quarta-feira, junho 30, 1993

O BORREGO EXPIATÓRIO


FACE OCULTA

«Cai mais mal a um ministro dizer asneiras do que fazê-las»
Cardeal de Retz



O BORREGO EXPIATÓRIO



Dada a circunstância institucionalizada de que ataques exteriores a um ministro, quer por parte da oposição quer da comunicação social, é passaporte seguro para ficar de pedra e cal no governo, surpreendeu o despedimento fulminante do ministro do Ambiente.

Não estão, obviamente, em causa o mau gosto e o despropósito de uma anedota que virou notícia de primeira página. O episódio foi grotesco e inadequado, mas não passou de uma gaffe.

Agora que una questão de lana-caprina como esta tenha conduzido a uma demissão em tempo recorde de um ministro de Cavaco foi, efectivamente, uma surpresa considerável. Sobretudo tendo em atenção que há semanas/meses se desenrola o folhetim da água de Évora que atinge em cheio a credibilidade do sistema de saúde em Portugal.

A anedota de borrego não passou de uma anedota e ninguém morreu por causa disso. Agora, a ineficiência e incompetência que se desenrolou no Hospital de Évora matou gente. E este facto que representa ou que devia representar a máxima falência de um sistema de saúde – a morte – não conduziu a nada que se aproxime do rigor com que foi tratado o coitado do borrego que, naturalmente, será daquelas pessoas sem graça e que nem sequer tem jeito para contar anedotas sem sentido das conveniências.

Pecados bem menores do que ser responsável por um sector tão importante e delicado como é o da saúde e não ser capaz de, com transparência e rapidez, fazer justiça e, sobretudo, repor, dentro do possível, compensações às famílias atingidas.

São níveis de responsabilidade bem diferentes, um responsável governamental contar uma anedota de humor negro em público ou gerir de ~modo completamente inadequado uma situação de desleixo, incompetência e irresponsabilidade que ceifou vidas humanas.

Contudo a nível das punições passou-se exactamente o contrário. Enquanto que o jogral frustrado levou um pontapé no fundo das costas, o ministro da crise continua no seu lugar, impávido e sereno.

Donde se poderá concluir, com uma lógica dificilmente refutável, que o que conta são as aparências e não a essência. Ficou mal o ministro contar, em público, uma anedota por muito tola que tenha sido, mas não fica mal que o ministro responsável por um sector essencial que claudicou e claudica de forma tão notória e trágica continue em funções.

Ou, como dizia há dias uma pessoa amiga, se calhar o que safou o Natalino é que não se lembrou de contar alguma anedota tola. Porque às tantas, se o tivesse feito, Já estaria no olho da rua!

De modo que terá que passar a fazer parte da cartilha dos ministros cavaquistas o mandamento crucial de não contar anedotas sobre a actuação dos colegas.

Ou então a anedota foi só o jeitinho que o primeiro-ministro arranjou para dar o fora a um colaborador que queria despachar. Matando, deste modo, dois coelhos de uma só cajadada: livra-se do indesejado e dá uma de moralista em tempo de crise.

Se calhar foi por isso que perdemos um borrego expiatório e mantivemos um Alumínio de Carvalho.



P E D R O  D A M A S C E N O


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