FACE
OCULTA
A
BELICA DA TELEVISÃO
A inusitada,
repetida e desapropositada mostra de uma anónima belica lusitana com que a
nossa única televisão nos «brindou» ultimamente, bem justifica estas belicosas
linhas!
Nada faltou, desde os primeiros planos aos
desenhos explicativos. Belica sozinha, depois bélica já cozida ao dono e
finalmente belica meia arrancada. Tudo acompanhado de sumarentos detalhes
clínicos e cirúrgicos.
Nada nos move,
obviamente, contras a belicas de uma forma geral e certamente nada contra esta
em particular. Como nada nos move contra a liberdade de expressão, nos seus
termos mais latos.
Apenas nos
surpreende que uma televisão estatal e, por conseguinte, um serviço público, se
preste ao mais insólito e sórdido sensacionalismo enveredando por uma completa
e inconsciente falta de decoro e, ainda por cima, num dos tempos mais nobres -
o telejornal.
A história conta-se em dois tempos. Um doente
mental mutilou, em virtude da sua doença, o pénis. Situação que não sendo de
todos os dias acontece com alguma frequência em certos tipos de perturbações
mentais.
Dados os avanços
cirúrgicos que, felizmente, se registam neste país, uma equipa médica conseguiu
suturar o órgão amputado ao doente, com aparente êxito. Dias mais tarde o
doente tentou novamente a mutilação, desta vez por arrancamento. O que terá
posto em risco o sucesso da intervenção cirúrgica.
Questiona-se que
esta história, embora pouco comum, devesse ter honras de aparecer duas vezes no
telejornal. Mas concede-se que tendo em conta que implicou um acto médico
complexo, tenha constituído matéria aceitável para aquele programa. Mas apenas
por tal, evitando os pormenores escabrosos como a belica na ambulância, no
tabuleiro, etc..
O resto é,
liminarmente, lamentável.
Em primeiro
lugar porque constitui uma inaceitável quebra da privacidade de um cidadão que
teve a sua intimidade exposta de forma perfeitamente explícita com a agravante
de se tratar de um doente do foro psiquiátrico e consequentemente fortemente
incapacitado até para protestar em tribunal o aproveitamento que foi feito da
sua doença. Em segundo lugar porque veio explorar o bizarro e o insólito sem
terem em linha de conta o eventual espectador, fosse ele maior ou menor,
sensível ou não. Sem esquecer o papel formativo que a RTP / A, por única e
omnipresente, tem.
Uma perfeita
pirataria ao nível do «jornal do sexo» ou «jornal do Incrível». Ontem foi um
pénis, amanhã pode ser uma vagina ou uns testículos!
Ficou-nos a
sensação de se tratar de um bom exemplo da subcultura ou pseudocultura que,
cada vez mais, prolifera e que se distingue pela abordagem dos temas de uma
forma superficial, sensacionalista e inconsequente. Há assuntos que pela sua
complexidade e importância devem ser abordados e discutidos em sede própria e
com a necessária profundidade. Se assim não for arriscamo-nos a produzir
informação «enlatada» e a estimular uma banalização de temas que deveriam ser
tratados com sobriedade e seriedade.
A
cultura é fundamental para a qualidade de vida das pessoas na medida em que
lhes proporciona melhor entendimento de si próprias e promove o culto pelo belo
e pela inteligência.
Mas jamais
deverá deixar-se que cultura involua para subcultura, um subproduto
caracterizado por «conhecimentos» cozinhados em «supermercados de informação» e
engolidos de forma crítica e consumista. No fundo falar de tudo e de todos de
maneira arrogante, ignorantes e irresponsável.
Não vamos ser
conservadores nem puritanos, mas vamos ser sensatos. O sexo deixou, e muito
bem, de ser um tabu. Deve fazer parte das nossas vidas como qualquer outra
função do corpo humano e como tal deve ser encarado. Mas com respeito e equilíbrio.
Interessante
seria imaginar o que pensaria o Dr. Sigmund Freud se tivesse tido acesso
àquelas duas peças televisivas? Iria simplesmente rir-se ou iria mesmo levar o
assunto a sério e propor, à Administração da RTP, umas sessões de psicanálise
ao responsável pelo programa?
Abaixo a belica
da televisão.
P
E D R O D A M A S C E N O
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