quinta-feira, julho 15, 1993

O Benfica - Sporting da política


FACE OCULTA

«A política, como o futebol, vive de craques»
Peter Stein


O BENFICA – SPORTING DA POLÍTICA



Não há dúvidas que as eleições autárquicas são o acto político que mais se aproxima do futebol. Suscita grandes paixões e provoca um nunca acabar de «transferências» e de caça aos craques.

Mas se é cero que a carga partidária deve e deveria ser muito mais atenuada a nível deste tipo de eleições não é menis certo que se verificam desvios e atropelos que atingem foros de verdadeira pouca-vergonha. Com os partidos a tentarem roubar candidatos de outros ou menos candidatos a oferecerem os seus «serviços» ao partido que der mais.

O que só vem a provar que a carga partidária que a constituição Portuguesa ainda impõe para as eleições autárquicas, com a ilustre excepção das juntas de freguesia, é um erro que potencializa episódios caricatos que apenas desprestigiam a política e arrendam inúmeros cidadãos de participação política.

O poder local, mais do que qualquer outro, deve ter uma conotação e peso partidário muito diminuto. Porque é um poder tipicamente vocacionado para a solução dos problemas concretos e para o qual as grandes opções são mais de natureza local e prática do que de natureza ideológica ou doutrinária.

As questões de carácter são, tipicamente da esfera do parlamento e do governo. Embora, também aí, não esgotam, bem longe disso, as questões doutrinárias e porque a voz das minorias, numa democracia que se preze, também deve chegar ao céu. Até porque os scores eleitorais dos grandes partidos tem muito a ver com técnicas de marketing e paixões clubistas.

Mas tudo isso é mais grave, de facto, a nível do poder local. Não só deveria ser possível a apresentação de candidaturas independentes como os próprios partidos deviam preocupar-se mas com uma atitude política pela positiva: abrir as suas listas a cidadãos com prestígio local – os chamados «homens bons» que, felizmente, ainda existem por todo esse país. E não preocuparem-se apenas em ganhar, vorazmente, câmaras e juntas de freguesias para depois tentarem tirar ilações e dividendos políticos indevidos, extrapolando conclusões e resultados não extrapoláveis.

Como, por exemplo, a oposição a tentar derrogar, em sede de poder local, a legitimidade do governo e do parlamento. Ou, ao contrário, a maioria a tentar desvalorizar os resultados que não lhe são favoráveis.

Eleições autárquicas e legislativas são muito diferentes, quer nas funções e competências que no significado político. Tentar negar isso é, pura e simplesmente, falta de seriedade política. Ambas são igualmente importantes, mas são muito diferentes.

Por isso confrange e desmobiliza o cidadão comum, a falta de dignidade que, cada vez mais, vem surgindo em torno das eleições autárquicas. Com uma caça desenfreada aos candidatos como se de verdadeiros goleadores se tratasse e de muitos desses eventuais goleadores a portarem-se como autênticos mercenários.

Os partidos, para além das questões ideológicas, deveriam ter noção de que têm, ou deveriam ter, uma importante função social. Os partidos deveriam capacitar-se que o seu principal papel não é conquistar eleições, com a mesma mentalidade que os clubes de futebol tentam ganhar campeonatos, mas a participação política a todos os níveis numa perspectiva de verdadeira pedagogia cívica.

Ganhar eleições com o propósito central de ganhar pelo poder é a mesma coisa que um clube de futebol ganhar eleições com o propósito central de coleccionar taças. Aonde ficam, nestes casos, os princípios?

Ganhar, nem que seja a feijões, é sempre bom. Mas ganhar o quer-que-seja, a qualquer preço, é sintoma de corrupção e menoridade moral e intelectual.

Senão valerá a pena que os craques da política passem, também, a ter passes que possam vender ao «clube» que dê mais. Assim mesmo. Será mais sério que andar meio mundo a tentar enganar o outro meio.



P E D R O  D A M A S C E N O



Sem comentários: