sexta-feira, outubro 30, 1992

NEM O PRÓPRIO CRIME, ÀS VEZES, COMPENSA


FACE OCULTA


                                                                                                            O PS está a transformar-se num desgosto
                                                                                       Augusto Abelaira (23/10/92)


NEM O PRÓPRIO CRIME, ÀS VEZES, COMPENSA


As últimas eleições regionais foram, certamente, uma excelente lição para muita boa gente.

A começar pelos «três mosqueteiros» da AD Açores que sofreram a maior humilhação das respectivas e defuntas carreiras políticas. Levaram um «nyet» que nenhum político, mesmo no maior pesadelo, esperava levar. E deles, mais não rezará a história.

Seguidos do PS/Machado/Guterres/César que não atingiu qualquer dos objectivos que se propôs obter. Não conseguiu maioria, nem absoluta nem simples, para governar nem tão pouco o mais modesto de todos – retirar a maioria absoluta ao PSD.

 Apesar dos deméritos do PSD e de um desejo de mudança patente em largos sectores da população, o PS conseguiu uma meta notável: o aumento da maioria do PSD na Assembleia Regional! Ficou com o modesto prémio da consolação de ter subido 0,9% na Região.

O PS sofreu, por isso, uma clara e pesada derrota eleitoral que nenhum seu dirigente, por muito bem-falante que seja, conseguiu ou conseguirá escamotear.

A aposta de Mário Machado, com consequente descaracterização do partido e subalternização do seu líder, falhou redondamente. Sobretudo em S. Miguel onde se jogava, e toda a gente o sabia, o resultado eleitoral. Um claro aviso à navegação: fazer política à base de sondagens, passando por cima de projectos e pessoas, não pegou.

A derrota do projecto PS/Mário Machado/Guterres/César não foi grande mal para ninguém, para além dos seus principais protagonistas. Era à partida, um projecto «hermafrodita», uma manta de retalhos de cariz exclusivamente eleitoralista, sem coesão política nem chama.

Se calhar até foi bom porque, assim, não se queimou a ideia de que é necessário mudar. Como também não se abriu a porta a uma mudança que, por ter pés de barro, se arriscava a ser apenas uma mudançazinha que mais não traria do que maior descrédito ao sistema democrático e aos políticos. O que, de facto, se queimou foi (apenas) oportunismo; incoerência política e ambição de poder pelo poder.

O PS tem, agora uma encruzilhada e dois grandes caminhos.

O primeiro é aceitar, com humildade e inteligência, os resultados eleitorais e, finalmente, arregaçar as mangas e começar a trabalhar a sério para daqui a quatro anos. Trabalho que, essencialmente, terá de se desenvolver em duas frentes: por um lado repensar, o partido, o projecto e a liderança; por outro desenvolver um trabalho político e parlamentar profícuo e credível.

O segundo é limitar-se a lamber as feridas e a culpabilizar os natalinos e os sacos de cimento pela derrota e continuar à espera que algum truque de mágica (seja ele Mário Machado ou outro) lhe o poder.

Os Açores precisam do PS porque precisam de democracia e, o mesmo é dizer, de alternativas. E o PS é, simultaneamente, um partido com dimensão para ser poder e que se situa na grande área ideológica (social democracia/socialismo democrático) da maioria esmagadora dos açorianos. O problema do PS/Açores não é de dimensão nem de ideologia. É de liderança, trabalho e credibilidade.

Águas paradas só criam limos. Da diferença e do conforto é que surge a vida.

É imprescindível para o desenvolvimento da região que a vida democrática seja revigorada e que a Assembleia Legislativa Regional se transforme num verdadeiro fórum de trabalho político e debate.

O imobilismo e o unanimismo só servem a corrupção e o atraso.

Mas o PS se não mudar, será o eterno número dois. Teve uma oportunidade política de oiro e perdeu-a. Fundamentalmente porque preferiu a cábula ao trabalho, a improvisação ao planeamento.

Nem o próprio crime, às vezes, compensa.


P E D R O  D A M A S C E N O




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