sexta-feira, março 22, 2013

Isaltino, Macário & Cª Lda.


FACE OCULTA



Isaltino, Macário & Cª Lda.
(Os tribunais atrás do osso)



            Embora muito diferentes, pelo tipo de ilícito, os casos com a justiça de Isaltino Morais e Macário Correia têm um traço comum – a procura incessante da impunidade e as fintas ao sistema.

            Ambos com sentenças, indiscutivelmente transitadas em julgado, continuam a tentar a fintar o sistema com recursos e expedientes “chico-espertistas” tendo Isaltino conseguido o record com 44 (?) recursos.

            Criando um ambiente de total descrédito do sistema de justiça e, sobretudo, a ideia de que se tiveres dinheiro e falta de vergonha o mundo é teu e que, afinal, só os pequenos ladrões vão presos ou levam multas.

            Criando, também, a ideia que o edifício judicial português está cheio de “buracos” e omissões que deixam passar, em malha larga, os mais evidentes casos de crime/ilegalidade.

            Ideia completamente errada porque em Portugal não há um défice de leis ou normas mas simplesmente uma incapacidade/falta de vontade de decidir e, por conseguinte, de assumir o respectivo ónus.

            No caso de Isaltino falta simplesmente alguém com a coragem cívica e institucional para o mandar prender. No caso de Macário falta apenas esclarecer que qualquer decisão que venha a tomar como “presidente de câmara” é liminarmente inválida e que autarquia está funcionar sem presidente por muito que Macário persista em manter-se no gabinete.

            Ou seja, os tribunais passam a vida a correr atrás dos ossos que os advogados lhes atiram sem se preocuparem com a lei que efectivamente deviam salvaguardar, contando com uma comunicação social que lhes agradece o maná de sensacionalismo que lhes permite fazer parangonas suculentas.

            Pretensas habilidades dos advogados que só colhem porque encontram acolhimento junto de tribunais que acabam por aceitar recursos que mais não procuram do que adiar, eternamente, sentenças transitadas em julgado em contravenção clara da lei.

            Quem leia os jornais/ouça televisão fica com a ideia de que as leis estão feitas para proteger os poderosos/possidentes e que basta dinheiro e um “bom” advogado para comprar a eterna impunidade.

            Ideia errada que desvaloriza a responsabilidade dos tribunais e atira para cima das “omissões” da lei aquilo que, realmente, apenas tem a ver com incapacidade/coragem decisória e com o pleno exercício de responsabilidades institucionais.

            O sistema judicial não precisa de mais leis para estancar a falta de credibilidade galopante que tem vindo a sofrer. Precisa, simplesmente, de deixar de correr atrás de todos os ossos que lhe atiram e de exercer as competências que lhe estão cometidas e fazer cumprir a lei.

            Contexto em que Isaltino, Macário e Cª Lda não tem lugar.



PEDRO  DAMASCENO
            

sexta-feira, março 08, 2013

Beppe Grillo


FACE OCULTA



Não há vento favorável para um marinheiro sem rumo
Séneca (filósofo)



Beppe Grillo
Um exemplo paradigmático




            O extraordinário resultado eleitoral obtido por Beppe Grillo e o seu partido Movimento Cinco Estrelas (25,55%) representa um facto político da maior relevância para a Itália e, não menos, para a Europa.

            Um candidato anti-sistema cujo currículo tem como factos mais relevantes a sua notoriedade mediática como comediante e o seu discurso antipolítico feroz. Juntando a isso posições anti austeridade e anti euro.

            Quase no outro extremo ficou Monti, conceituado economista, que conduziu os destinos do país e que representava a Europa tecnocrática, apoiante do euro e das políticas de austeridade, mas que não lhe concedeu os meios indispensáveis à afirmação política.

            Algures no meio quedou-se o outro comediante (este não profissional) Sílvio Berlusconi que apostou, como habitualmente, no discurso demagógico e populista com o apoio da sua formidável máquina televisiva fazendo uma eloquente prova de vida.

            A coligação de centro esquerda teve uma vitória de Pirro, ao ter mais votos mas a não conseguir a maioria no Senado. A lembrar Al Gore que teve mais votos expressos mas que perdeu as eleições ou que os fins não justificam todos os meios.

            Enfim, o quase-epílogo do sistema partidário como o conhecemos.

            Obviamente os italianos estão fartos da austeridade e de velhos políticos/velha política. Só assim fazendo sentido um resultado tão expressivo de alguém sem experiencia política e/ou aparelho partidário.

A vitória de Beppe Grillo é, antes de tudo, a derrota de um sistema partidário anquilosado e de interesses aparelhísticos/pessoais instalados. Os eleitores estão, pelos vistos, cansados de mais do mesmo. Pouco lhes importando se o sistema fica bloqueado ou não.

O cartão vermelho não poderia ter sido mais rubro.

O que coloca muito alto a fasquia da mudança, indispensável e urgente, do sistema partidário italiano e, o mesmo será dizer, da grande maioria das democracias europeias. As receitas habituais, incluindo coligações contra-natura, têm os dias contados.

Os eleitores disseram que estão fartos (o crédito dos políticos bateu no fundo) e que o voto de protesto é uma arma que estão dispostos a usar. Ponto. Fica agora o desafio de sair de um impasse que veio para ficar e poderá estender-se a outros países. Desafio que terá de envolver todos os actores.

Quanto a Portugal?

            Do lado dos partidos reformas profundas que tragam caras novas com o abandono simultâneo do carreirismo e do aparelhismo e propostas políticas frescas que ponham as pessoas no centro do palco e visem promover e apoiar os investimentos produtivos. Abrindo, também, o parlamento às candidaturas independentes.

            Do lado dos cidadãos o desencadear de movimentos orgânicos de cidadania que escrutinem e fiscalizem a actividade política e económica/financeira e que imponham regras de conduta transparentes aos políticos, ao estado e às instituições financeiras. Estabelecendo plataformas sectoriais e dinamizando o diálogo entre governados e governantes.

            Do lado dos média posições equidistantes e uma informação com base em investigação e estudo e não apenas no lançamento avulso de parangonas sensacionalistas. Em países com elevada iliteracia a qualidade da imprensa/televisão tem um papel crucial na formação da opinião pública.

            Do edifício judiciário – teoricamente independente do estado – uma justiça adequada mas, sobretudo, célere que venha desencorajar a prática impune de ilícitos cuja culpa continua a morrer solteira e que lança um profundo descrédito sobre o estado de direito como pilar fundamental e garante da democracia.

            Utopia? Talvez, mas uma coisa é certa: a alternativa não é um qualquer comediante ou a varanda cibernauta do Facebook que não sendo boa nem má permite disseminar a informação a uma escala e a uma velocidade estonteantes abrindo a porta a todo tipo de excessos. E muito menos será um outro qualquer iluminado da província – austero, autoritário e inculto.

            Doutro modo não faltará muito tempo para termos, também, o nosso comediante de serviço (ou já teremos?!). Na civilização do espectáculo, o cómico é rei. E a democracia como caricatura é a antecâmara da ingovernabilidade.

           
PEDRO  DAMASCENO

sexta-feira, março 01, 2013

A pantomina das facturas


FACE OCULTA




A pantomina das facturas
 (quando o fraco se faz de forte)





A polémica instalada em Portugal sobre a obrigatoriedade do consumidor pedir facturas reflecte, exemplarmente, o estado de esquizofrenia legislativa e regulamentar em que se caiu.

O estado vendo-se incapaz, através do seu braço armado - o fisco -, de fiscalizar a actividade económica descobre o ovo de colombo: transformar, compulsivamente, o cidadão comum em bufo/fiscal.

Numa lógica do tipo não-mate-o-próximo-que-é-crime ou não-assalte-essa-casa-que-é-proibido. Transformando o cidadão num misto de polícia, fiscal e juiz. Transferindo, também, para ele o ónus da repressão/fiscalização e deixando para quem de direito apenas a tarefa de incomodar os já sobretaxados cidadãos (velhinhas e deficientes incluídos).

Não se questionando o princípio da fiscalização económica - legal e, já agora, ilegal - é absurdo (e possivelmente inconstitucional) tentar transferir para o cidadão tarefas tipicamente do estado e, ainda-por-cima, com a ameaça de multas - mais impostos travestidos?

Sobretudo quando as empresas, legais e sérias, se vêm confrontadas com um verdadeiro colete-de-forças informático e de cruzamento de dados que lhes acarretam custos suplementares para o exercício da sua actividade. Vendo, à sua volta, a proliferação de uma concorrência ilegal que se move relativamente à vontade.

A sobrecarga de impostos e a complexidade contabilística a que se chegou neste país torna rentável e apetecível a fuga ao fisco e o recurso à economia paralela. A ocasião faz o ladrão e este sabe bem que a nossa teia burocrática e judicial joga totalmente a seu favor. Os exemplos abundam e nem é preciso falar no inenarrável caso BPN nem nas corrupções ao mais alto nível.

Quanto mais leis mais ladrões.

Este é, seguramente, um caso em que o cidadão deverá tomar posição e manifestar - de forma bem enfática - o seu desacordo. Numa prática de cidadania que demonstre que a democracia não começa nem acaba em eleições/parlamento/governo. A democracia constrói-se no dia-a-dia e o cidadão deverá ser o actor principal.

Sem pretender diminuir a política e a legitimidade do voto mas chamando a atenção para que a democracia não é um mero exercício de opinião a fazer de quatro em quatro anos. Não podendo governo/maioria fazer simplesmente o que quer e lhe apetece nem o cidadão ultrapassar os limites da correcção/respeito.

O populismo e demagogia germinam bem em casas em que não há pão mas é difícil não perder a compostura perante a arrogância de quem devia dar o exemplo mas, antes, utiliza o poder político discricionariamente e sem a mínima preocupação de diálogo.

Portugal vive dias muito difíceis com um exército crescente de desempregados (uma negação do direito à vida, como diria Ortega y Gasset) e preocupantes níveis de pobreza. Portugal resmunga e protesta mas ainda sofre muito em silêncio.

Não é tempo para brincarmos aos polícias e ladrões.

  
P E D R O    D A M A S C E N O