidas e honrosas excepções.

Sendo estas eleições de âmbito regional e, sobretudo de ilha, bom seria que os eleitores fossem capazes de olhar, sem paixão, para o que foi e não foi feito e, sobretudo, conseguissem avaliar os candidatos pelo seu passado, pelos seus méritos e pelo trabalho desenvolvido. E não caíssem em partidarites agudas nem em cantos de sereia.

Porque a factura dos nossos votos virá sempre bater-nos à porta. Por muitos compadrios que existam e por muitos favores que se consigam, o futuro da nossa terra e dos nossos filhos dependerá, em grande parte, da qualidade dos nossos políticos. Os partidos são importantes porque são um pilar insubstituível da democracia mas, por isso mesmo, não podem tornar-se num simples sucedâneo dos clubes de futebol.

Os partidos são, ou deveriam ser, espaços e formas de intervenção cívica baseados em convicções e depositários de compromissos formais. Nunca trampolins de poder e escolas de como se pode vender gato por lebre!

O circo está aí e até pode ter piada se o espectáculo for bom. Mas ao soar o gongo final será tempo de metermos a mão na consciência e tornarmos o nosso voto num acto responsável e responsabilizante .

A política é, e deve ser, de todos nós.


P E D R O D A M A S C E N O


domingo, setembro 19, 2004

Quo Vadis Esquerda?

Apesar de sermos máquinas genéticas podemos virar-nos contra os nossos criadores
Richard Dawkins



Quo Vadis Esquerda?


A economia de mercado baseia-se na ideia de que os seres humanos só trabalham duro e mostram iniciativa quando disso possam tirar benefício económico, pessoal e directo. Uma premissa a que se pretende dar um caracter genético e imutável.

Premissa que, em conjunto com a lógica da sociedade de consumo, torna – no ver de muito boa gente – obsoletas as ideias de direita e esquerda. Daí que se apressem a proclamar o fim das ideologias. Que no fundo, mais coisa menos coisa, vai tudo dar ao mesmo.

E a esquerda, ainda com as orelhas a arder do descalabro da Rússia e países de leste, tem mostrado acentuadas dificuldades em assumir um papel pro-activo na definição daquilo que deve ser o seu caminho face ao falhanço do mundo comunista europeu. Porque no chinês outro galo canta...

Ou seja a esquerda permitiu que que se aceitasse de barato que quando se fala em benefício próprio se está falar de dinheiro. Quando, parece óbvio, que interesse ou benefício próprio tem um âmbito muito mais vasto do que o dinheiro.

Se é certo que a maior parte das pessoas querem ter vidas felizes, preenchidas e com significado e que tudo isso passa, em parte, pelo dinheiro não é menos verdade que este, por si só, fica longe de resover tudo. E que as pessoas sentem, também, necessidade de se sentirem necessárias, úteis e amadas.

E, de facto, o homem afluente da sociedade de consumo está cada vez mais stressado e incapaz de gozar os prazeres simples da vida sendo – crescentemente – escravo das gaiolas de oiro que vai construindo mas que lhe minam a saúde a alegria de viver.

Todos os estudos internacioanais têm demonstrado que não há uma correlação clara entre riqueza e felicidade. Demonstrando, pelo contrário, que as sociedades altamente competitivas não são aquelas em que a maior parte dos cidadãos se sentem felizes e/ou realizados. Como alguém disse: “ninguém pode viver uma vida privada feliz em estado de sítio, desconfiando de todos os estranhos e transformando a própria casa num campo armado”.

Sendo certo, por outro lado, que a maior parte das pessoas, independentemente do sistema económico e social em que vivem, respondem positivamente às oportunidades genuínas de participarem em formas de cooperação, mutuamente benéficas. Sendo essencial promover estruturas que promovam cooperação em vez de competição e tentem canalizar a competição para fins socialmente desejáveis.

Mantendo a esquerda os seus valores tradicionais de defesa dos fracos, pobres e oprimidos deveria ser, ela própria, a promotora de um modelo de sociedade que venha – realmente – defender aqueles. Substituindo muitas das suas utopias sociais por uma visão mais fria e realista que assegure essa defesa.

Aonde existir uma oportunidade de sobreviver sem trabalhar vai aparecer sempre alguém para a aproveitar. E, por isso, o desafio será desenhar um modelo social - cada vez mais rigoroso - que tenha em linha de conta, a dita “natureza humana” (sobre a qual saberemos sempre mais) mas que saiba potencializar, também, o lado altruísta e cooperativo que existe na maioria de todos nós e que é um dos ingredientes indiscutíveis da felicidade.

A economia de mercado e a sociedade de consumo não são, comprovadamente, a autoestrada da nossa felicidade. Atingido um patamar aceitável de progresso e bem estar é indispensável que nos voltemos para o culto da cooperação, da amizade e da solidariedade.

Quo Vadis Esquerda?


P E D R O D A M A S C E N O