terça-feira, julho 05, 2005

Alice no país dos porreirismos

... uma sociedade à beira do precipício
José Gil



Alice no país dos porreirismos


É um dado adquirido que somos um país de gajos porreiros. Boa gente: simpática, pouco agressiva (brandos costumes?), espertalhona e emotiva – uma malta porreira.

Mesmo nas nossas deambulações por esse mundo, nunca deixamos marca de torcionários e exploradores. Deixamos, sempre, este jeito suave de sorrir e a lágrima fácil. Tesitos mas alegritos.

E foi talvez, também, por isso que “deixamos” as coisas descambarem, desde do entusiasmo igualitário 25 de Abril, para níveis nunca vistos de facilitismo, compadrio e corrupção.

“Enormes privilégios dos funcionários foram inventados, arranjados, organizados e concedidos pelos dirigentes políticos e partidários que, nos governos, no Parlamento e nas autarquias, durante trinta anos, tentaram desta maneira conquistar votos, prender as clientelas e empregar os seus correligionários.”

Tudo à mistura - bem entendido - com grandes doses de porreirismo e desenrascanço. O estado, nas suas componentes central e local, foi o veículo mais eficaz de ganhar votos. Concedendo privilégios e aceitando - como comportamentos normais - o absentismo, o oportunismo e a incompetência.

No que fomos todos, em maior ou menor grau, coniventes. Sendo tolerantes com a corrupção, tendo um baixíssimo nível de participação cívica e, sobretudo, não utilizando a arma do voto para nos promover assegurando administrações isentas e competentes.

Preferimos, antes, continuar a nadar no caldinho do porreirismo e do incumprimento das obrigações fossem elas laborais, fiscais ou culturais. Preferimos embarcar na música que canta que isso dos partidos e dos políticos são todos iguais e que as ideologias morreram.

Dando de comer, cada vez mais, a esse virus nacional que é a inveja.

“Ou comem todos ou haja moralidade” como diria o sapateiro de Braga. Quem triunfa ou é porque anda no negócio da droga ou porque é ladrão e cheio de padrinhos. E os bancos avançam com créditos para consumos desnecessários que apenas visam manter aparências.

Se os outros têm também temos o “direito” de ter. Não interessa nada como nem para quê. E, muito menos, interessa à custa de quem e do quê. Interessa, essencialmente, ter um lugar cativo nas nossas quintas das celebridades.

Não deixa, por tudo isso, de ser irónico (para não dizer patético) que quando um governo se vê na contingência inadiável de apertar o cinto as comadres se zanguem todas.

Os funcionário públicos porque estão a ser vítimas de ataques terríveis e a serem transformados nos maus da fita, os vários partidos porque se acotovelam para tirar dividendos políticos da situação e os sindicatos porque aproveitam para molhar a sopa.

Esquecendo-se os primeiros que durante anos se deixaram “comprar” por privilégios imerecidos, os segundos porque fazem parte do mesmo sistema que tem vivido à custa dessas políticas e os terceiros porque denunciam a perda de direitos para alguns que deviam ter defendido para todos.

E, como sempre, procuramos os bodes expiatórios em todos os outros esquecendo-nos que aceitamos todas as demagogias e populismos que nos quiseram impingir, fingindo que não sabíamos que estávamos a viver acima das nossas possibilidades.

Será que alguma vez vamos deixar de ser crianças grandes?



P E D R O D A M A S C E N O