terça-feira, dezembro 15, 1992

Minha EDA gentil


FACE OCULTA

MINHA EDA GENTIL
DE EMPREGADOS MIL
NINFA DE DESENCANTOS
CEGUEIRA DOS MEUS PRANTOS
«Um PT anónimo»


Minha EDA gentil


Nem os poetas te resistem, Eda das nossas noites à moda antiga!

Bem podemos pregar e protestar contigo que nada adiantamos. Para ti o silêncio é de oiro e como o oiro, apesar da crise, está caro…estamos conversados.

Cortes tem-los de rodas as qualidades: de dia e de noite, de madrugada e ao entardecer, longos e curtos, totais e parciais. Terás defeitos mas também tens qualidades e destas avulta a democraticidade. Comem todos: do norte e do sul, do oeste e do leste, pobres e ricos, trabalhadores e preguiçosos, pêésses e pêpêdês. Até, coitados, os das Aliança Democrática.

Altiva e serena, continuas o teu rumo de fada. Espraiando teus raios cintilantes, por serrados e encostas, vales e montanhas, lagos e falésias, és a rainha incontestada e incontestável da nossa modernidade. Não há nada que te resista: televisões e vídeos. Computadores e caixas registadoras, arcas e frigoríficos, lâmpadas e holofotes. Através de ti bebemos a beleza e a arte, o trabalho e o pão.

As baleias, grandes seres que povoam a nossa memória colectiva, lá vão passeando, à custa da CEE, nos mares aos nossos pés. Deixando-nos sem óleo que em nossas candeias ardeu e que, modestamente mas sem cortes, nos iluminou. Quase que apetece dizer que antes vale uma baleia em terra do que duas centrais térmicas a cortar.

Mas a vida passa e os poetas que ladrem, dirás tu.

E, se calhar, tens razão. Sempre foi assim: os cães a levantarem a perna, os poetas a sonharem, a más-línguas a mexericarem, os trabalhadores a trabalharem, os outros a olharem para eles.

Porque havias tu, bem pensado, de dar mais luz do que aquela que o teu ventre, delicado e mimado, dá? Porque haveria a tua face mimosa de levar chapada dos filhos das trevas que pululam por todo o lado? Quem não te ama é porque é cego e a pior cegueira, bem o sabes, não é a que é provocada pela falta de luz mas falta de vontade de querer ver.

Por isso, hoje estou contigo. Sobretudo quando afirmas que se as pessoas soubessem o que custa dar à luz não haveria pirilampos nesta vida. Mas o que mais dói, concordo contigo, é andarem para aí alguns filhos da luz a comportarem-se como filhos das trevas e a tentarem trazer-te para a lama. Mas sempre foi assim em terras pequenas: cortar as asas a quem quer voar, puxar para baixo quem quer subir, escurecer quem dá luz.

Por isso aguenta-te no teu posto e não dês cavaco.

Ilumina enquanto puderes e quando não puderes manda-os todos levar no contador.



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segunda-feira, novembro 30, 1992

A BELICA DA TELEVISÃO


FACE OCULTA


                                             A BELICA DA TELEVISÃO         

   

A inusitada, repetida e desapropositada mostra de uma anónima belica lusitana com que a nossa única televisão nos «brindou» ultimamente, bem justifica estas belicosas linhas!

 Nada faltou, desde os primeiros planos aos desenhos explicativos. Belica sozinha, depois bélica já cozida ao dono e finalmente belica meia arrancada. Tudo acompanhado de sumarentos detalhes clínicos e cirúrgicos.

Nada nos move, obviamente, contras a belicas de uma forma geral e certamente nada contra esta em particular. Como nada nos move contra a liberdade de expressão, nos seus termos mais latos.

Apenas nos surpreende que uma televisão estatal e, por conseguinte, um serviço público, se preste ao mais insólito e sórdido sensacionalismo enveredando por uma completa e inconsciente falta de decoro e, ainda por cima, num dos tempos mais nobres - o telejornal.

 A história conta-se em dois tempos. Um doente mental mutilou, em virtude da sua doença, o pénis. Situação que não sendo de todos os dias acontece com alguma frequência em certos tipos de perturbações mentais.

Dados os avanços cirúrgicos que, felizmente, se registam neste país, uma equipa médica conseguiu suturar o órgão amputado ao doente, com aparente êxito. Dias mais tarde o doente tentou novamente a mutilação, desta vez por arrancamento. O que terá posto em risco o sucesso da intervenção cirúrgica.

Questiona-se que esta história, embora pouco comum, devesse ter honras de aparecer duas vezes no telejornal. Mas concede-se que tendo em conta que implicou um acto médico complexo, tenha constituído matéria aceitável para aquele programa. Mas apenas por tal, evitando os pormenores escabrosos como a belica na ambulância, no tabuleiro, etc..

O resto é, liminarmente, lamentável.

Em primeiro lugar porque constitui uma inaceitável quebra da privacidade de um cidadão que teve a sua intimidade exposta de forma perfeitamente explícita com a agravante de se tratar de um doente do foro psiquiátrico e consequentemente fortemente incapacitado até para protestar em tribunal o aproveitamento que foi feito da sua doença. Em segundo lugar porque veio explorar o bizarro e o insólito sem terem em linha de conta o eventual espectador, fosse ele maior ou menor, sensível ou não. Sem esquecer o papel formativo que a RTP / A, por única e omnipresente, tem.

Uma perfeita pirataria ao nível do «jornal do sexo» ou «jornal do Incrível». Ontem foi um pénis, amanhã pode ser uma vagina ou uns testículos!

Ficou-nos a sensação de se tratar de um bom exemplo da subcultura ou pseudocultura que, cada vez mais, prolifera e que se distingue pela abordagem dos temas de uma forma superficial, sensacionalista e inconsequente. Há assuntos que pela sua complexidade e importância devem ser abordados e discutidos em sede própria e com a necessária profundidade. Se assim não for arriscamo-nos a produzir informação «enlatada» e a estimular uma banalização de temas que deveriam ser tratados com sobriedade e seriedade.

A cultura é fundamental para a qualidade de vida das pessoas na medida em que lhes proporciona melhor entendimento de si próprias e promove o culto pelo belo e pela inteligência.

Mas jamais deverá deixar-se que cultura involua para subcultura, um subproduto caracterizado por «conhecimentos» cozinhados em «supermercados de informação» e engolidos de forma crítica e consumista. No fundo falar de tudo e de todos de maneira arrogante, ignorantes e irresponsável.

Não vamos ser conservadores nem puritanos, mas vamos ser sensatos. O sexo deixou, e muito bem, de ser um tabu. Deve fazer parte das nossas vidas como qualquer outra função do corpo humano e como tal deve ser encarado. Mas com respeito e equilíbrio.

Interessante seria imaginar o que pensaria o Dr. Sigmund Freud se tivesse tido acesso àquelas duas peças televisivas? Iria simplesmente rir-se ou iria mesmo levar o assunto a sério e propor, à Administração da RTP, umas sessões de psicanálise ao responsável pelo programa?

Abaixo a belica da televisão.



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sexta-feira, outubro 30, 1992

NEM O PRÓPRIO CRIME, ÀS VEZES, COMPENSA


FACE OCULTA


                                                                                                            O PS está a transformar-se num desgosto
                                                                                       Augusto Abelaira (23/10/92)


NEM O PRÓPRIO CRIME, ÀS VEZES, COMPENSA


As últimas eleições regionais foram, certamente, uma excelente lição para muita boa gente.

A começar pelos «três mosqueteiros» da AD Açores que sofreram a maior humilhação das respectivas e defuntas carreiras políticas. Levaram um «nyet» que nenhum político, mesmo no maior pesadelo, esperava levar. E deles, mais não rezará a história.

Seguidos do PS/Machado/Guterres/César que não atingiu qualquer dos objectivos que se propôs obter. Não conseguiu maioria, nem absoluta nem simples, para governar nem tão pouco o mais modesto de todos – retirar a maioria absoluta ao PSD.

 Apesar dos deméritos do PSD e de um desejo de mudança patente em largos sectores da população, o PS conseguiu uma meta notável: o aumento da maioria do PSD na Assembleia Regional! Ficou com o modesto prémio da consolação de ter subido 0,9% na Região.

O PS sofreu, por isso, uma clara e pesada derrota eleitoral que nenhum seu dirigente, por muito bem-falante que seja, conseguiu ou conseguirá escamotear.

A aposta de Mário Machado, com consequente descaracterização do partido e subalternização do seu líder, falhou redondamente. Sobretudo em S. Miguel onde se jogava, e toda a gente o sabia, o resultado eleitoral. Um claro aviso à navegação: fazer política à base de sondagens, passando por cima de projectos e pessoas, não pegou.

A derrota do projecto PS/Mário Machado/Guterres/César não foi grande mal para ninguém, para além dos seus principais protagonistas. Era à partida, um projecto «hermafrodita», uma manta de retalhos de cariz exclusivamente eleitoralista, sem coesão política nem chama.

Se calhar até foi bom porque, assim, não se queimou a ideia de que é necessário mudar. Como também não se abriu a porta a uma mudança que, por ter pés de barro, se arriscava a ser apenas uma mudançazinha que mais não traria do que maior descrédito ao sistema democrático e aos políticos. O que, de facto, se queimou foi (apenas) oportunismo; incoerência política e ambição de poder pelo poder.

O PS tem, agora uma encruzilhada e dois grandes caminhos.

O primeiro é aceitar, com humildade e inteligência, os resultados eleitorais e, finalmente, arregaçar as mangas e começar a trabalhar a sério para daqui a quatro anos. Trabalho que, essencialmente, terá de se desenvolver em duas frentes: por um lado repensar, o partido, o projecto e a liderança; por outro desenvolver um trabalho político e parlamentar profícuo e credível.

O segundo é limitar-se a lamber as feridas e a culpabilizar os natalinos e os sacos de cimento pela derrota e continuar à espera que algum truque de mágica (seja ele Mário Machado ou outro) lhe o poder.

Os Açores precisam do PS porque precisam de democracia e, o mesmo é dizer, de alternativas. E o PS é, simultaneamente, um partido com dimensão para ser poder e que se situa na grande área ideológica (social democracia/socialismo democrático) da maioria esmagadora dos açorianos. O problema do PS/Açores não é de dimensão nem de ideologia. É de liderança, trabalho e credibilidade.

Águas paradas só criam limos. Da diferença e do conforto é que surge a vida.

É imprescindível para o desenvolvimento da região que a vida democrática seja revigorada e que a Assembleia Legislativa Regional se transforme num verdadeiro fórum de trabalho político e debate.

O imobilismo e o unanimismo só servem a corrupção e o atraso.

Mas o PS se não mudar, será o eterno número dois. Teve uma oportunidade política de oiro e perdeu-a. Fundamentalmente porque preferiu a cábula ao trabalho, a improvisação ao planeamento.

Nem o próprio crime, às vezes, compensa.


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quinta-feira, outubro 15, 1992

CASOS EXEMPLARES


FACE OCULTA


«A civilização é um movimento e não uma condição, uma viagem e não um porto»
                                                                                                                                Arnold Toynbee


CASOS EXEMPLARES


É praticamente um lugar-comum falar mas dos telefones e dos correios. Tal é a frustração que as contínuas incompetências, abusos e prepotências criam nos cidadãos.

Os correios e Telecomunicações de Portugal continuam a ser um grande elefante branco que, sobranceiramente, caminha sobre o nosso quotidiano insular.

As reclamações e críticas são de todo o lado, das mais variadas e, por vezes bem exaltadas. Mas tudo termina, invariavelmente, no cesto dos papéis da empresa. Raríssimas vezes esta se dignou dar esclarecimentos públicos e adequados. E, quando o fez, foi mais para publicitar os milhões que investiu e vai investir na Região.

Mas não adianta gritar e espernear. Haverá sempre uma desculpa e tudo ficará, habitualmente, na mesma.

As situações, hoje já clássicas, repetem-se diariamente: contas de telefone exorbitantes que os utentes têm de pagar sem qualquer possibilidade de controlo, telefones que funcionam aos soluços e quando do calha, anos de espera para um telefone, cartas que desapareceram misteriosamente ou que demoram meses a chegar aos destinatários, tarifas especiais (expresso e correio azul) que não cumprem os prazos anunciados, etc. etc..

Mas mesmo que o cidadão se sente e escreva uma queixa perfeitamente fundamentada não tem qualquer garantia de ter uma resposta escrita, atempada e satisfatória. Pode esperar, debalde, mais um ano sem que o assunto ande. Por muito gravoso que isso seja para a sua vida. O que pode é deixar de pagar o telefone na alturinha certa e por muito disparatada que seja a conta, aí a empresa é mesmo eficaz. Adeus viola!

Os CTT funcionam para o imaginário comum como quele criminoso que faz trinta por uma linha e que acaba sempre por escapar. Arranja sempre um expediente, uma desculpa, um silêncio e está feito.

Só que, talvez, desta vez a empresa terá que enfrentar um situação muito concreta e da qual terá dificuldade em se deslindar com a habitual impunidade.

Numa estação de correios desta Região não uma ou duas cartas desapareceram, mas centenas! Desaparecimento que teve o tratamento que é habitual: encolher os ombros. Não estavam registadas, paciência. Ainda por cima os caminhos andam cheios de buracos.

Acontece, no entanto, que o «milagre» aconteceu: as cartas apareceram. Mas não por via de qualquer diligência dos CTT, apenas porque um cidadão comum as descobriu enterradas na terra e as foi entregar a um dos seus remetentes!... Assim mesmo, enterradinhas da costa. Cartas, mesmo sujas e tudo, que os CTT andam, finalmente, a entregar aos destinatários.

Naturalmente que haverá um responsável directo por esta situação mas não se trata de crucificar ninguém ou procurar bode expiatório para as deficiências desta verdadeira calamidade regional.

Importa, sim, pegar num caso exemplar e extremo como este e perguntar a quem de direito como é que é possível que situações destas acontecem em 1992. Como é possível que actuações desta gravidade possam existir e passar despercebidas e impunes, não fora uma coincidência?

Se calhar, grande parte dos nossos sofrimentos são devidamente a papeis que se enterram ou deitam fora, funcionários que não arranjam os equipamentos, responsáveis que não fiscalizam adequadamente os seus serviços, etc..

Quem faz um cesto, faz um cento.

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terça-feira, setembro 15, 1992

MUDANÇAS E MUDANÇAZINHAS


FACE OCULTA

«Existe um perigo na mudança arrojada mas ainda maior é o perigo do conservadorismo ceg
                                                                                                                Henry George

«Os partidos são um mal necessário nos países livres.»
                                                                         Toqueville


MUDANÇAS E MUDANÇAZINHAS
DEMOCRACIA E PARTIDOCRACIA


Inicia-se, agora, a contagem descendente para o acto eleitoral regional de Outubro, com uma campanha eleitoral que promete aquecer.

Óptima altura para reflectir um pouco, e de forma desapaixonada, sobre a política e os políticos.

Aos açorianos vai pôr-se, mais uma vez, a possibilidade de optarem entre vários partidos. Não mais do que isso. Os eleitores vão votar em partidos, não vão votar em pessoas e, muito menos, em deputados. Os votos vão ser contabilizados aos partidos e não aos deputados. E a melhor prova disso é que quem ganhar, seja ele quem for, vai considerar esta vitória como do seu partido.

Os eleitores só estariam a escolher os seus deputados se eles respondessem directamente perante que os elegeu. Mas não, os deputados respondem em primeiro lugar perante o partido que os fez eleger.

No presente sistema os deputados estão, em primeira linha, comprometidos com o programa do partido ou coligação que foram eleitos. Tentar fazer crer o contrário é pura fraude. O deputado só representará directamente os seus eleitores quando for nominalmente eleito por eles e só perante eles responder.

O deputado «independente» eleito por um partido é um puro eufemismo normalmente destinado a captar votos indecisos que o partido não consegue tocar. O deputado independente só existirá de facto quando acabar o exclusivo dos partidos e os cidadãos se puderem candidatar com plataformas políticas autónomas.

Portugal, após 18 anos de exercício democrático, continua a manter um modelo de representação que assenta, quase exclusivamente (excepção às juntas de freguesia), nos partidos políticos. A vida política deste país e desta região é, em termos práticos, um exclusivo dos partidos.

Partidos que criaram os seus líderes (alguns de duração bem fugaz outros quase monarcas), os seus estados-maiores constituídos por «notáveis» e as suas clientelas. E são os partidos que têm monopolizado as escolhas dos nossos governantes, dos nossos deputados e dos nossos presidentes de câmara.

Os eleitores votam, sem dúvida, mas votam em opções que são uma espécie de refeições pré-cozinhadas. E, não poucas vezes, vêem-se obrigados e escolher entre o fogo e a frigideira!

Que vivam os partidos pois a sua existência é imprescindível numa sociedade livre. Mas que acabe este verdadeiro monopólio que detêm sobre a vida política do país. É certo que muita gente perderá tachos e benesses mas a democracia será reforçada. Não é por acaso que o nível das abstenções atinge níveis verdadeiramente preocupantes. Haverá um conjunto de razões mas de todas elas uma sobressai: o desencanto e o cepticismo perante os políticos e a política («todos querem é tacho»)

E de facto política («f. ciência ou arte de governar os povos ou nações») é substancialmente diferente de democracia («f. sistema político fundamentado no princípio de que toda a autoria emana do povo e que se materializa na participação deste na gestão administrativa estatal quer seja directamente ou por representação»). Mesmo quando a participação do povo se faz por representação (caso da Assembleia Regional) nunca esta representação se deveria autonomizar em relação aos eleitores. Mas não é isso que acontece na maioria dos casos. Acontece, sim, partidocracia (sistema político baseado no princípio de que todas a autoridade emana dos partidos) que, claramente, é uma forma menor de democracia.

Tarde a hora em que os partidos tenham a coragem e a isenção de modificar a Constituição no sentido de abrir à participação de verdadeiros independentes todos os níveis da vida política. Até para que não caia na hipocrisia de serem os próprios partidos (por definição o contrário de independência) a promoverem candidaturas de «independentes». Os partidos significam, por excelência, um ideologia e um projecto colectivos. Os independentes representam, por excelência, ideias e projectos personalizados. Como diria o Povo, «cada macaco no seu galho»!

Mas para participar na gestão de uma sociedade (democracia) não se pode resumir a votar de tantos anos ou meses, seja em partidos seja em independentes. Essa participação, para ser real, terá que se fazer no dia-a-dia e em todo o lado (emprego, rua, agremiações culturais e recreativas, sindicatos e associações patronais, associações de consumidores e de defesa do ambiente, etc.) As pessoas terão que perceber que todo o cidadão tem o direito e o dever de participar activamente na condução dos seus destinos – quer seja protestando, apoiando, denunciando ou criticando. Votar nas eleições embora sendo um acto cívico da maior impotência não é suficiente.

Os Açores precisam urgentemente de mudar, muita gente tem consciência disso. É urgente que a sociedade açoriana abandone mitos de infabilidade e tabus de insularidade. É urgente que se torne uma sociedade mais aberta, participada e solidária. É urgente acabar com o espírito da esmola e do subsídio. Os Açores têm que se bastar a si próprios, tem que viver ao nível das suas possibilidades. É urgente desenvolver e criar riqueza, mas esse esforço tem que ser colectivo.

As mudanças que urge introduzir não serão, por isso, atingidas apenas por se mudarem governantes ou partido. As mudanças só surgirão se a sociedade civil açoriana for capaz de se empenhar na sua obtenção. Os governos podem estimular essa participação como podem reprimi-la. Mas a última palavra deverá caber sempre ao cidadão.   

Se assim não for teremos (se tivermos) mudançazinhas e não mudanças. Do mesmo modo que continuaremos a ter partidocracia e não democracia.



P E D R O  D A M A S C E N O

domingo, agosto 30, 1992

A ESTRATÉGIA DA ROLETA RUSSA


FACE OCULTA

                                                                                                          «Roleta. f. Jogo de azar.»



A ESTRATÉGIA DA ROLETA RUSSA



Ao colocar, à partida, nas mãos do Dr. Mário Machado o cargo político regional mais importante, o Partido Socialista tornou-se, antecipadamente, em seu refém absoluto.

Se o PS ganhar as eleições, o actual Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada será o próximo presidente do governo.

Nem mais nem menos.

Assim, um praticamente ilustre desconhecido da política regional «arrisca-se» a ocupar um lugar da maior relevância. Aparte um curto desempenho de funções autárquicas, ainda que no maior município açoriano, umas entrevistas na RTP/Açores e uns bons índices, segundo se diz, em sondagens encomendadas pelo PS pouco mais se sabe do Dr. Mário Machado.

Sem pretender desqualificar o cidadão, que como qualquer outro deve merecer todo o nosso respeito, é indiscutível que se trata de um curriculum político muito pobre para o desempenho de funções que exigem grande e comprovada experiência, bom conhecimento dos dossiers regionais, capacidade negocial e de estabelecer consensos e, acima de tudo, capacidade de liderança de um estado democrático.

Não faz nenhum sentido que o Partido Socialista tenha travado durante todos estes anos um prolongado e árduo combate político como maior partido de oposição e em que, tantos e tão capazes, militantes se empenharam para entregar, de mão beijada, o poder a um desconhecido que, ainda por cima, nem socialista é.

O único sentido que se pode descortinar em tal estratégia é o desespero de finalmente chegar ao poder, seja a que preço for. Nem que para isso tenha tido que sacrificar os seus princípios programáticos, a sua democracia interna, a dignidade do seu líder e os legítimos direitos de militantes com provas dadas.

Será, assim, tão importante assim para o relançamento da imagem do Eng. António Guterres e do PS nacional uma vitória (?) do partido dos Açores?

Por muito simpático, populista e bom gestor que seja, o Dr. Mário Machado é uma perfeita incógnita para os açorianos em geral e socialistas em particular. E não será a sua peregrinação pelas ilhas nem a campanha eleitoral que o irão dar a conhecer. Porque propaganda não passa de propaganda.

Com base nos dados que se dispõe, o candidato a presidente do governo regional proposto pelo PS tanto pode vir a ser bom, assim-assim ou mau como, muito mau. Será mais uma questão de fé, amor à camisola ou, então de voto útil.

Porque não se sabe se é o Partido Socialista que está a reboque do Dr. Mário Machado ou se é este que anda a reboque do PS. Mas pelo que se tem ouvido nas declarações do candidato, pela composição de alguma listas e por histórias de Ponta Delgada, o mais provável é que seja o PS que anda a reboque do Dr. Mário Machado.

Até pode ser que haja um acordo secreto, escrito em tabelião e tudo, que dê ao PS todas as garantias que o seu candidato vai ser, na prática, um zeloso governante ao serviço do partido que o elegeu  do socialismo democrático. Mas se há, os eleitores não o conhecem e, portanto, terão de se limitar a acreditar nas declarações de boas intenções.

Ao apostar nesta estratégia o PS apostou no tudo ou nada: se ganhar vai ficar com um sarilho, de todo o tamanho, nos braços mas sempre poderá inebriar-se com a tão desejada vitória e esperar que o exercício do poder lhe dê uma oportunidade para pôr a casa em ordem; se perder vai ficar em cacos.

 Ao puxar o gatilho o partido Socialista não sabe se tem alguma bala na câmara ou não. Uma verdadeira estratégia de roleta russa.



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Nota: O último «FACE OCULTA» intitulado «AD – Açores: um arremedo de «Sá Carneiro» regional?» trouxe um parágrafo com uma gralha que lhe alterou o sentido, deveria ler-se assim: «Será difícil que alguém venha a acreditar na validade política de uma proposta que pretende ser um frentismo anti – Mota Amaral, mas que tem no seu interior o vírus da sua própria doença. Seria como tratar um doente com Sida dando-lhe transfusões com sangue infectado com a doença.»
O nosso colaborador Pedro Damasceno não tem qualquer suspeita de que a AD – Açores tenha Sida!
As desculpas aos nossos leitores e à AD – Açores.

sábado, agosto 15, 1992

AD-AÇORES: arremedo de "SÁ CARNEIRO" regional?


FACE OCULTA



«Um aliado tem de ser vigiado da mesma maneira que um inimigo»
                                                                                                      Leon Trostky



AD-AÇORES: ARREMEDO DE «SÁ CARNEIRO» REGIONAL



As coincidências são mais do que muitas para não passarem apenas disso. Até o PPM, partido que nunca teve qualquer expressão na Região, foram buscar.

Contudo há, também, diferenças consideráveis que podem tornar a AD – Açores numa imitação, de duvidosa qualidade. Para além do indiscutível mérito de ser mais uma força política a oferecer os seus préstimos ao eleitorado açoriano, poderá haver dúvidas legítimas quanto ao seu futuro desempenho na política regional.

Desde logo porque tem como matriz o CDS, partido que sempre tem tido prestações eleitorais muito baixas. De seguida porque como uma força que tem essencialmente como referência a ilha Terceira, facto que lhe retira, uma base regional de apoio.

Mas as dificuldades não ficam por aí. É uma força que procura colher votos no eleitorado PSD, mas excluindo este partido. Ou seja vai buscar dissidentes deste partido pra funcionarem como «a peninha no chapéu». Trata-se, portanto, de uma AD sem PDS, mas a fingir que o tem.

Naturalmente que quando escolheram o nome AD – Açores, os seus mentores não o fizeram por mero acaso mas por motivos políticos e que seriam, mutatis mutandi, os da AD de Sá Carneiro, contudo o que a AD – Açores pretende não é, evidentemente, a constituição de um bloco de centro direita para vencer a esquerda liderada para vencer o Partido Socialista. Mas quase o contrário: ajudar aquele partido a derrubar o PSD. Circunstância que torna a escolha do nome difícil de perceber, a menos que se esteja perante uma perfeita demagogia destinada a capitalizar o saudosismo de certas camadas de eleitores sociais-democratas.

A AD – Açores mostra-se determinada a participar no derrube de Mota Amaral, mas propõe-se conseguir esse objectivo usando, até ao pormenor, num modelo conhecido para derrubar o PS e a esquerda. Determinação esta que levou mesmo a que o CDS cedesse a liderança desse dissidente de última hora do PSD e, ainda por cima, uma ex-figura de proa do estado laranja regional que essa mesma AD pretende derrubar!

É o que, com propriedade, poderíamos designar de «tratar o bicho com o pelo do mesmo animal»!

Se a AD – Açores o inimigo número um é o PSD/Mota Amaral porque não se coligou o CDS com o PS em torno da candidatura de Mário Machado? Porque se refugiou atrás de argumentos de ordem ética e correu a servir de base de apoio aos novos políticos de um dos grandes responsáveis pela actual situação política regional?

Será difícil que alguém venha a acreditar na validade política de uma proposta que pretende ser um frentismo anti- Mota Amaral, mas que tem no seu interior o vírus da doença da Sida, dando-lhes transfusões de sangue infectado com a doença.

O CDS pese, embora, a pequenez do seu grupo parlamentar na Assembleia Legislativa Regional deu contributos muito válidos quer para a melhoria do funcionamento daquele órgão quer para a vida política regional. Como também é sabido o CDS conta, entre os seus militantes, com quadros técnicos de valor reconhecido a que, inclusive, abriram e abrem o apetite do PS e de Mário Machado.

Porquê, então, a estratégia seguida? Será sina dos partidos da oposição regional, hipotecarem os seus líderes e dirigentes máximos e os seus princípios a hipotéticos ganhos eleitorais?

Será que o CDS acredita que poderá vir a desempenhar um papel de partido charneira na próxima assembleia, preparando-se para negociar o poder com um PDS enfraquecido e sem maioria absoluta? Ou será que não tendo, pudicamente, querido entrar na «nave» Mário Machado, se prepara para o obrigar a baixar a bola, eventualidade de ele ter de formar um governo de coligação?

E quanto ao cabeça de cartaz da AD – Açores?

Não discutimos as razões do Dr. Borges de Carvalho porque essas são óbvias. Só não percebe quem não quiser.

Fica-nos, apenas, a dúvida de qual é o seu objectivo final: simplesmente manter um lugar ao sol na política regional ou um regresso triunfal a um PSD, órfão, desorientado e vergado pela derrota?

AD – Açores: arremedo de «Sá Carneiro» regional?



P E D R O  D A M A S C E N O