segunda-feira, março 30, 1992


FACE OCULTA


O COMBATE É DE TODOS


É questão pacífica e incontroversa que a Educação é uma área de crucial importância. Dela depende a maturidade e o progresso dos povos. Todos os discursos políticos, oficiais ou partidários, hipócritas ou não, lhe atribuem a maior prioridade.   

E pode ser mesmo uma máquina de trucidar ministros, como ainda recentemente vimos. Tal o seu peso na sociedade e tantos os sectores com que mexe.

Mas a Escola, centro de educação por excelência, está longe de constituir, entre nós, um centro de formação global. Entendendo-se por isso uma área de aprendizagem e de convívio com objectivos de formação cívica, técnica, intelectual e cultural.

A escola é sobretudo uma zona de transmissão de conhecimentos, de forma mais ou menos passiva e mais ou menos competente. Pouco vai para além disso.

E se atendermos a que as Escolas Preparatórias têm alunos entre os 10 e os 28 anos, senão mais, o assunto assume outras proporções. Trata-se de um período de vida determinante na formação do indivíduo.

Ora o Pico, como o restante país rural, ainda tem uma grande percentagem de pais semi-analfabetos. Pais que não estão em condições de acompanhar o desafio da educação escolar e geral dos filhos. No espaço de uma geração criaram-se fossos de índole cultural, intransponíveis, entre pais e filhos.

Quase de repente, graças ao 25 de Abril, Portugal avança para a democratização do ensino que deixa de ser privilégio de alguns para ser um direito de todos. Mas essa soberba conquista trouxe no seu seio dificuldades de toda a ordem para um país pobre e periférico: de instalações, de professores, de programas, de baixo nível cultural da população, etc.

No entanto, quase 18 anos são passados e, não esquecendo as muitas facetas positivas e os muitos esforços despendidos, a Escola ainda está longe de se ter constituído em trave mestra, como devia, da democracia. A Escola ainda não consegue ser o grande artífice do combate às desigualdades, já que ao nível da formação dos alunos não consegue suprimir os grandes défices (higiénicos, cívicos, intelectuais e culturais) de que a maioria deles é portadora.

E é, justamente, na superação destes grandes défices que deveria ser posto o acento tónico. Doutro modo os alunos, independentemente das capacidades individuais, estarão, também longe de serem iguais quando saem da Escola. A igualdade só será resposta quando a Escola for capaz de dar uma resposta integral às assimetrias económicas e culturais que herdamos da ditadura.

E neste combate temos que intervir: Estado, professores, pais, alunos e comunidade em geral. Não pode haver passividade de quem quer que seja e muito menos de quem, comodamente, se habituou a ver no Estado um protector omnipotente.

O combate é de todos.

P E D R O  D A M A S C E N O
  

QUO VADIS PSD?


FACE OCULTA


QUO VADIS PSD?



Após a apresentação pública da AD - Açores/versão Borges de Carvalho e o PS – Rosa/Mário Machado ficamos a aguardar aquilo que já se sabe: a candidatura formal de Mota Amaral.

Ficará assim, definitivamente, provado que nem o CDS nem o PS conseguiram arranjar, entre os seus militantes e dirigentes, alguém que se candidatasse ao cargo de Presidente do Governo Regional. Apenas o PS conseguiu.

Força ou fraqueza? Eis a questão.

Será que o PSD é o único partido que, na Região, consegue encontrar no seu seio um dirigente à altura de ser Presidente do Governo ou será que se instalou naquele partido uma dinastia que apenas a morte quebrará? Ou será que naquele partido as coisas se passam ao contrário do que se passa no PS? Ou seja, enquanto que o PS não teve, pelo vistos, outro remédio senão ir buscar um candidato ao exterior, o PSD não teve outro remédio senão arranjar o mesmo candidato do interior?

Com efeito é estranho que o último congresso regional do partido no poder, ao contrário do anterior, tenha sido um congresso sem listas alternativas ou dissidências visíveis. Pressentiu-se que nem tudo estava bem, mas nada mudou ainda que cosméticamente. Até ao contestado Natalino Viveiros foi, calmamente, eleito vice-presidente do partido. O próprio ex-vice presidente do Governo, Costa Neves escapou por uma unha negra e lá acabou por ser «encaixado» por S. Miguel!

Assim, o PSD que sabia muito bem que teria que enfrentar novos desafios e uma renhida contenda eleitoral, sai com uma imagem pública de perfeita continuidade. Apenas com alguns dissabores de percurso como o show parlamentar de Renato Moura, a cambalhota na eleição dos órgãos partidários da Terceira ou a exótica saída de Borges Carvalho.

De resto tudo na mesma, como nada se passasse! O que é estranhíssimo.

Toda a gente sabe o grande desgaste que a figura de Mota Amaral sofre, hoje, na Região por causa dos longos anos de governação que leva e por não ter sido capaz, na altura própria, de disciplinar os barões do seu partido e de dar a imprescindível imagem de liderança forte e de renovação. Os agentes económicos e a opinião pública anseiam por uma renovação. De forma geral as pessoas estão fartas das mesmas pessoas, do mesmo discurso, do omnipresente compadrio, da constante incompetência, etc. Mesmo dispostas a votar no PSD, querem que algo mude.

A ideologia, pode dizer-se, morreu.

Muita pouca gente se preocupa, hoje em dia e sinceramente, com a ideologia. O comunismo foi enterrado com pompa e circunstância. O antigamente jaz morto e apodrece. A democracia cristã é um ghetto sem pretensões a maioria, qualquer coisa entre um fundamentalismo envergonhado e uma igreja sem sotaina. Ficam a social democracia e o socialismo, uma espécie de Benfica-Sporting ou Sporting-Benfica, conforme os gostos.

E é neste Benfica – Sporting/Sporting – Benfica que consiste a política regional. Ninguém acredita a sério numa vitória quer da CDU quer da AD - Açores. Foi isso que compreendeu o PS quando se deixou de tretas e mandou a ideologia às malvas e «contratou» um treinador «estrangeiro».

É isso que ainda ninguém entendeu se o PSD percebeu.

O Dr. Mário Machado não vai, obviamente, fazer um discurso ideológico. Primeiro porque sabe muito bem que a força da sua imagem tem residido no facto de ter fama de partir a louça quando é preciso e de resolver os problemas concretos. O PS pôs os seus líderes na prateleira e mandou o socialismo a banhos porque, provavelmente, percebeu que quem marca golos é que ganha. O resto é bom para tertúlias de intelectuais.

O PSD com a sua longa experiência governativa sabe muito bem, também, que a sua permanência no poder tem muito a pouco a ver com ideologia. Tem, sobretudo, a ver com a gestão adequada do aparelho de estado regional nomeadamente no sentido de manter satisfeita a sua clientela política habitual e de conquistar, se possível, faixas indecisas do eleitorado que vacilam entre as vantagens de uma mudança com incógnitas e uma situação que os não tem beneficiado mas cujos vícios conhecem.

A fase post-FLA, altamente inflamada de ideologia, já lá vai muito tempo. O discurso da autonomia é, hoje em dia, pouco mais do que um madrigal muito querido do Dr. Mota Amaral.

Por isso fica a dúvida se o PSD percebeu o que se está a passar na política regional. Se tivesse percebido era natural que se estivesse a afadigar com a aquisição de um naipe de novos jogadores que viessem dar algum alento a um treinador que já empolgou as multidões mas que, cada vez mais, se mostra pouco imaginativo e incapaz de voltar a encher os estádios.

Percebe-se que o PSD não mude de treinador porque não quer ferir a «velha» glória e porque se quer afirmar como o único grande partido que apresenta um candidato genuinamente seu. Agora, não se entende muito bem, porque não renova substancialmente o plantel e, porque não (?), até não arranja um treinador adjunto!

A próxima contenda eleitoral regional será renhida. Tem todos os ingredientes para isso. O voto terá a ver com perspectivas de melhoria das condições de vida e oportunidades de emprego. As ideologias contarão muito pouco. Como, aliás, está a acontecer por todo o mundo.

Será que o partido no poder está mesmo a perceber o que se passa?

Quo vadis PSD?



P E D R O  D A M A S C E N O


DEMISSÃO INSÓLITA


FACE OCULTA



DEMISSÃO INSÓLITA



O peso que o deputado Borges de Carvalho deteve, desde sempre, no aparelho do PSD e a sua súbita e isolada demissão justificam uma análise detalhada.

Com efeito, Borges de Carvalho além de líder do grupo parlamentar sempre desempenhou papel de relevo na defesa dos pontos de vista do seu partido no parlamento. Como sempre, foi um elemento chave no aparelho partidário na ilha Terceira. Funcionalidade que lhe proporcionou largas benesses governamentais tais como a generosa fatia de avenças jurídicas de várias secretarias e departamentos governamentais. Facto não despiciendo já que lhe terá dado acesso, ao longo dos anos das vacas gordas da autonomia, a significativos proveitos.

Não se trata portanto, da demissão isolada de um qualquer militante do partido governamental. Trata-se da demissão de um elemento chave do PSD/TERCEIRA e um companheiro de estrada, durante muitos anos, de Mota Amaral.

Mas não só. Trata-se também da demissão de um membro do grupo da Terceira que, a determinada altura, começou a contestar a lideranças de João Bosco e que nas últimas eleições para os órgãos da ilha do partido tomou conta da chefia do aparelho. Parceiro de Joaquim Ponte e Fátima Oliveira, que desempenham funções do mais alto relevo na direcção terceirense do partido.

Borges de Carvalho sempre se posicionou como um homem influente do partido, uma das faces públicas do projecto autonomista social-democrata. Jamais foi um elemento marginal, foi sempre um aguerrido parlamentar.

É, portanto, neste contexto que deve ser analisada a sua demissão. Uma demissão isolada, sobretudo em relação aos restantes membros da linha contestaria terceirense e ao próprio Álvaro Dâmaso. Para já todos continuam no partido.

Situação perfeitamente entendível se Borges de Carvalho tivesse justificado a sua demissão com argumentos de ordem pessoal. Mas os argumentos invocados foram políticos e, o que é bem mais grave, levantaram a suspeição do espectro separatista ao PSD. Acresce que insinuação tão grave não mereceu qualquer repúdio formal do partido e que o autor tem obrigação de conhecer profundamente os cantos à casa.

De modo que se faz correr aquele deputado não é mero despeito de quem foi desalojado de gordos privilégios ou o desamor de quem já tem a barriga cheia, então o assunto é grave. Trata-se de uma acusação séria que tem que ser devidamente fundamentada pelo seu autor e que tem que merecer uma tomada de posição muito clara por parte dos responsáveis máximos do PSD.

Então sempre será verdade que a autonomia do PSD é apenas um degrau na caminhada separatista? Se sim porque razão apenas agora, que o assunto parecia estar moribundo, se lembrou Borges de Carvalho de o trazer a colação? Que aconteceu aos outros membros do grupo contestário terceirense que se remeteram ao mais profundo silêncio?

Nesta questão há, efectivamente, várias contradições que convém esclarecer.

Borges de Carvalho, apenas um homem isolado e ressentido ou um homem de barriga cheia que tenta dar uma coloração política a um acto de abandono? Ou então Borges de Carvalho um homem de coragem, a ponta de um iceberg de proporções descomunais versus um PSD agonizante que já nem reagir consegue?

Uma demissão que, em qualquer das possíveis versões, não é inocente nem acidental. Uma demissão que não pode ser ignorada nem tratada como um mero fait-divers da política regional.


PEDRO  DAMASCENO


domingo, março 15, 1992

APRESENTAÇÃO


FACE OCULTA



APRESENTAÇÃO



Ao iniciar esta coluna de opinião que tenciono manter com a maior regularidade, imprescindível se torna uma apresentação.

A ideia inicial nasce de uma inquietação profunda: a de que é urgente que não nos deixemos adormecer pelo hábito e pela rotina, transformando a vida num deserto de ideias.

A vida só vale a pena ser vivida se for inventada todos os dias. A imortalidade, só se conseguirá se abrirmos, de par em par, as portas da nossa criatividade.

Mas a criatividade vive da incerteza e da diversidade.

A humanidade apenas avançou e conheceu progresso e felicidade quando foi capaz de dar passos no desconhecido. A tentativa-erro foi a única ferramenta que se mostrou adequada para se atingir o real conhecimento.

A unanimidade sempre se mostrou como uma vereda perigosa. O ser humano é demasiado complexo e imprevisível para ser encaixado em modelos fixos. Quando isso aconteceu deram-se das maiores tragédias da história da humanidade.

Tudo é finito: os homens, as ideias e o próprio universo. Não há verdades imutáveis ou imortais. A aventura humana é um autêntico caleidoscópio que nos revela, constantemente, uma riquíssima multiplicidade de imagens e emoções.

Por isso é urgente que haja humildade e generosidade na procura dos nossos caminhos colectivos. A nossa caminhada para o futuro é, sempre e necessariamente, um salto para o desconhecido mas o desconhecido sempre foi o nosso destino.

O quotidiano, baço e cinzento, em que a maior parte de nós vive não é inevitável. Grande parte das vezes ele é fruto da nossa cobardia, indolência e mesquinhez. A felicidade tem muito a ver com a coragem, força e generosidade.

FACE OCULTA pretende ser apenas um grão de areia. Um espaço de reflexão, em que se tentará intervir de forma crítica e criativa no nosso dia-a-dia. Aqui se procurará questionar tudo e todos procurando sempre as faces ocultas das pessoas, ideias e acontecimentos.

Com coragem e humildade procuraremos agitar as águas deste nosso quotidiano delicodoce, fugindo às ideias feitas e aos preconceitos.

Procuraremos agarrar a vida: desde o mais modesto acontecimento da nossa ilha até ao mais sonante facto internacional. Apenas nos preocuparemos em escolher aquilo que nos proporcione um bom motivo de reflexão ou um ensinamento.

A vida é feita de pequenas coisas. O que lhe dá grandeza, ou não, é a maneira como a vivemos.



P E D R O  D A M A S C E N O