sexta-feira, fevereiro 11, 1994

A DANÇA DAS SECRETARIAS


FACE OCULTA


A DANÇA DAS SECRETARIAS


Um dos pilares filosóficos da autonomia foi, desde o início, a ideia de que a pura transferência do centro de decisão do Terreiro do Paço para Ponta Delgada não seria suficiente para assegurar um desenvolvimento, economicamente equilibrado e socialmente justo, para os Açores.

Por isso se sediou a sede do poder executivo em S. Miguel e a do poder legislativo na Horta e se distribuíram as diferentes secretarias pelas três ilhas ex-setes de distrito. Embora em custos aumentados e alguns déficites de funcionalidade optou-se por uma solução consensual e de compromisso que conseguisse garantir, minimamente, o equilíbrio e não viesse agravar, ainda mais, as assimetrias dentro da Região. Na possibilidade de contemplar todas as ilhas procurou-se distribuir o poder político e respectivos centros de decisão o mais uniformemente possível ao longo do arquipélago. Ficando, embora, S. Miguel com parte de leão o que, também, não deixou de ser justo.

E, com maiores ou menores condições, tal opção tem-se mostrado adequada e correcta. Pecando, aqui e acolá, por defeito para as ditas ilhas pequenas em consequências de assomos centralistas das ilhas maiores e tendo como pano de fundo as disputas constantes entre S. Miguel e a Terceira. Mas confirmado, de forma indiscutível e para quem está de boa-fé, que qualquer outra fórmula mas concentracionista teria agravado substancialmente os desequilíbrios entre as ilhas e sub-regiões.

É dado adquirido, sobretudo hoje em dia em que os progressos tecnológicos nas comunicações atingiram já quase um estado de arte, que autonomia açoriana só sobreviverá se se mantiver e aperfeiçoar a descentralização dos centros de decisão. Os açores não têm dimensão nem características que tornem possível, sem grandes desigualdades e consequentes conflitos e tensões sociais, qualquer macrocefalia seja ela terceirense ou micaelense e tenha ela os fundamentos que tiver de carácter macroeconómico.

Há realidades geográficas, sociais e culturais que não podem se ignoradas pesem todos os argumentos demográficos que se queiram utilizar. Para além de que a economia não pode ser o primeiro e último argumento a esgrimir quando se abordam questões tão complexas como o desenvolvimento equilibrado e socialmente justo de um arquipélago constituído por nove ilhas tão dispersas. É bem possível que seja muito mais barato, e correcto em termos macroeconómicos, gerir os Açores concentrado toda a população em S. Miguel. Era, sem dúvida, um monte de dor de cabeças que se atirava, de uma só vez, pela janela fora.

Um cenário anedótico mas que poderá ilustrar, pelo absurdo, quanto de político tem a gestão de uma autonomia que se sedia num arquipélago como o nosso. Por um lado as pressões constantes de grupos e sectores económicos com peso significativo por outro os imperativos de carácter social e moral. E são exactamente imperativos que terão de prevalecer, sob pena de serem os próprios açorianos a fazerem o seu enterro.

Uma ilha como o Corvo é um exemplo de um “mau negócio” numa perspectiva exclusivamente economicista. E, no entanto haverá alguém que questione o direito dos corvinos a uma vida digna e o acesso às prerrogativas constitucionais que lhes assistem como a qualquer outro cidadão português?

Contexto em que tem de ser entediada a autonomia: como um sistema político-jurídico capaz de assegurar, a nível dos Açores, a indispensável solidariedade entre as ilhas e os ilhéus. Sistema que, por definição, não pode comportar hegemonias que obedeçam a valores que tenham por base continentalismos frustrados. Ser açoriano significa, antes de tudo, habitar uma das nove ilhas, seja ela qual for.

Por tudo isso é fundamental que a Assembleia Legislativa Regional se mantenha na Horta da mesma forma que os departamentos governamentais que lá têm sede. Independentemente do facto de a Horta só ter direito a quatro deputados e do número de vacas ou de camas para turistas ser muito maior em S. Miguel. Porque a lógica que está por trás dessas opções é de carácter político e social e não artístico.

Sendo natural e salutar que açorianos de S. Miguel (ou de outro lado qualquer) contestem e critiquem, quando o entenderem necessários e justificável, os políticos Adolfo Lima e Eugénio Leal pelo seu desempenho à frente dos respectivos departamentos, nada justifica que essas críticas levem, eventualmente, à contestação da própria existência das respectivas secretarias em solo faialense. Porque a conversa, aí, é outra e é grave.

Os cidadãos referidos não são donos dos respectivos departamentos e o partido a que pertencem não é dono do governo. É portanto, natural que venham a deixar, mais tarde ou mais cedo, as suas funções governativas. O que não é natural é que, a essas eventuais saídas, se queira associar também a saída das sedes das secretarias. Porque, neste caso, se estará a tentar alterar questões de fundo com base em desempenhos de pessoas.

Para o Faial/Pico e grupo ocidental não é fundamental quem está à frente das secretarias mas é, indiscutivelmente, indispensável que elas permaneçam na Horta. Como também é essencial que não venham a ser transformadas em secretarias de 2ª como já foi indicado quando os transportes foram retirados ao Turismo que recebeu em troca o, então, pouco cobiçado Ambiente.

Objectivos em volta dos quais os açorianos nestas paragens devem cerrar fileiras.

Para que a chamarrita não dê lugar à dança das secretarias.


P E D R O  D A M A S C E N O

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