sexta-feira, fevereiro 25, 1994

A RATOEIRA DA MIRATECA


FACE OCULTA


A RATOEIRA DA MIRATECA


Embora não disponha de números oficiais fidedignos, é ilícito afirmar que o troço de estrada do Pico que mais acidentes tem originado é a estrada regional que atravessa o lugar da Mirateca, da freguesia da Candelária.

Para além dos vultuosos materiais tem dado lugar a inúmeros acidentes pessoais e mesmo à morte. Será muito raro o condutor que passe regularmente naquela via que não tenha uma história para contar e que, invariavelmente, passa por picar os travões no piso molhado e ficar virado para o sentido inverso. Umas vezes com sorte, ficando-se apenas pelo susto, e outras menos afortunadas com chapa amolgada e pernas partidas.

A receita para este rol de acidentes é fácil e extremamente eficaz: via muito estreita, cheia de curvas e contracurvas com inclinações contraditórias, piso de calçada completamente polida e com banhos sucessivos de óleos e combustíveis e os inevitáveis carros estacionados em contravenção ocupando a faixa de rodagem e obstruindo curvas. Algures a tasca que, normalmente, está por trás de carros mal estacionados.

No Pico não é preciso perguntar por tascas ou cafés de freguesia. Basta ir pela estrada regional até chegar a um amontoado de carros estacionados de qualquer maneira. É tasca ou café, pela certa.

Mas não é tudo.  Antes e depois desse trajecto a estrada regional é larga e de bom piso, convidando a uma boa marcha. Um atractivo extra para o acidente. Ao fim e ao cabo há muita gente que não conhece bem a área e nada os fará supor ( porque é contra todas a lógica) que, de repente, encravada em dois troços de boa estrada regional e alcatroada vão encontrar uma via estreita e de péssimo piso pejada de carros. Via que serve pra todo o tipo de tráfego, desde transportes colectivos até porta-contentores: um constante desafio à imaginação dos condutores e às leis da física.

Todos os responsáveis sabem o que ali se passa: desde o departamento governamental das estradas até à autarquia e à autoridade policial. E, no entanto, nada se fez ou se vislumbra algo que leve a crer que alguma coisa se vá fazer. O que é tanto mais estranho quando se trata de um troço pouco extenso.

 Quantos mais acidentes, porventura até mortais, terão de se dar para que o assunto seja levado a sério num país que, agora, tanto se preocupa (e ainda bem) com a prevenção e anda com polícias de balão na mão à saída das discotecas? Como em tudo o resto o Estado deve ser o primeiro a dar o exemplo e não permitir situações que ponham em causa, constantemente e de maneira tão flagrante, a segurança dos cidadãos. Não basta mandar apertar o cinto e beber menos. É preciso que as estradas reúnam condições de segurança adequadas ao tráfico que suportam.

Como também é tempo que a polícia perca menos ânimo a catar papeis e em manobras burocráticas e se dedique mais a assegurar a segurança dos cidadãos sobretudo evitando esse verdadeiro pesadelo das estradas do Pico que são os estacionamentos de qualquer maneira e as manobras perigosas. Menos preocupação com placas de nomes ou detalhes de somenos e mais atenção ao que realmente conta na estrada: a segurança.

É certo que as estradas do Pico estão na generalidade, uma vergonha (quem não se lembra da odisseia da estrada do mistério da Silveira ou do troço da Ribeirinha – Santo Amaro, por exemplo?) mas há situações que são verdadeiramente escandalosas e esta é precisamente uma delas. Escandalosa pelo perigo constante que provoca e pela relativa facilidade com que o assunto poderia ser resolvido.

Se agora o tempo é de vacas magras em matéria de investimento rodoviário já foi de vacas gordas e nem mesmo então o assunto se resolveu. O que faltará, então? Será que os responsáveis não perceberam ainda a questão ou será que o desleixo é assim tanto?

Em tempo de CEE e de tanto investimento no turismo (um, por acaso, lá bem perto!) não faz sentido que persistam situações tão anómalas e tão contrárias ao espírito venerador, atento e obrigado que o nosso País tem sido para com o padrinho comunitário.

Para quando a extinção da ratoeira da Mirateca?


    P E D R O  D A M A S C E N O





sexta-feira, fevereiro 11, 1994

A DANÇA DAS SECRETARIAS


FACE OCULTA


A DANÇA DAS SECRETARIAS


Um dos pilares filosóficos da autonomia foi, desde o início, a ideia de que a pura transferência do centro de decisão do Terreiro do Paço para Ponta Delgada não seria suficiente para assegurar um desenvolvimento, economicamente equilibrado e socialmente justo, para os Açores.

Por isso se sediou a sede do poder executivo em S. Miguel e a do poder legislativo na Horta e se distribuíram as diferentes secretarias pelas três ilhas ex-setes de distrito. Embora em custos aumentados e alguns déficites de funcionalidade optou-se por uma solução consensual e de compromisso que conseguisse garantir, minimamente, o equilíbrio e não viesse agravar, ainda mais, as assimetrias dentro da Região. Na possibilidade de contemplar todas as ilhas procurou-se distribuir o poder político e respectivos centros de decisão o mais uniformemente possível ao longo do arquipélago. Ficando, embora, S. Miguel com parte de leão o que, também, não deixou de ser justo.

E, com maiores ou menores condições, tal opção tem-se mostrado adequada e correcta. Pecando, aqui e acolá, por defeito para as ditas ilhas pequenas em consequências de assomos centralistas das ilhas maiores e tendo como pano de fundo as disputas constantes entre S. Miguel e a Terceira. Mas confirmado, de forma indiscutível e para quem está de boa-fé, que qualquer outra fórmula mas concentracionista teria agravado substancialmente os desequilíbrios entre as ilhas e sub-regiões.

É dado adquirido, sobretudo hoje em dia em que os progressos tecnológicos nas comunicações atingiram já quase um estado de arte, que autonomia açoriana só sobreviverá se se mantiver e aperfeiçoar a descentralização dos centros de decisão. Os açores não têm dimensão nem características que tornem possível, sem grandes desigualdades e consequentes conflitos e tensões sociais, qualquer macrocefalia seja ela terceirense ou micaelense e tenha ela os fundamentos que tiver de carácter macroeconómico.

Há realidades geográficas, sociais e culturais que não podem se ignoradas pesem todos os argumentos demográficos que se queiram utilizar. Para além de que a economia não pode ser o primeiro e último argumento a esgrimir quando se abordam questões tão complexas como o desenvolvimento equilibrado e socialmente justo de um arquipélago constituído por nove ilhas tão dispersas. É bem possível que seja muito mais barato, e correcto em termos macroeconómicos, gerir os Açores concentrado toda a população em S. Miguel. Era, sem dúvida, um monte de dor de cabeças que se atirava, de uma só vez, pela janela fora.

Um cenário anedótico mas que poderá ilustrar, pelo absurdo, quanto de político tem a gestão de uma autonomia que se sedia num arquipélago como o nosso. Por um lado as pressões constantes de grupos e sectores económicos com peso significativo por outro os imperativos de carácter social e moral. E são exactamente imperativos que terão de prevalecer, sob pena de serem os próprios açorianos a fazerem o seu enterro.

Uma ilha como o Corvo é um exemplo de um “mau negócio” numa perspectiva exclusivamente economicista. E, no entanto haverá alguém que questione o direito dos corvinos a uma vida digna e o acesso às prerrogativas constitucionais que lhes assistem como a qualquer outro cidadão português?

Contexto em que tem de ser entediada a autonomia: como um sistema político-jurídico capaz de assegurar, a nível dos Açores, a indispensável solidariedade entre as ilhas e os ilhéus. Sistema que, por definição, não pode comportar hegemonias que obedeçam a valores que tenham por base continentalismos frustrados. Ser açoriano significa, antes de tudo, habitar uma das nove ilhas, seja ela qual for.

Por tudo isso é fundamental que a Assembleia Legislativa Regional se mantenha na Horta da mesma forma que os departamentos governamentais que lá têm sede. Independentemente do facto de a Horta só ter direito a quatro deputados e do número de vacas ou de camas para turistas ser muito maior em S. Miguel. Porque a lógica que está por trás dessas opções é de carácter político e social e não artístico.

Sendo natural e salutar que açorianos de S. Miguel (ou de outro lado qualquer) contestem e critiquem, quando o entenderem necessários e justificável, os políticos Adolfo Lima e Eugénio Leal pelo seu desempenho à frente dos respectivos departamentos, nada justifica que essas críticas levem, eventualmente, à contestação da própria existência das respectivas secretarias em solo faialense. Porque a conversa, aí, é outra e é grave.

Os cidadãos referidos não são donos dos respectivos departamentos e o partido a que pertencem não é dono do governo. É portanto, natural que venham a deixar, mais tarde ou mais cedo, as suas funções governativas. O que não é natural é que, a essas eventuais saídas, se queira associar também a saída das sedes das secretarias. Porque, neste caso, se estará a tentar alterar questões de fundo com base em desempenhos de pessoas.

Para o Faial/Pico e grupo ocidental não é fundamental quem está à frente das secretarias mas é, indiscutivelmente, indispensável que elas permaneçam na Horta. Como também é essencial que não venham a ser transformadas em secretarias de 2ª como já foi indicado quando os transportes foram retirados ao Turismo que recebeu em troca o, então, pouco cobiçado Ambiente.

Objectivos em volta dos quais os açorianos nestas paragens devem cerrar fileiras.

Para que a chamarrita não dê lugar à dança das secretarias.


P E D R O  D A M A S C E N O