sexta-feira, julho 30, 1993

O RENDER DA GUARDA


FACE OCULTA


A liberdade de imprensa não é um fim em si mesmo mas um meio para o objectivo de uma sociedade livre
Felix Franfurter

O RENDER DA GUARDA




A passagem de testemunho da direcção do Ilha Maior é uma excelente oportunidade para uma reflexão sobre o papel e a importância da imprensa. Sobretudo tendo em atenção as intenções, reiteradamente, anunciadas de manutenção da linha editorial e de intervenção do jornal.

E é bom que assim seja porque o Ilha Maior tem estado no caminho certo, pese um ou outro acidente de percurso, mas muito poucos. Ao longo destes cinco anos afirmou-se como um jornal de toda a ilha e de todos os picoenses. Se mais longe não foi, foi porque alguns dos «velhos» colaboradores não colaboraram tanto quanto podiam e porque o recrutamento de novos é tarefa bem difícil.

E a subsistência de um jornal com as características deste passa por um conjunto muito grande de boas vontades e de carolice. O mercado potencial é muito exíguo e os custos de produção são significativos. Mas o Pico tinha necessidade de um jornal com as características deste e ele aí está. Parabéns ao Director que saiu, palavras de estímulo para o que entrou.

O «segredo» do Ilha Maior assentou em dois pilares essenciais. Por um lado procurou adoptar uma postura de ilha, de abordagem dos problemas de uma forma global, fugindo à tentação do concelho. Por outro esteve sempre aberto a toda a gente: dos partidos, dos concelhos, das religiões, etc.

Um jornal só pode ter força e ser um veículo de pregresso e liberdade enquanto for inteiramente aberto ao mundo e às pessoas. No momento em que caia na tentação de privilegiar, indevidamente, uma terra, um grupo ou uma crença passa a ser, apenas, a correia de transmissão de uma qualquer coisa. A partir daí terá força apenas para os apaniguados.

Naturalmente que qualquer grupo, partido ou crença tem toda a legitimidade para ter um jornal que sirva, essencialmente, os seus interesses específicos. Que vivam os jornais de partido, de bairro e de igreja mas que se assumam como tal. Que identifiquem claramente a quem pertencem e os objectivos que pretendem alcançar.

O que não se deve é tentar servir uma qualquer bandeira e pretender que serve todas. Esse é um equívoco fatal e que apenas poderá servir o retrocesso a falta de liberdade para não falar em interesses mais do que obscuros.

Garantias que sejam as necessárias regras de educação, respeito e qualidade, um jornal deve ser um fórum inteiramente aberto. Se o individuo X escreveu alguma coisa que o indivíduo Y acha que está mal ou não corresponde à verdade, o único remédio que este último tem é de pegar na pena e repôs o que acha que está mal. Em nenhuma circunstância se justifica que uma voz seja silenciada só porque põe em causa os interesses de quem quer que seja.

Essa é a regra de oiro da liberdade e do pluralismo.

A verdade é uma realidade muito complexa. A ponto de podermos falar mais de verdades do que propriamente de verdade. A verdade, propriamente dita, é, possivelmente, um somatório complexo de uma miríade de verdades. Quantos de nós já mudou de verdade ou de verdades, várias vezes? O que, hoje, nos parece definitivo e indiscutível quantas vezes não nos irá parecer pueril, amanhã?

É neste pressuposto crucial que deve assentar uma imprensa livre e pluralista. E é com esta imprensa que se promovem os cidadãos nas mais variadas vertentes (sociais, culturais e económica) dado que quanto mais debate houver e mais pontos de vista foram veiculados mais próximo as sociedades estarão da realidade e, o mesmo é falar, da possibilidade de promoverem o progresso.

O sectarismo, o obscurantismo e a censura só servem a corrupção e a estagnação.

Os dados estão lançados. Compete, agora, aos picoenses de todos os quadrantes credos e origens darem o seu contributo para o debate sem preconceitos ou tabus. Os limites só devem ser os da seriedade, do rigor, do respeito e da qualidade. Que todas as Bandeiras desfraldem ao vento.


P E D R O  D A M A S C E N O

quinta-feira, julho 15, 1993

O Benfica - Sporting da política


FACE OCULTA

«A política, como o futebol, vive de craques»
Peter Stein


O BENFICA – SPORTING DA POLÍTICA



Não há dúvidas que as eleições autárquicas são o acto político que mais se aproxima do futebol. Suscita grandes paixões e provoca um nunca acabar de «transferências» e de caça aos craques.

Mas se é cero que a carga partidária deve e deveria ser muito mais atenuada a nível deste tipo de eleições não é menis certo que se verificam desvios e atropelos que atingem foros de verdadeira pouca-vergonha. Com os partidos a tentarem roubar candidatos de outros ou menos candidatos a oferecerem os seus «serviços» ao partido que der mais.

O que só vem a provar que a carga partidária que a constituição Portuguesa ainda impõe para as eleições autárquicas, com a ilustre excepção das juntas de freguesia, é um erro que potencializa episódios caricatos que apenas desprestigiam a política e arrendam inúmeros cidadãos de participação política.

O poder local, mais do que qualquer outro, deve ter uma conotação e peso partidário muito diminuto. Porque é um poder tipicamente vocacionado para a solução dos problemas concretos e para o qual as grandes opções são mais de natureza local e prática do que de natureza ideológica ou doutrinária.

As questões de carácter são, tipicamente da esfera do parlamento e do governo. Embora, também aí, não esgotam, bem longe disso, as questões doutrinárias e porque a voz das minorias, numa democracia que se preze, também deve chegar ao céu. Até porque os scores eleitorais dos grandes partidos tem muito a ver com técnicas de marketing e paixões clubistas.

Mas tudo isso é mais grave, de facto, a nível do poder local. Não só deveria ser possível a apresentação de candidaturas independentes como os próprios partidos deviam preocupar-se mas com uma atitude política pela positiva: abrir as suas listas a cidadãos com prestígio local – os chamados «homens bons» que, felizmente, ainda existem por todo esse país. E não preocuparem-se apenas em ganhar, vorazmente, câmaras e juntas de freguesias para depois tentarem tirar ilações e dividendos políticos indevidos, extrapolando conclusões e resultados não extrapoláveis.

Como, por exemplo, a oposição a tentar derrogar, em sede de poder local, a legitimidade do governo e do parlamento. Ou, ao contrário, a maioria a tentar desvalorizar os resultados que não lhe são favoráveis.

Eleições autárquicas e legislativas são muito diferentes, quer nas funções e competências que no significado político. Tentar negar isso é, pura e simplesmente, falta de seriedade política. Ambas são igualmente importantes, mas são muito diferentes.

Por isso confrange e desmobiliza o cidadão comum, a falta de dignidade que, cada vez mais, vem surgindo em torno das eleições autárquicas. Com uma caça desenfreada aos candidatos como se de verdadeiros goleadores se tratasse e de muitos desses eventuais goleadores a portarem-se como autênticos mercenários.

Os partidos, para além das questões ideológicas, deveriam ter noção de que têm, ou deveriam ter, uma importante função social. Os partidos deveriam capacitar-se que o seu principal papel não é conquistar eleições, com a mesma mentalidade que os clubes de futebol tentam ganhar campeonatos, mas a participação política a todos os níveis numa perspectiva de verdadeira pedagogia cívica.

Ganhar eleições com o propósito central de ganhar pelo poder é a mesma coisa que um clube de futebol ganhar eleições com o propósito central de coleccionar taças. Aonde ficam, nestes casos, os princípios?

Ganhar, nem que seja a feijões, é sempre bom. Mas ganhar o quer-que-seja, a qualquer preço, é sintoma de corrupção e menoridade moral e intelectual.

Senão valerá a pena que os craques da política passem, também, a ter passes que possam vender ao «clube» que dê mais. Assim mesmo. Será mais sério que andar meio mundo a tentar enganar o outro meio.



P E D R O  D A M A S C E N O